Evitar dizer a verdade, contorná-la, ou simplesmente
silenciar sobre ela, é um princípio básico de sobrevivência da candidatura que
não é mais o que era.
Juarez Guimarães - http://www.cartamaior.com.br/
O primeiro alerta partiu do deputado federal Jean Wyllys, do
PSOL, em carta aberta dirigida à Marina Silva no dia 30 de agosto: “Bastaram
quatro tuites do pastor Malafaia para que, em apenas 24 horas, a candidata se
esquecesse dos compromissos de ontem anunciados em um ato público transmitido
por televisão e desmentisse seu próprio programa de governo, impresso em cores
e divulgado pelas redes. É com essa autoridade de quem agiu de boa fé, que
agora digo: Marina, você não merece a confiança do povo brasileiro. Você mentiu
a todos nós e brincou com a esperança de milhões de pessoas”. A explicação dada
pela campanha de Marina foi totalmente inconvincente: teria sido um erro de
edição, de quem formatou o programa!
Agora, vem o juízo do respeitado colunista Jânio de Freitas,
documentando inverdades ditas várias vezes por Marina sobre três questões
importantes: o pré-sal, os transgênicos e a relação entre suas opiniões
políticas e religiosas. “Há uma lenda de que sou contra os transgênicos. Mas
isto não é verdade”, disse Marina em entrevista a William Bonner e Patrícia
Poeta. Jânio de Freitas registra que apenas uma pesquisa entre os anos 1998 e
2002 revelou que Marina não só fez seis discursos contra os transgênicos como
apresentou um projeto de lei proibindo-os inicialmente por cinco anos.
Argumentava com base “em cinco referências bíblicas”, “tendo em vista o lado
espiritual”.
Da mesma forma, Jânio documentou várias declarações públicas
recentíssimas da candidata contra o pré-sal. E, ao final de seu breve juízo,
afirmava que Marina parece confirmar a fórmula de que se “deveria esquecer tudo
o que antes havia dito”.
Agora, no dia 11 de setembro, vem a repórter Letícia
Fernandes, de O Globo, documentar que Marina mentiu na sabatina feita pelo
jornal. Marina afirmou que havia dado, quando era senadora, um parecer
contrário ao projeto do deputado Filipe Pereira (PSC-RJ) que exigia “a
obrigatoriedade da manutenção de exemplares da Bíblia Sagrada nos acervos das bibliotecas
públicas “. “Me deram um relatório de um projeto que obrigava a colocar bíblias
em todas as bibliotecas. Eu dei parecer contrário”, afirmou a O Globo. A
pesquisa da repórter comprovou que Marina não deu o parecer contrário.
Não é razoável também pedir a alguém que acredite, como
Marina repetiu várias vezes, que a sua relação com uma das principais herdeiras
do Banco Itau, que coordenou o seu programa de governo e que a teria convencido
da necessidade de defender a autonomia do Banco Central, seja por afinidades
eletivas apenas como educadoras. Essa relação desinteressada tornou-se
completamente inverossímil depois que se revelou que a amiga bancou 83 % das
verbas, um milhão de reais, em 2013 do Instituto que Marina dirige e que lhe
garante a sobrevivência.
Aliás, Marina não parece ter dito a verdade quando respondeu
aos repórteres que não podia revelar os clientes nem quanto lhe pagaram por
proferir palestras nos últimos anos porque estes clientes lhe exigiam cláusulas
de confidencialidade. Uma pesquisa feita pelo jornal O Estado de São Paulo
revelou quem eram estes clientes: grandes bancos, empresas e seguradoras como o
Santander, o Banco Crédit Suisse, a multinacional Unilever, a Federação
Nacional das Empresas de Seguros Privados e Capitalização, faculdades
neoliberais. E, ao contrário do que Marina afirmou, confidenciou ao repórter um
banqueiro: quem pedia cláusula de confidencialidade era a própria Marina !
O antigo tesoureiro da campanha do PSB, Márcio França,
candidato a vice-governador na chapa de Alckmin, não parece ser também um
representante da “nova política”. Ele certamente não disse a verdade quando
declarou à imprensa que os documentos do avião em que viajava Eduardo Campos e
seus companheiros não podiam ser apresentados porque estavam dentro dele e
teriam sido provavelmente destruídos na queda. Como se documentou fartamente
depois, na verdade, o avião havia sido comprado com notas frias e laranjas por
empresas fraudulentas.
