Os brasileiros, mesmo os mais bem informados, não têm
notícia do grau inacreditável de truculência e barbárie praticado pelos
governos tucanos em Minas.
Juarez Guimarães e Neemias de Souza Rodrigues (*) - http://www.cartamaior.com.br/
Se Marina não podia mais dizer a verdade pela mudança brusca
de identidade política e pela inconsistência de suas novas posições, Aécio
Neves, como uma perfeita encarnação do simulacro, tem que cada vez mentir mais
para evitar a derrocada de sua candidatura. Exposta como nunca foi antes ao
contraditório democrático, ela está em fuga para a frente: as evidências
públicas de seu falseamento e truculência estão já espalhadas por todos os
lados.
Esta fuga para a frente, como a sobrerepresentação de um
ator que tem que encenar uma peça cada vez mais inverossímil, alcançou o grau
máximo de falseamento no programa de televisão que Aécio levou ao ar para
provar que ele é o maior defensor dos direitos do trabalho e Dilma o oposto
disso. O programa foi concebido como uma “conversa franca”, um “papo reto”,
como disse o candidato, com um elenco das maiores representações sindicais do
país (na verdade, a parte majoritária da Força Sindical, que desde sempre apoiou
FHC). Oito sindicalistas fizeram perguntas e, após as respostas do candidato
que lhes chamava sempre pelo nome no sentido de denotar intimidade com o mundo
do trabalho, proclamavam juras de amor, fidelidade, admiração e esperança a
Aécio.
Não houve perguntas de nenhum sindicalista de Minas. E é
importante saber o por que. Desde 2011, fazendo a crítica a Serra que não teve
o apoio de nenhuma central sindical nas eleições de 2010, o PSDB em Minas jogou
o peso do governo para criar o PSDB Sindical. Fracassou completamente: “o PSDB,
por sua trajetória, não tem o “DNA trabalhista”, para favorecer seu braço
sindical”, afirmou o cientista político mineiro Rudá Ricci. É certo mas é mais
do que isso: o PSDB tem um DNA anti-trabalhista!
Na disputa com a CUT pela direção do Sindicato dos
Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em
Serviços de Esgotos de Minas ( Sindágua), a chapa apoiada pelo PSDB saiu
derrotada. Para as eleições do Sindicato Único dos trabalhadores em Educação
(SindUTE) e para o Sindieletro, o PSDB nem conseguiu formar chapa de oposição.
E pior: a Força sindical perdeu para a CUT/ Intersindical o seu principal
sindicato em Minas, o dos Trabalhadores Metalúrgicos de Ipatinga, no Vale do
Aço. Luiz Carlos Miranda, ex-presidente deste sindicato e ex-presidente da
Força Sindical em Minas, foi derrotado após trinta anos e está sendo processado
por corrupção, formação de quadrilha, enriquecimento ilícito e desvio de
dinheiro do sindicato para a sua campanha eleitoral. O procurador do Ministério
Público do Trabalho, Adolfo Jacob, acusa com 542 provas documentais o
ex-presidente de vender sempre para as empresas acordos coletivos e até inserir
cláusulas não aprovadas na convenção coletiva.
As oito perguntas feitas já embutiam inverdades sobre os
governos Lula e Dilma e as oito respostas de Aécio replicavam promessas
diametralmente opostas ao que FHC fez quando presidente e ele fez quando
governador. O perguntador afirma, por exemplo, que Lula e Dilma não deram
reajuste nenhum a aposentados (na verdade de junho de 2000 a janeiro de 2013,
os cerca de dois terços que recebem o piso de aposentadoria do INSS receberam
349 % de reajuste e os que recebem acima do piso 143, 9 %, ambos acima do IPCA
calculado pelo IBGE) e Aécio responde que reajustará os aposentados acima da
inflação (segundo a presidente do Sindicato dos Aposentados e Gestores
Públicos, em audiência pública na Assembléia Legislativa de Minas, em dezoito
anos o reajuste das aposentadorias dos servidores estaduais foi calamitoso, de
49,9 % !).
Aécio afirma que FHC segurou a inflação (na verdade, a média
da inflação de 1995 a 2002 foi de 9,1 %, sendo de mais de 12 % em seu último
ano), enquanto no governo Dilma a inflação voltou a crescer de forma
descontrolada ( na verdade foi em média de 6,1 % e será seguramente menor ainda
este ano, apesar de toda a desvalorização do real em relação ao dólar). Aécio
afirma que Dilma não construiu creches para as trabalhadoras (segundo noticiou
o jornal Folha de S. Paulo de 29 de setembro, construiu 5.902 creches, quase a
meta plena) e ele vai construir milhares (não construiu nenhuma quando
governador). E assim por diante.
Mas a maior mentira contada pelo candidato Aécio foi a de
que sempre foi um homem de diálogo com os trabalhadores.
