Lula e Ernesto Samper presidente da Unasul concordam que
investimento para infraestrutura são grande problema; investimento chinês pode
ser a solução.
Maria Inês Nassif / http://cartamaior.com.br/
O processo de integração da América do Sul é mais avançado no
discurso do que na operacionalização. Os governos de esquerda que assumiram na
região na última década, após um longo período de gestão econômica neoliberal,
avançaram muito ao quebrarem desconfianças entre chefes de Estado, produziram
resultados imediatos de aumento nas relações de comércio intrarregional, mas
andam timidamente na concretização de projetos de crescimento regional e na
construção de infraestrutura necessária a uma efetiva integração. Por caminhos
diferentes, o ex-presidente da Colômbia e secretário-geral da Unasul, Ernesto
Samper, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chegaram a essa mesma
constatação no colóquio “A integração das cadeias produtivas na América
Latina”, encontro promovido pelo Instituto Lula e pela Unasul em São Paulo, no
dia 12 (quarta-feira), em São Paulo. Falta vontade política e faltam
investimentos, e os Legislativos dos países não colocaram a integração em sua
ordem de prioridades, na avaliação dos dois ex-presidentes.
Na última década, houve uma convergência das políticas
internas dos países do continente. Samper lembrou que, após a saída do
“pesadelo neoliberal”, que produziu o pesado saldo de 180 milhões de pessoas
despejadas na pobreza, os países sul-americanos dedicaram-se de forma
expressiva a investimentos sociais. “Nos últimos 10 anos, crescemos em
investimento social e isso resultou na redução do analfabetismo, da mortalidade
infantil e das condições alimentares e nutricionais dos mais pobres”, afirmou o
ex-presidente colombiano. Numa nova etapa, os desafios não são menores. Como,
por exemplo, o de “criação de 100 mil bons empregos” – “não empregos decentes,
porque todos são, mas empregos dignos” – para os jovens que vão entrar no
mercado de trabalho nos próximos anos. O outro é dar um passo além da
transferência de renda. “Isso permitiu aos países da Unasul reduzir a pobreza,
mas distribuir renda sem distribuir a riqueza torna o crescimento muito
desigual”, disse o colombiano. Ambos os ex-presidentes concordaram que o
investimento chinês nas obras de infraestrutura para integração do continente,
desde que seja feito no âmbito da Unasul, pode resolver o que é hoje o maior
gargalo à integração produtiva de seus países.
A infraestrutura é a precondição para enfrentar o desafio
econômico de industrializar o continente e criar cadeias produtivas que
beneficiem a todos os países. “Somos ricos em recursos naturais, temos 30% dos
recursos hídricos do mundo, as maiores reservas de lítio e níquel, grandes
reservas de cobre, uma biodiversidade maravilhosa e dois oceanos.
Geoestrategicamente, esta é uma região maravilhosa. A desvantagem é que temos
um modelo de desenvolvimento extrativista. Vendemos o que extraímos e
produzimos da terra, mas esquecemos de agregar valor ao que a natureza nos dá”,
disse Samper. A reindustrialização é necessária, mas deve ser buscada “voltando
ao pensamento setorial do modelo cepalino” [da Cepal]. “Precisamos criar nossas
próprias cadeias de valor”, afirmou Samper, lembrando que, hoje, 80% do
comércio de bens e serviços é feito por meio de cadeias produtivas. O
presidente da Unasul, contudo, acredita que o continente deve fugir da lógica
das cadeias verticais, como atuam as multinacionais, e investir na ideia de
cadeias horizontais, de forma a integrar a produção regional e aumentar a
condição de produtividade dos países. “Para isso, estamos atrasados em
infraestrutura”, concluiu.
O ex-presidente Lula lembrou que, em 2003, quando foi feito o
esforço para fortalecer o Mercosul e criar a Unasul, o comércio na região do
Mercosul era de US$ 15 bilhões. Hoje é US$ 65 bilhões. Na região da Unasul, o
comércio passou de US$ 35 bilhões para US$ 120 bilhões no período. Nesse
período, o continente teve uma feliz convergência de ter no comando dos países
presidentes que eram favoráveis à integração regional, afirmou Lula. Ainda
assim, isso não bastou para que as ações de política externa nessa área fossem
mais rápidas e eficientes.
Segundo Lula, as decisões dos presidentes não conseguiram
vencer a resistência das próprias burocracias de seu governo de avançar na
concretização das intenções feitas nas reuniões dos mandatários desses países.
Nem a atuação efetiva dos presidentes para formular um projeto de integração
conseguiu vencer as resistências das máquinas de governo, e muitas vezes a
concretização delas é barrada por decisões protelatórias. Da mesma forma, esse
projeto não conseguiu se tornar realidade nos Executivos desses países. “Os
Congressos não colocam esses assuntos entre suas prioridades e demoram anos
para aprovar questões relativas a isto”, disse Lula. Da mesma forma, existe uma
incompreensão de setores nacionais, especialmente no Brasil, em relação ao
papel que um país-líder deve cumprir num esforço de integração regional. “No
país, hoje, os conservadores criticam se há financiamento para um Porto Mariel,
em Cuba, ou para o aeroporto de Caracas. É uma visão de que a política
internacional tem que ser de submissão, e isso está errado”, afirmou. Em sua
fala, Samper também registrou que nenhum programa de integração na região terá
sentido se não for visto como relação de solidariedade.
A outra dificuldade é a questão financeira. Para Lula, as
restrições que o BNDES impõe para qualquer financiamento o inviabilizam como
agente financiador da integração regional. “Nosso banco de desenvolvimento é
tão rígido que só empresta para quem não precisa". O Banco Interamericano
e o Banco Mundial não têm capacidade de investimento. “Estou começando a achar
que os chineses podem resolver parte de nosso problema, se a gente fizesse um
acordo que envolva toda a América do Sul. Hoje não existe financiamento para
essas obras. Os governos estão financiando todas as obras em andamento”.
Créditos da foto: Ricardo Stuckert
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