A China sustenta e apoia negócios
que, além de serem de seu próprio proveito, contribuem seguramente para o
desenvolvimento mundial.
José Carlos Peliano* - http://cartamaior.com.br/
Em inglês, “brics” significa
tijolos, enquanto, em francês, “bricolage” ou, em português, “bricolagem”,
significa unir vários elementos para formação de um conjunto único. Assim, uma
interpretação livre, reunindo as duas palavras, seria tijolos colocados acima e
ao lado de outros para montagem, a bricolagem, de uma arquitetura única e comum
a partir de uma engenharia concertada a uma ou várias mãos.
Esta arquitetura e engenharia vem
sendo feita por um grupo de países tendo como membro mais significativo a
China. De início, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, os BRICS, com
uma proposta de trabalho e operação comum e um acordo em fase de aprovação
final. Posteriormente, um país aqui, outro ali, e a China vai arrebanhando
aliados para uma nova e ousada concertação nas décadas vindouras. Sinais nesta
direção foram dados pela Venezuela e Argentina.
Com os BRICS nasce um banco de
desenvolvimento, acoplado a um forte fundo de financiamento a projetos de
infraestrutura em países emergentes. Vem a ser uma resposta à engrenagem
emperrada do FMI que ainda não consentiu o aumento da participação dos 5 países
em seu capital. Enquanto os EUA detém 17% do poder de voto na instituição, Japão 6%, Alemanha, França e Reino Unido 14%,
e os BRICS com somente 11% e a China 3,8%. A governança financeira mundial não
conta há tempos com uma posição melhor dos BRICS no FMI.
Num primeiro momento US$ 100
bilhões, denominados Arranjo Contingente de Reservas, estarão à disposição dos
membros do grupo, para servir de fundo destinado a ser acionado e a socorrer os
membros que sofram riscos de calote e problemas com seus balanços de
pagamentos. Num segundo momento, a ideia é usar o fundo para também adquirir
participação nos empreendimentos (“equities”), dar garantias, liberar crédito
de longo prazo e não simplesmente empréstimos bancários em resgate parcelado.
As atuais organizações multilaterais, como o BID e a CAF (Comissão Andina de
Fomento), não têm tido recursos suficientes, tampouco reformulam e atualizam
seus sistemas.
O banco dos BRICS vem a ser uma
alternativa promissora ao FMI e ao Banco Mundial para acesso a crédito
disponível em condições mais vantajosas, prazos mais longos e juros mais
baixos. Além do que o novo banco deverá diminuir a influência internacional dos
Estados Unidos e da União Europeia tanto nos negócios de grande vulto, quanto
na influência nos fluxos de capitais e dinheiro.
Desde a Conferência de Bretton
Woods, em 1944, quando foram lançadas as bases do sistema financeiro
internacional, incluindo a criação do FMI e do Banco Mundial, o controle
efetivo das transações está nas mãos dos EUA e parceiros aliados. Os países
emergentes, entre eles os BRICS, não têm tido vez nem voz.
De fato, ou os países se submetem
ao estado de coisas, ou o estado de coisas submetem os países. Se correr o
bicho pega, se ficar o bicho come. Os termos dos empréstimos e socorros aos
balanços de pagamentos são ditados pelo Banco Mundial e FMI, assim como os
distúrbios financeiros internacionais, que derrubam as moedas dos países
emergentes, os mais pobres e fracos em reservas e volume de comércio, são
manipulados pelas transações das nações mais ricas e fortes.
Grécia, Portugal, Espanha, Itália
e Irlanda são exemplos de anos recentes. Foram empurrados pelo rolo financeiro
em conluio com desgovernos de suas autoridades monetárias e agora sofrem o
arrocho da Troika - FMI, Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia (CE).
O Brasil já esteve nas cordas por conta do FMI em anos passados quando este
ditava as regras para controle da economia e liberação dos recursos de
empréstimos reparatórios. Hoje, felizmente o país está fora das cordas e no
meio do ringue graças à política econômica dos três últimos governos federais.