E muito menos o novo tesoureiro da campanha de Marina, agora
diretamente indicado por ela, Álvaro de Souza, parece indicar novos rumos na
política. Ele é ex-presidente do...City Bank no Brasil! Haja “nova política”!
Marina parece querer ocultar a verdade de seus eleitores
quando declarou que não subirá aos palanques nem de Alckmin em São Paulo nem de
Lindhenberg no Rio. É uma forma de não querer misturar sua imagem à “velha
política” e mostrar eqüidistância em relação ao PT e ao PSDB. Mas ela combinou,
então, com o deputado Beto Albuquerque, seu vice, para ir ao primeiro programa
de TV Alckmin no horário eleitoral gratuito manifestar o seu apoio ao
governador do PSDB? Ou ele agiu contra a sua opinião no principal colégio
eleitoral do país? Aliás, Marina sabe, já que foi inclusive noticiado na
imprensa, que este deputado federal pelo PSB do Rio Grande do Sul teve a sua
candidatura financiada pela empresa Monsanto, principal interessada na
aprovação dos transgênicos, e até por fabricantes de armas! É ele, então, um
representante da “nova política”?
Marina não diz a verdade nem quando acusa o PT, partido no
qual se formou e militou durante 27 anos: Paulo Roberto teria sido indicado
pelo PT “para assaltar os cofres da Petrobrás’. Ora, este indivíduo ocupou
cargo de direção na Petrobrás desde 1995, durante o primeiro governo FHC, e foi
demitido no dia 19 de abril de 2012 por Graça Foster, indicado por Dilma para a
presidência da Petrobrás.
O que não pode mais ser escondido
Ricardo Noblat, certamente um dos jornalistas com
informações mais confiáveis sobre o que se passa na cúpula do PSDB, noticiou
que a firme opinião de Fernando Henrique Cardoso era de que Aécio não deveria
criticar Marina, deveria, ao contrário, renunciar à sua candidatura à
presidência e apoiar já Marina no primeiro turno. Aécio resistiria a esta
decisão por ter esperanças de ainda poder salvar de uma derrota arrasadora o
candidato do PSDB ao governo Ora, como se documentou fartamente em artigo
publicado em Carta Maior, “A “nova’ Marina é criatura de FHC”, o paradigma de
programa, os economistas mandatados, a nova direção política de sua campanha,
os financiadores e tesoureiros, seus argumentos e sua linguagem estão
diretamente inseridas no campo político e intelectual organizado por FHC. Mas
Marina não pode reconhecer esta ligação tão orgânica porque viria abaixo a sua
identidade de ser a protagonista de uma “nova política” que visa superar a
polarização PSDB e PT. Daí que esta relação íntima tenha de ser permanentemente
escondida ou negada aos eleitores.
Mas uma contradição ainda mais explosiva tem de ser o tempo
todo administrada por Marina. De um lado, ela afirma compromissos em aumentar
os recursos do governo federal para a educação, para a saúde, para o Minha Casa
Minha Vida, para o Bolsa Família, o valor do salário-mínimo , o emprego etc. Do
outro, cada vez que falam os economistas mandatados por ela, Eduardo Gianetti e
André Lara Resende, dois economistas neoliberais cujo radicalismo cheira à
barbárie, é o inverso o que dizem. É como se Marina dissesse ao mesmo tempo:
“odeio futebol mas não perco um jogo do Flamengo!”. Ou melhor: meu compromisso
é com os pobres .. mas só gostar de andar atualmente com grandes banqueiros!.
Marina leu o que disse Eduardo Gianetti na entrevista
publicada na capa do jornal Valor Econômico, de 6 de setembro, quando este
afirmou com todas as letras “que os compromissos na área social assumidas pela
candidata do PSB serão cumpridos à medida que as condições fiscais permitirem ?
” E que “ esses compromissos se distribuem no tempo. É um erro grave imaginar
que o que está colocado no programa vá se materializar no primeiro orçamento”?
