Dallagnol e seus aliados midiáticos querem nos impor uma
lógica da guerra. Nos cabe desconstruí-la, desmascarar seus 'comandantes' e
defender a Democracia.
Andre Kaysel Velasco Cruz - http://cartamaior.com.br/
Em matéria publicada em O Estado de S. Paulo deste domingo,
03/05/15, o coordenador da força-tarefa da operação “lava jato”, procurador
Deltan Dallagnol, declarou que os integrantes da referida operação estariam em
uma “guerra contra a corrupção”. Para além do sensacionalismo midiático que tem
caracterizado a atuação dos protagonistas da “lava jato” desde o princípio, o
uso do termo “guerra” revela algo muito mais preocupante e que deveria
inquietar todos aqueles que se dizem democratas neste país.
Afinal, a guerra é, por definição, um estado de exceção no
qual todas as regras que regem nosso convívio cotidiano estão em suspenso, em
particular as normas jurídicas que protegem as liberdades individuais. É
sintomático que todos os responsáveis por violações aos direitos humanos,
vinculados ao aparato repressivo das ditaduras sul-americanas, tenham sempre
justificado suas ações com o mesmo argumento: “estávamos em uma guerra e
precisávamos vencer.”. Do mesmo modo, a justificativa das violações perpetradas
pela polícia nos morros do Rio de Janeiro de hoje responde à mesma lógica, a da
“guerra ao tráfico”, ao “crime organizado”, etc. Na guerra o único objetivo é a
vitória total contra o adversário, seu aniquilamento, valendo para isso,
eventualmente, passar por cima de alguns “inocentes” se este for o custo
necessário.
Isso me leva a um segundo ponto. A guerra se rege pela
lógica do “amigo/inimigo”, ou seja: não há lugar para a neutralidade, se não se
está conosco, se está com o adversário. Essa lógica foi enunciada com a maior
clareza pelo ex-presidente estado-unidense George W. Busch, após o 11 de
setembro, quando seu governo declarou a “guerra ao terrorismo”. Aliás, é a
própria lógica do “amigo/inimigo” que permite a imposição do estado de exceção,
no caso representado pelo famoso “patriot act” – “lei patriótica – que permitia
ao governo dos EUA violar todas as garantias individuais em nome do objetivo
maior de derrotar o “inimigo”, cujos resultados já são sobejamente conhecidos.
Uma terceira e última linha de consideração, derivada das
duas anteriores, remete á arqui-conhecida frase do maior teórico ocidental da
guerra, o marechal prussiano Clausewitz, segundo a qual “a guerra é a política
por outros meios”. Séculos antes, o teórico chinês da “Arte da Guerra”, Sun Tzu
teria feito a formulação inversa: “a política é a guerra por outros meios”. Não
quero aqui discutir as diferentes implicações dessas doutrinas ocidental e
oriental da atividade bélica. Quero apenas sublinhar o que subjaz de comum a
ambas: quem faz a guerra, necessariamente faz política. Assim, quem se propõe
uma “guerra” de qualquer tipo está se dispondo a empregar uma linha estratégica
qualquer para disputar o poder, objetivo maior da política.
Diante do exposto, a frase do procurador Dallagnol não
poderia ter sido mais reveladora da natureza da operação que coordena. Em
primeiro lugar, ficam justificadas todas as arbitrariedades e ilegalidades
jurídicas perpetradas desde seu início, já amplamente denunciadas por diversos
juristas. Em segundo lugar, fica previamente desqualificada e estigmatizada
qualquer crítica pública à operação, rotulada de saída como “cúmplice” ou
“aliada” da corrupção e dos corruptos. Por fim, se legitima o estabelecimento
de um sistema de alianças – setores da polícia federal, do ministério público,
do judiciário, a grande mídia e a oposição partidária conservadora – para
desalojar os “corruptos” do poder e estabelecer uma tutela “de fato” sobre a
democracia brasileira, com o objetivo de “saneá-la”.
Fica assim caracterizada a guerra. Resta saber se o inimigo
é de fato a corrupção. Afinal, o sistema de “dois pesos e duas medidas” do
estado-maior dessa guerra já ficou caricaturalmente óbvio: do não-indiciamento
de Aécio Neves ao “sumiço” de uma testemunha que deporia contra Antônio
Anastasia, só para ficar nos exemplos mais absurdos. O artigo do ex-governador
gaúcho Tarso Genro da semana passada deixa claro qual é o alvo desta guerra: o
Partido dos Trabalhadores (PT) e todo o seu legado político. Não há dúvidas de
que membros deste partido devem contas à justiça por atos praticados no
governo. Porém daí a proscrever ou destruir o principal partido popular do país
por causa disso é algo que escapa inteiramente ao escopo do direito e entra no
escopo da guerra, mas cujo inimigo não é a corrupção, mas sim a própria
democracia brasileira e seus avanços nos últimos anos.
O pior dessa situação é que, ao falar em “guerra”, o
procurador Dallagnol e seus aliados midiáticos querem nos impor uma lógica, na
qual nos colocando contra eles, nos colocaríamos a favor da corrupção. Se não
quisermos ser esmagados em um conflito tão desigual, só nos resta procurar
desconstruir a lógica da guerra, desmascarar seus “comandantes”, expor seus
reais objetivos e defender a democracia.
Créditos da foto: EBC
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