Surgem temores de que a hegemonia
americana através do Banco Mundial e do FMI será substituída pela chinesa
através do banco dos BRICS. Ocorre que até agora os chineses não têm agido da
mesma maneira que americanos e europeus ao não condicionarem termos restritivos
aos seus empréstimos, por exemplo, como se dá na África. Ademais, a China não
tem o modus operandi neoliberal, sendo o Estado o dono da maior parte de seu
sistema financeiro, ao contrário dos demais países capitalistas ocidentais onde
as grandes companhias dominam o sistema e o Estado.
O banco dos BRICS vem a ser
igualmente um primeiro teste em direção à
diminuição da dolarização do sistema econômico mundial, o qual está ao
fim e ao cabo nas mãos de seis bancos americanos que controlam praticamente 2/3
de todos os ativos bancários mundiais (JP Morgan, Bank of America, Citigroup,
Wells Fargo, Goldman Sachs, Morgan Stanley). O que significa que as
turbulências e as crises financeiras internacionais acabam governadas ou
desgovernadas por esses seis bancos. Os EUA se tornam na realidade o banqueiro
internacional.
Em contraposição à hegemonia
americana, a importância do novo banco pode ser avaliada pela soma do PIB dos 5
países membros em torno de US$ 16 trilhões. Esta cifra supera a soma dos produtos
de todos os países que fazem parte da
Zona do Euro e atinge 14% do produto bruto mundial. Ademais, os 5 países detém
35% do total das reservas internacionais em moeda.
A presidência rotativa do banco
dos BRICS foi recém assumida pela Rússia, o que certamente deverá refletir em
movimentos políticos e diplomáticos para fazerem frente à hegemonia americana.
Arranjos diferenciados para o desenvolvimento e a segurança poderão ser
implementados que redundem em iniciativas promissoras nas áreas comercial, econômica
e diplomática para o grupo de países.
A Rússia, em particular, se
beneficia face ao embargo que sofre dos EUA e aliados europeus, funcionando os
4 países restantes do grupo como sua janela temporária de oportunidade
comercial e econômica. A próxima reunião do grupo em julho na Rússia deverá
consolidar as medidas tomadas até agora bem como expandir e detalhar novas ações e atividades.
Antes disso, no entanto, o
empresariado brasileiro já se mobiliza para apressar as definições oficiais de
instalação do banco dos BRICS. Reunidos recentemente na Confederação Nacional
da Indústria (CNI) pediram agilidade na liberação dos recursos para projetos
públicos e privados de infraestrutura e desenvolvimento sustentável. Os pleitos
serão levados à reunião dos representantes dos BRICS na Rússia. As limitações
financeiras nacionais e internacionais estão pesando no andamento dos
portfólios de investimentos industriais.
A China tomou a frente e deu
início à liberação de recursos, se não sob a égide do banco, pelo menos em sua
direção ao se comprometer com a Petrobras no financiamento de US$ 3,5 bilhões
através do Banco de Desenvolvimento chinês. O documento é o primeiro de um
acordo de cooperação que será levado a efeito de 2015 a 2016. Sob o espírito da
cooperação entre países do grupo dos BRICS, a iniciativa mostra que a
Petrobras, apesar das denúncias de corrupção, é uma empresa sólida e recebe a
confiança de credor internacional fora do âmbito dos bancos americanos e
europeus.
A confiança da China no acordo de
cooperação da Petrobras não só mostra ao mundo sua disposição em garantir
condições de expansão da maior empresa brasileira, como também aprova a
condução de seus negócios na área do petróleo. Ao contrário de grupos da
opinião pública nacional que querem desabonar e desqualificar a empresa mesmo
sabendo de sua vitalidade, resultados e capacidade de tecnologia e produção.
Se o banco dos BRICS mostra sua
força e poder de influir positivamente no cenário financeiro internacional, a
China sozinha com sua bricolagem econômica e financeira sustenta e apoia
negócios que, além de serem de seu próprio proveito, contribuem seguramente
para o desenvolvimento mundial.
*Economista, colaborador da Carta
Maior
Créditos da foto: Loïc Lagarde /
Flickr
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