Se as vantagens econômicas globais do monolinguismo são
negadas pelos números, seu interesse para os britânicos ou irlandeses é
incontestável. O falante nativo desfruta uma posição privilegiada em campos
como a tradução, a interpretação, a edição, a educação e a produção de
ferramentas educativas
por Dominique Hoppe - http://www.diplomatique.org.br/
No seio das organizações internacionais, a política
linguística torna-se objeto de debates intensos. Ainda que as regras
estatutárias definam línguas oficiais e línguas de trabalho (seis nas Nações
Unidas,1 24 na União Europeia),2 um monolinguismo se impõe pouco a pouco.
Evoca-se, quase sem complexos, uma nova língua franca: o English Lingua
Franca(ELF).3 Por longo tempo apresentada como o resultado lamentável – porém
inevitável – de limitações orçamentárias, essa evolução parece hoje assumida.
As culturas profissionais das organizações internacionais se integram agora à
dominação do inglês, e seus defensores chegam a afirmar que ele se
internacionalizou: libertado das práticas e representações dos falantes
nativos, ele não constituiria mais uma ameaça à diversidade linguística ou à
equidade.
Com frequência adeptos da doutrina da “nova gestão
pública”,4 os que defendem o ELF insistem no fato de que seu uso seria o melhor
meio de impedir uma insustentável explosão dos custos. Esse argumento, porém,
não resiste à análise. A União Europeia, que, no entanto, tem o regime formal
mais exigente em termos de línguas de trabalho, gasta aproximadamente 1,1
bilhão de euros por ano com os serviços linguísticos, o que corresponde a 1% do
orçamento, 0,0087% do PIB, 2,20 euros por morador ou 2,70 euros por cidadão com
mais de 15 anos. Ainda que existam riscos de evolução para gastos maiores, uma
despesa de menos de 0,01% do PIB não poderia ser considerada economicamente
incontornável.
Além disso, as reduções de custos evocadas para justificar o
ELF repousam geralmente em relatórios orçamentários das organizações
envolvidas. Estes se referem exclusivamente aos custos primários diretos
(traduções, trabalhos de interpretação) e indiretos (despesas gerais associadas
aos serviços linguísticos) imputados às próprias instituições. Com base apenas
nesses critérios, pode-se falsamente “demonstrar” que o monolinguismo é menos
caro que o multilinguismo. Na realidade, o custo real de um regime linguístico
só pode ser medido se levarmos em conta os encargos secundários e implícitos,
não somente para a organização em si, como para o conjunto dos atores
envolvidos. Reduzir ou suprimir traduções não elimina a necessidade delas, por
exemplo. Estas deverão ser feitas em outro local e representarão, portanto, um
encargo para alguma outra pessoa. O que é apresentado pelos partidários do ELF
como uma redução de custos não passa na verdade de uma transferência de custos.
O lançamento em 2014 do novo programa “Erasmus+” para a
educação, a formação, a juventude e o esporte fornece uma demonstração dos
efeitos perversos de tal transferência. Contrariamente às regras linguísticas
da União Europeia, o guia do programa foi de início publicado unicamente em
inglês, tendo sido traduzido em seguida somente após a data-limite de entrega
dos dossiês para o primeiro ciclo de candidaturas; a situação era, portanto,
levemente similar àquilo que seria se o ELF fosse oficialmente reconhecido. O documento
foi, então, traduzido com as condições que cada um tinha, em diversos níveis de
detalhes, em várias línguas (mas não em todas) e por atores diferentes
(ministérios, universidades, associações, empresas privadas...). O acesso ao
conteúdo era parcial e mudava de uma língua para outra; as traduções oferecidas
se mostraram por vezes contraditórias. O grande número de palavras ou textos
repetidos tornava difícil a identificação da melhor informação. Assim, confusão
e multiplicação dos custos se seguiram à carência de tradução inicial. Já os
anglófonos puderam desfrutar a situação porque tiveram acesso fácil às
ferramentas que lhes permitiram solicitar fundos e às possibilidades oferecidas
pelo programa.
Uma garantia do próprio
processo democrático
Se estendermos a análise comparativa entre monolinguismo e
multilinguismo à comunicação nos dois sentidos (se expressar e compreender o
outro), a diferença dos custos explode. Também nesse caso é a União Europeia
que oferece o exemplo mais flagrante. Hoje em dia, os textos são oficialmente
traduzidos em 24 línguas, e cada cidadão pode escolher aquela na qual irá se
dirigir às instituições. Isso torna a comunicação direta possível para todos e
permite igualmente a cada europeu participar, se desejar, dos debates que
envolvem questões financeiras ou políticas importantes. Essa política
multilinguista é, portanto, uma garantia do próprio processo democrático. Os
últimos estudos indicam que, se o inglês se tornasse a única língua da União
Europeia, o custo de aquisição das competências linguísticas necessárias para
que cada país pudesse intervir e participar de maneira equitativa nas
atividades comuns seria de cerca de 48 euros por cidadão europeu por ano. Afora
o fato de que o processo de aprendizagem tomaria um tempo considerável e que
nada prova que ele seria sociologicamente realizável, estamos bem longe dos
2,70 euros do atual multilinguismo europeu, por mais imperfeito que ele seja.5
Uma história resume bem tanto o custo financeiro dos erros e
das aproximações no uso do inglês quanto aquele, mais político, das
dificuldades de compreensão, de expressão e de negociação ligadas ao emprego de
uma língua “imposta”. Em março de 2013, interrogado pelo diário britânico
Financial Times, o presidente do Eurogroupe, o holandês Jeroen Dijsselbloem,
declarou que o plano de salvação europeu do Chipre podia ser considerado um
modelo passível de ser reproduzido, provocando uma queda do euro e dos valores
bancários. Essa declaração, contrária à posição do Eurogroupe, se baseava num
erro. Dijsselbloem, que não conhecia o sentido da palavra
inglesatemplate(“modelo”, em linguagem da informática), não ousou confessar
isso: consequentemente, entendeu mal a pergunta e respondeu de forma inexata.
