Todas as respostas possíveis
levam ao machismo: no dito 'país do futebol', a mídia comercial ainda acredita
que lugar de mulher é fora do campo.
Najla Passos / www.cartamaior.com.br
Noite de terça-feira (9),
Montreal, Canadá. Abertura da Copa do Mundo de Futebol Feminino. A seleção brasileira estreia com vitória de 2
x 0 sobre a Coreia do Sul. Mais do que isso, registra dois feitos históricos.
No início do 2º tempo, Marta, cinco vezes eleita a melhor jogadora do mundo,
balança a rede em cobrança de pênalti, atinge a marca 15 gols em mundiais e se
torna a maior artilheira da história campeonato. Antes disso, ainda no 1º
tempo, Formiga, 37 anos, 20 de seleção brasileira, abre o placar e se
transforma na jogadora mais velha a marcar gol em mundiais.
Pouquíssimos brasileiros, porém,
comemoraram a tripla conquista da noite de estreia. Os feitos nem chegaram a
ser assunto nas rodas de conversas da semana. A maioria das pessoas sequer
ficou sabendo. As marcas das maiores jogadoras do dito "país do
futebol" obtiveram pouco espaço na imprensa comercial, inclusive na
especializada. Por que Ronaldo, o fenômeno, que também ostenta a marca de 15
gols em mundiais, tem muito mais visibilidade? Por que o menino Neymar,
qualitativamente distante de marcas como estas, é quem frequenta as primeiras
páginas dos jornais?
Professora do Bacharelado em
Estudos de Gênero e Diversidade da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Maíra
Kubik afirma que a mídia tende a reproduzir estereótipos e, por isso, nela, a
mulher ocupa apenas seus papeis mais tradicionais, como o de dona de casa ou de
mãe. "Pesquisas demonstram que, por exemplo, em matérias de economia, a
mulher é entrevistada no supermercado para falar sobre o aumento dos preços,
enquanto os homens são os economistas, que comentam tecnicamente",
exemplifica.
No caso específico do futebol,
ela aponta que a mulher é tratada muito mais como "musa" do que como
"atleta". "No Brasil do machismo, o lugar da mulher não é no
futebol, que ainda tido como um nicho masculino. E, por isso, mesmo conquistas
valorosas como a de Marta e Formiga não ganham visibilidade", esclarece.
A professora destaca que estudos
críticos da imagem demonstram que o machismo na cobertura esportiva é tão
grande que, mesmo quando as mulheres conseguem algum espaço, são retratadas em
ângulos que visam destacar partes especificadas dos seus corpos, de forma a
retratá-las muito mais como objeto sexual do que elas como atletas.
Machismo à espreita
A militante feminista Isa Penna
acrescenta que, independente do aspecto que você analisar a cobertura da mídia
esportiva brasileira, irá encontrar o machismo à espreita. De acordo com ela,
até mesmo no jornalismo esportivo o papel da mulher é diferente. Os homens
são os comentaristas. Elas, as
apresentadoras. "As mulheres funcionam quase como enfeites. Quem dá a
linha editorial da cobertura são os homens", denuncia.
Isa observa que o machismo também
está estampado nos salários pagos. Enquanto os jogadores chegam a negociar
cifras milionárias, as mulheres ganham entre R$ 320 e R$ 2 mil. Há apenas dois
anos, em 2013, os salários delas, embora baixos, variavam de R$ 800 a R$ 5 mil.
"Isso mostra que, neste momento de crise econômica, os patrocínios para o
futebol feminino são os primeiros a serem cortados", afirma.
Ela acrescenta que, atualmente,
há 800 times de futebol masculino inscritos nos campeonatos regionais. Já os
femininos são apenas 175. "Em São Paulo, os principais clubes não tem
seleções femininas. O Santos, que tinha, fechou recentemente, com a velha
desculpa de que falta patrocínio", relata.
O jornalista esportivo José
Roberto Torero avalia que o futebol feminino ainda é muito desconsiderado não
só no Brasil, mas em vários outros países com tradição no esporte. De acordo
com o jornalista, o futebol feminino só se destaca mesmo nos países em que o
masculino não é forte, como na Suécia, na Noruega e nos Estados Unidos.
"Parece que as mulheres ainda não têm licença para jogar futebol",
afirma.
Dentre os fatores, ele também
cita o machismo, que faz com que o público encare os esportes mais brutos, de
maior contato, como genuinamente masculinos. “Vôlei, que não tem contato,
mulher pode jogar. Basquete, fica o meio termo. Mas futebol, não”,
esclarece. O jornalista esportivo lembra
também que as mulheres vêm conquistando espaço em práticas como a natação e o
atletismo, mas, mesmo no país do futebol, não rompe a barreira dos espaços
exclusivos dos homens.
Torero afirma que, mesmo na
cobertura do jornalismo esportivo, o papel da mulher ainda é escasso.
"Jogadoras como a Marta e a Formiga teriam muito a contribuir como
comentaristas, mas não são sequer convidadas para falarem sobre partidas
masculinas. O máximo de espaço que as mulheres ocupam é para comentar partidas
das próprias mulheres", observa ele.
Créditos da foto:
Reprodução/torcedores.com
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