Dilma saiu vitoriosa porque centrou o discurso em
sua base. Uma vez eleita, porém, tentou resgatar o pacto sociopolítico, sem
sucesso.
Róber Iturriet Avila / www.cartamaior.com.br
A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições
de outubro de 2002 marcou a emergência ao executivo brasileiro de forças
políticas alinhadas à esquerda. Entre 1999 e 2002, houve duas crises cambiais,
a inflação se elevou, o desemprego aumentou, o salário real reduziu e o Brasil
foi submetido aos ditames do Fundo Monetário Internacional. Contudo, isso não
era suficiente para que um sindicalista se tornasse presidente da República.
A emersão tornou-se factível devido à aliança
capital-trabalho, através da figura do vice-presidente da República, José
Alencar, representando o capital industrial. A “Carta ao povo brasileiro”
estendeu o pacto ao setor financeiro: Lula se comprometeu a manter a política
econômica conservadora (metas de inflação, superávit primário e câmbio
flutuante).
A primeira gestão Lula foi marcada pela manutenção
da política econômica, de um lado, e pela ampliação de políticas sociais e
distributivas, de outro. A despeito da constante resistência à figura
presidencial, o modelo de conciliação de interesses foi vitorioso. Na segunda
gestão de Lula, outras políticas sociais foram criadas, a ponto de marcar seus
oito anos de governo.
Com a crise de 2008, o superávit primário foi
flexibilizado a fim de manter o crescimento econômico. A elevação das reservas
internacionais, o crescimento do emprego e da renda, a redução das
desigualdades distributivas e o crescimento econômico desse período garantiram
ao então presidente popularidade suficiente para eleger sua sucessora, Dilma Rousseff.
O quadro econômico mudou bastante desde então. Os
preços dos principais produtos que o Brasil exporta caíram, o governo elevou o
superávit primário em 2011 e flexibilizou o tripé da política macroeconômica. O
Banco Central passou a atuar para elevar a taxa de câmbio e o governo passou a
tolerar a inflação acima do centro da meta, por entender que parte dessa
inflação tinha relação com a elevação do salário mínimo. Isso porque o
componente da inflação que se acentuava era de serviços, os quais possuem mais
trabalhadores nessa faixa salarial.
Em maio de 2012, houve uma ruptura importante: o
governo pressionou os bancos privados a reduzirem as taxas de juros e seus
spreads através da concorrência imposta pelo Banco do Brasil e pela Caixa
Econômica Federal. O Banco Central reduzia persistentemente a taxa SELIC,
chegando a 7,25% ao ano, ao passo que em janeiro de 2003 era de 25,5%. Taxa
essa que remunera a dívida pública. Essa conta não é diminuta, drenou entre
5,5% e 8% do PIB ao ano.
Dilma, em cadeia nacional de rádio e televisão,
disse que “é inadmissível que o Brasil, que tem um dos sistemas financeiros
mais sólidos e lucrativos continue com um dos juros mais altos do mundo. Estes
valores não podem continuar tão altos. O Brasil de hoje não justifica isso. Os
bancos não podem continuar cobrando os mesmos juros para empresas e para o
consumidor […]. O setor financeiro, portanto, não tem como explicar esta lógica
perversa aos brasileiros”.
A essa altura, entre regular e ótimo, sua popularidade
somava 93%, o que lhe garantia o bônus de poder retirar o capital financeiro do
grande pacto sociopolítico. A maior tolerância com a inflação, em linha
semelhante, feria os interesses do capital financeiro, pois reduzia mais ainda
o juro real. Não por acaso, o maior banco privado do País financiou a campanha
eleitoral de Aécio Neves e Marina Silva, e não financiou a de Dilma Rousseff,
em 2014.
Nesse momento, Dilma refundou seu pacto com o
capital industrial. Reuniu os maiores empresários no palácio do planalto e
atendeu as antigas pautas da Fiesp. Além do decréscimo no juro, o governo
elevou a taxa de câmbio, reduziu impostos sobre a folha de pagamentos, reduziu
o custo da energia, ampliou a oferta de crédito subsidiado e anunciou pacotes
para melhorar a infraestrutura.
Para os industriais, esses eram os entraves que
emperravam o crescimento econômico. O governo absorvia a necessidade de reduzir
o “custo Brasil”. O executivo abriu mão dos impostos, na expectativa de que os
empresários aumentassem os investimentos. O crescimento econômico, em um
segundo momento, elevaria a arrecadação. Além disso, a redução da taxa de juros
abriu um espaço fiscal não desprezível. Em meio a tudo isso, o salário real e o
emprego continuariam crescendo.
Contudo, os investimentos não vieram, a economia
não cresceu e as desonerações fizeram falta nas contas do governo. As
manifestações de junho de 2013 derrubaram a popularidade da presidenta em 35
pontos percentuais.
Com o capital financeiro claramente contra o governo
e o ambiente criado nas manifestações, os grandes grupos jornalísticos do País
perceberam que chegava a hora de findar com os governos próximos da esquerda.
Desde então, se dissemina a constante perspectiva pessimista da realidade, o
enfoque em problemas pontuais sem uma análise ampla das questões, a
seletividade na ênfase de denúncias de corrupção, o diagnóstico de que o
governo federal intervém demais e, no limite, a forte distorção dos dados.
A estratégia de seguir a pauta do capital
industrial não deu certo. Isso já estava claro em 2014. Adicionalmente, as
principais empresas do País assistiram seus rendimentos no mercado diminuírem.
Já que a esfera do capital industrial não é tão dissociada à do capital
financeiro.
Na eleição de 2014, os lados se redefiniriam: o
capital financeiro estava na oposição, e grande parte do capital industrial
estava descontente com a flexibilização do pacto macroeconômico conservador. Os
grandes grupos de imprensa foram mais explicitamente de oposição. A aliança
formada em 2002 estava nitidamente fraturada. Na eleição de 2014, a estratégia
da campanha de Dilma foi centrar o discurso em sua base. Saiu vitoriosa.
Após a reeleição, Dilma tenta repactuar as forças
políticas, escolhendo um ministro da fazenda vinculado ao sistema financeiro,
uma ministra da agricultura representante dos latifúndios, para o ministério do
desenvolvimento, escolheu um ex-presidente da Confederação Nacional da
Indústria. Na política econômica, retomou a perspectiva conservadora,
progressivamente abandonada ao longo de sua primeira gestão.
O grande pacto sociopolítico, entretanto, não
parece resgatável. A fissura reverbera nas diversas instituições sociais. O
PMDB assume mais independência, o conservadorismo se reaglutinou e domina cada
vez mais o governo que representaria a esquerda do País. A direita venceu
perdendo.
Créditos da foto: ebc
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