Se as vantagens econômicas globais do monolinguismo são
negadas pelos números, seu interesse para os britânicos ou irlandeses é
incontestável. O falante nativo desfruta uma posição privilegiada em campos
como a tradução, a interpretação, a edição, a educação e a produção de
ferramentas educativas. Sendo sua língua o referencial, ele pode desenvolver
com excelência e a um custo menor atividades nos campos cobertos pela
organização envolvida. Essa vantagem estratégica lhe proporciona de fato
economias substanciais, que poderão ser investidas em outros lugares, gerando
efeitos de treinamento consideráveis. Jamais compensado, esse fenômeno quebra o
equilíbrio entre as nações e a igualdade entre os cidadãos europeus que estão
no cerne das políticas multilaterais. Em 2001, o British Council avaliou o
valor dos produtos ligados à língua inglesa em 13 bilhões de euros.6 Em 2005,
um relatório7 encomendado pelo Alto Conselho da Avaliação da Escola examinou em
detalhe esse número. Levando em conta o crescimento do PIB nominal, os efeitos
multiplicadores e as rendas liberadas, os mercados privilegiados foram
estimados em 8,4 bilhões de euros, a economia de esforço para a tradução e a
interpretação em 2,2 bilhões de euros e a economia no ensino das línguas
estrangeiras em 64 bilhões de euros. Em 2014, esse efeito de transferência em
favor do Reino Unido em razão da posição dominante do inglês foi reavaliado em
21 bilhões de euros.
Sob a influência da “nova gestão pública”, as preocupações
orçamentárias fagocitam o debate sobre os regimes linguísticos. No entanto, as
questões são acima de tudo políticas. Em 1988, Boutros Boutros-Ghali,
ex-secretário-geral das Nações Unidas e então presidente da Organização
Internacional da Francofonia (OIF), já expressava a natureza delas: “A primeira
razão de nossa posição sobre o plurilinguismo é o respeito à igualdade entre os
Estados. Sabemos que o fato de obrigar os funcionários internacionais, diplomatas
e ministros a se exprimir em uma língua que não é a deles equivale a colocá-los
em situação de inferioridade. Isso os priva da capacidade de estabelecer
nuances e refinamentos, o que significa fazer concessões àqueles dos quais ela
é a língua maternal. Além disso, todos nós sabemos que conceitos que parecem
similares são com frequência diferentes de uma civilização para outra. As
palavras expressam uma cultura, uma maneira de pensar e uma visão do mundo. Por
todas essas razões, eu creio que, como a democracia de um Estado se baseia no
pluralismo, a democracia entre dois Estados deve se basear no plurilinguismo”.8
A análise dos sites de internet das organizações
internacionais prova que a grande maioria delas sofre de monolinguismo9 e de
repercussões culturais e conceituais. Das trinta agências descentralizadas da
União Europeia, 21 apresentam seu site unicamente em inglês, cinco exibem uma
diversidade que, no entanto, privilegia o inglês e quatro são realmente
diversificadas do ponto de vista linguístico. Em campos tão variados quanto
aqueles cobertos pela Autoridade Bancária Europeia (ABE), a Agência de
Cooperação dos Reguladores de Energia (Acer) ou a Agência Europeia de Defesa
(AED), o conhecimento do inglês é necessário para que alguém possa se informar
sobre algo. Sem falar de relatórios regulares sobre a ameaça islâmica na
Europa, que só foram publicados pela Europol em inglês...
Globalmente, os sinais da hegemonia cultural e conceitual
são incontestáveis. Sabemos que o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco
Mundial construíram, desde os anos 1980, uma forma de desenvolvimento baseada
na ideologia neoliberal aplicada indiferentemente na América Latina, no Sudeste
Asiático e hoje em dia no sul da Europa. Como não se preocupar com o progressivo
deslizamento da justiça penal internacional para um modelo que privilegia o
direito jurisprudencial da common law?10 E os exemplos do mesmo tipo são
numerosos. Como se espantar a partir disso com a desconfiança que têm os
cidadãos em relação às instituições multilaterais?
Sintoma emblemático de uma certa visão do mundo, o
monolinguismo é um indicador importante dos equilíbrios geopolíticos globais.
Limitá-lo traduziria a capacidade das nações de agir em conjunto
harmoniosamente no respeito de suas diferenças.
Dominique Hoppe
Dominique Hoppe é presidente da Assembleia dos Funcionários
Francófonos das Organizações Internacionais (Affoi).
Ilustração: Daniel Kondo
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