Marina ouviu a palestra pública proferida por André Lara
Resende que uma “boa economia não pode ser feita com bons sentimentos” e que,
ao invés de se ajudar os pobres do Nordeste, é preferível investir na educação?
Será que ela leu que em seu programa está escrito que a legislação trabalhista
que protege os direitos dos trabalhadores brasileiros deve ser superada ou
contornada, como estão denunciando os principais representantes da tradição
jurídica do Direito do Trabalho no Brasil?
De novo: Marina não pode fugir da contradição porque ela é,
a sua própria candidatura, a contradição. Tem que documentar que ela é confiável
e, como se diz em linguagem neoliberal, “amiga do mercado financeiro”, mas, ao
mesmo tempo, tem de cultivar a adesão dos que querem direitos sociais mais
universalistas e de melhor qualidade. Isto é, está impedida de dizer a verdade.
Violência e ilusão
A violência, todo o sentido anti-democrático e anti-popular,
da principal proposta de Marina Silva para a economia – a chamada “autonomia”
do Banco Central – é revelada quando se documenta que o Brasil já teve um Banco
Central autônomo. Este era um sonho antigo dos economistas liberais ortodoxos
brasileiros como Eugênio Gudim, Octávio Gouveia de Bulhões e Roberto Campos
desde os anos quarenta do século passado, que travaram desde sempre uma luta de
vida ou morte contra Celso Furtado e as tradições desenvolvimentistas
brasileiras.
Eles conseguiram realizar este sonho exatamente com o golpe
militar de 1964: a reforma bancária logo anunciada pelos golpistas transformava
a antiga Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc) em Banco Central e
concedia autonomia para as autoridades monetárias. A diretoria do Banco central
era composta por quatro membros, escolhidos dentre seis membros do Conselho
Monetário Nacional, com mandatos fixos de seis anos.
Denio Nogueira, o primeiro presidente do Banco Central, era
consultor do Sindicato dos Bancos do Rio de Janeiro e da ALALC ( Associação
Latino Americana para Livre Comércio) e desde os primeiros anos da década de
sessenta passou a fazer parte do IBAD ( Instituto Brasileiro de Ação
Democrática) e do IPES ( Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais). Enquanto o
IPES era o órgão que disseminava propaganda para justificar o golpe militar, o
IBAD era encarregado de manipular os recursos para financiar e corromper
candidatos comprometidos com o golpe na democracia. Depois de cumprido o seu
mandato interrompido pelos generais - promoveu uma forte desvalorização
cambial, que lhe provocou forte desgaste, tendo sido chamado junto com Roberto
Campos e Octávio Gouveia de Bulhões de “trindade maldita” – Denio Nogueira foi representante
no Brasil do grupo Rotschild and Sons, indicado por Eugênio Gudin, mostrando
que desde o início houve forte intimidade entre diretores do BC e os grandes
grupos financeiros internacionais.
É claro, a candidata Marina nada sabe disso. Faz parte do
ator político transformista devorar o passado, inclusive o próprio, e
inscrever-se em um tempo messiânico que promete o novo. Isto é para ele uma
necessidade já que não pode explicar a razão de sua mudança, as rupturas que
teve que fazer e os novos compromissos que teve de assumir.
Toda a violência da ação transformista de Marina está
inscrita nesta passagem da política de opiniões fundamentalistas sobre temas da
moral – por definição, o fundamentalista é aquele que defende verdades para
além dos séculos e das circunstâncias - para a política pragmática, que, por
definição, é aquela que ajusta a sua política à necessidade de vencer a todo
custo.
Uma política carismática deve oferecer ao seu público as
provas de sua autenticidade. Se a autenticidade lhe é desmentida, o carisma vem
abaixo. Mas a verdade – uma relação clara e nítida com os seus eleitores – é,
como procuramos demonstrar, o que Marina não pode mais representar.
Na política, assim como na vida, há momentos em que é
preciso defender as pessoas que já amamos e cujo passado admiramos do que elas
vieram a ser e fazer contra a dignidade da sua própria memória. Se Marina hoje
não nos pode dizer a verdade, é preciso – é absolutamente necessário – que
sejamos capazes, democraticamente e de modo sereno, dizer a verdade à Marina.
Créditos da foto: Arquivo
Nenhum comentário:
Postar um comentário