Criminalização e ditadura
Em razão da censura praticada sistematicamente pelas grandes
empresas de comunicação de Minas e do país, os brasileiros, mesmo os mais bem
informados, não têm notícia do grau inacreditável de truculência e barbárie
praticado pelos governos tucanos.
Um fato inusitado ocorreu em abril de 2012 quando da
tentativa frustrada por decisão do juiz do Trabalho de Betim, Mauro césar
Silva, da Nova Central sindical (NCST) e do PSDB promoverem um racha da base do
Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte e Região. A rua onde seria tomada a
decisão sobre a criação de um novo sindicato pela PSDB Sindical foi bloqueada
por duas viaturas e trinta homens fortemente armados que obrigavam até os
moradores a se identificarem ao entrar e saír de suas casas. Os quarteirões
próximos foram fechados por viaturas, motos e cavalos. Só entrava quem
apresentava aos policiais uma fita amarela. A assembléia acabou por ser
declarada inválida e a criação do novo sindicato ilegal pelo juiz.
Os dirigentes do maior sindicato operário de Minas – o
histórico e combativo Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem –
fazem campanha salarial nas portas de fábricas com a presença permanente,
hostil e agressiva da PM de Minas. Como afirmou Carlos Magno de Freitas,
vice-presidente da CUT/ MG, durante uma grande manifestação contra demissões e
acidentes de trabalho na Arcellor Mittal, cercada por trinta viaturas da PM, “a
empresa se apropria da estrutura de segurança do Estado para reprimir os
trabalhadores e isolar o sindicato”. De fato, em particular nas empresas do
ramo automobilístico vinculado à Fiat, coronéis da reserva da PM prestam
serviços e fazem a ponte permanente. No dia 11 de maio deste ano, ao realizarem
uma greve legal, os trabalhadores da auto-peças Aethra viram o presidente do
Sindicato Geraldo Valgas, Carlos Juvêncio Alves Júnior e a diretora Tânia Maria
da Costa serem agredidos pelo sargento Nunes, pelo sargento Perdigão e pelo
cabo José Roberto do 19 Batalhão da PM de Minas. A diretora do Sindicato, ao
procurar se antepor à agressão dos militares ao motorista do sindicato, foi
derrubada e teve que ser atendida no Pronto-Socorro do Hospital JK.
No quinto dia de greve dos eletricitários, o coronel
Amílcar, um dos militares reformados contratados da Cemig para vigilância e
repressão, agrediu o diretor do Sindicato, Jefferson Silva, após rasgar faixas
do Sindieletro. Logo em seguida, dez viaturas da PM cercaram o local.
Mas a maior repressão que mobilizou todo o aparato do
governo de Minas – da Polícia Militar à Polícia Civil, de promotores ao TRE, da
propaganda oficial à censura imposta na mídia mineira – se desencadeou nestes
anos sobre as lideranças dos professores da rede pública do estado. Esta
categoria protagonizou a greve mais importante realizada em Minas nas últimas
décadas, em prol de um piso salarial e denunciando o não cumprimento do
investimento mínimo em educação definido pela Constituição, ganhando a batalha
da opinião pública. A presidente do Sindi-Ute, Beatriz Cerqueira, tornou-se
presidente da CUT e a liderança sindical mais expressiva dos mineiros.
Nestas eleições, acionado pelo PSDB que o controla de fato,
o TRE proibiu a continuidade da campanha pública dos educadores em prol dos
direitos públicos da educação. Até a página do sindicato na internet foi
censurada! As lideranças do Sindi-Ute respondem hoje a 22 processos, a
presidente pessoalmente a mais quatro e são caçadas como criminosos por dizerem
publicamente a verdade. Enquanto isso, o TCE, também controlado pelos tucanos,
retirou do ar os documentos que provam a veracidade da denúncia dos professores
de que o governo não investe o mínimo constitucional exigido para educação e
para a saúde!
“Manda torar todo mundo!”
Ao incentivar a precarização dos vínculos do trabalho,
Fernando Henrique Cardoso argumentava que esta era a saída para vencer o
desemprego, citando o presidente conservador da França, Jacques Chirac. E saiu
exatamente de Minas, através do economista Paulo Paiva, o Ministro do Trabalho
de seu primeiro mandato, encarregado de aprovar leis neste sentido. Quando
presidiu a Câmara dos Deputados, Aécio Neves conseguiu aprovar o projeto de FHC
que alterava o artigo 618 da CLT e deixava vulneráveis os direitos dos
trabalhadores, entre eles 13 salário e férias. Antes de ser aprovado pelo
senado, seu encaminhamento para aprovação final foi desativado por Lula já
eleito presidente. Foi na década de noventa, exatamente no ano de 1996, durante
os anos FHC, que o trabalho informal – os assalariados sem carteira e os
trabalhadores por conta própria não formalizados – inverteu a sua curva de
queda histórica, aumentando e chegando a 50,8 % em 2000. Isto significa que a
maioria dos brasileiros ocupados não tinha o direito à jornada de 44 horas, às
férias remuneradas, ao fim de semana de descanso remunerado, ao direito ao
FGTS, ao auxílio-doença, ao 13 salário e ao 1/3 adicional de férias.
Em 2013, após dez anos de governo Lula e Dilma, o porcentual
de empregados com carteira de trabalho atingiu o seu recorde histórico de 65,2
% do total de empregados (sem contar trabalhadores domésticos). O trabalho
informal, que atingia principalmente os jovens de 16 a 24 anos, já havia sido
reduzido de 62,1 % para 46,9 %.
A precarização do trabalho conduz inevitavelmente à sua
degradação. Em um país como o Brasil, no qual largas parcelas da população
enfrentam ainda carências básicas, a degradação leva a situações típicas de
barbárie, inclusive de trabalho escravo.
É por isso que é gravíssimo o que aconteceu nestes anos de
governos tucanos. Em 27 de janeiro de 2004, Antero Manica, o chamado “Rei do
Feijão”, por ser um dos maiores plantadores de feijão do país, ordenou, segundo
acusação do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, que logo descobriu
e documentou fartamente o crime, o assassinato de três fiscais do Ministério do
Trabalho Nélson José da Silva, João Batista Soares Lage, Erastótenes de Almeida
Gonçalves e do motorista Aílton Pereira de Oliveira. Atraídos para um local
deserto por uma denúncia anônima de trabalho escravo, eles foram cercados e
atirados na cabeça. Segundo delação premiada do cerealista Hugo Alves Pimenta,
Antero Manica teria falado “para torar todo mundo”, inconformado por receber
uma alta multa por praticar trabalho escravo e ter sido o responsável pela
morte de um jovem de 17 anos, morto em um silo em condições de risco.
Pois bem, Antero Manica, já acusado e processado pelo
Ministério Público, resolveu se candidatar a prefeito de Unaí pelo partido do
governador do estado, Aécio Neves. Foi eleito e reeleito pelo PSDB, adiando ao
máximo seu julgamento e sempre fazendo recursos para instâncias superiores.
O caso se torna mais grave quando se sabe que Aécio Neves,
ao contrário das candidatas Marina e Dilma, se recusou a firmar publicamente o
compromisso com as propostas de erradicação do trabalho escravo apresentadas
pela Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.
Na verdade, é pior do que isso. Neste ano, após quinze anos
de tramitação no Senado, foi aprovado a chamada PEC do Trabalho Escravo (PEC
57ª/199) , que destina territórios onde forem flagrados a prática de trabalho
escravo para fins de reforma agrária ou para a construção de habitação popular.
Segundo o artigo 149 do Código Penal, o trabalho escravo é definido como sendo
o trabalho forçado, o servido por dívida, o exercido em condições degradantes e
jornadas exaustivas. Os interesses do grande agro-negócio temem uma legislação
que abra uma fronteira para reforma agrária. E, em seu nome, o senador do PSDB
Aloysio Nunes, candidato a vice-presidente na chapada de Aécio, apresentou uma
emenda para definir melhor o que seriam as tais “condições degradantes”, na
prática travando o andamento da emenda.
Mas o caso é ainda mais grave: de acordo com o coordenador
da campanha contra o trabalho escravo, frei Xavier Plassat, da CPT e premiado
em 2008 pela ONG internacional Free the Slaves, Minas liderou em 2014 os casos
de trabalho escravo e de trabalhadores libertados destas condições, no campo e
na construção civil. E tem uma componente ainda mais grave: fiscais do
Ministério do Trabalho e do Ministério Público do trabalho multaram um tio de
Aécio em outubro de 2009, dono da Fazenda Izabel, por abrigar 39 cortadores de
cana em condições de trabalho escravo. Sim, é o mesmo tio do candidato à
presidente, que possuía a chave do
hoje famoso aeroporto construído pelo governo de Minas e de
uso particular na cidade de Cláudio.
Os trabalhadores de Minas já deram, em sua maioria, um não a
Aécio. E à frente deles, esteve por todos estes anos esta grande lutadora, hoje
perseguida e escandalosamente processada pelos poderes ligados a Aécio, Beatriz
Cerqueira, presidente da CUT mineira. É ela quem nos diz: “Ninguém cala o SindiUTE.
Nossa história começou na ditadura militar, há 35 anos atrás e nada nunca nos
calou. O governador do estado não é dono de Minas e vamos continuar lutando”.
Este artigo é dedicado a ela.
(*) Juarez Guimarães é professor de Ciência Política da UFMG
e Neemias de Souza Rodrigues é Secretário de Comunicação da CUT-MG
Créditos da foto: Arquivo
Nenhum comentário:
Postar um comentário