Mulher segura protesta contra o
machismo durante a Marcha Mundial das Mulheres de 2014
O estudioso americano Matthew
Gutmann defende o estudo de masculinidades para se acabar com a desigualdade de
gênero e machismo
por Tatiana Merlino / http://www.diplomatique.org.br/
Mulher segura protesta contra o
machismo durante a Marcha Mundial das Mulheres de 2014
“O comportamento masculino é
determinado pela biologia”. “A natureza do homem é violenta, sexual, instintiva
e difícil de ser controlada”. Essas são algumas explicações usadas para
justificar posturas machistas e violentas por parte dos homens e que são desconstruídas
por Matthew Guttmann, antropólogo especialista em masculinidades da
Universidade Brown, dos Estados Unidos.
Em recente visita ao Brasil,
Guttmann participou do I Seminário Internacional Cultura da Violência contra as
Mulheres, ocorrido entre 20 e 21 de maio, em São Paulo e organizado pelo
Instituto Patrícia Galvão e Instituto Vladimir Herzog.
“Mas não são todos os homens que
violam, que batem. Se é algo biológico, por que há tantos homens que não
violam?”, questiona o antropólogo. “Aí está a brecha para se entender de onde
vem o machismo. Eu trabalhei com homens violentos na cidade do México. E nosso
desafio não é mudar sua biologia e sim seu pensamento”.
Os estudos de gênero devem se
debruçar sobre as masculinidades?
É saudável, eu creio, pois
vivemos em um mundo de mulheres e homens. Quando falamos de gênero, é muito
comum pensar que estamos falando da mulher, mas se pensamos assim, estamos
dizendo que os homens não tem gênero, não estão envolvidos em relações de
gênero. Podemos entender melhor a questão de gênero ao estudarmos os homens.
Isso não é dizer que para entender sobre as masculinidades, só vamos falar com
homens. Também é muito necessário falar sobre os homens com mulheres.
O que faz o estudo da
masculinidade?
Tratamos de entender as
ideologias, as práticas os comportamentos, as relações entre homens e também
entre homens e mulheres e questões de gênero. Ser pai é uma questão de gênero,
ser mãe também. Pode ser que seja a mesma coisa ou que haja divisão de
trabalhos. Há diferenças em muitas famílias, mas também estão havendo mudanças
nas tarefas de pai e mãe. Hoje, há
muitos pais com experiência em trocar fraldas, mas seus avós não tinham tanta
experiência nisso. São mudanças que vão ocorrendo, inclusive em questões
íntimas de família.
Nos Estados Unidos, a maioria dos
que estudam os homens estudam os gays. Na América Latina sempre foi diferente:
há estudos excelentes sobre gays, mas também há muitas feministas da Bolívia,
Chile, Peru, Brasil e México que desempenharam um papel super importante nos
estudos da masculinidade heterossexual. Se realmente queremos entender as
relações de desigualdade que tem a ver com gênero, se realmente queremos mudar
a situação, há a necessidade de estudar os homens e os incluir nos estudos feministas.
O título da sua apresentação
durante o I Seminário Cultura de Violência contra as Mulheres foi “Os Homens
são animais”. Por que?
É claramente uma provocação. As
mulheres também são animais, todos somos animais. O que isso quer dizer? Por
exemplo, podemos falar de outros animais, como chimpanzés e patos. Há cientistas e biólogos que dizem que os
patos violam as fêmeas. Eu digo que violação é uma relação social, é a
imposição do poder do homem sobre a mulher. Então os patos e os chimpanzés não
violam as fêmeas. Podemos falar em sexo forçado, algo assim, mas não é violação
no sentido humano.
Superficialmente podemos falar do
comportamento de outros animais e do comportamento humano e afirmar que somos
todos animais. Mas não é assim entre os humanos porque podemos ver mudanças
radicais na questão gay, por exemplo. Há
50 anos atrás, o debate era outro na sociedade brasileira, no México, nos
Estados Unidos. Agora é legal casar-se em alguns estados dos Estados Unidos.
Como resultado da luta social, sobretudo de parte dos homossexuais, agora temos
mudanças nas leis, nas atitudes sociais, não totalmente, claro, pois segue
existindo a homofobia. Porém, não podemos ver mudanças da mesma maneira em
outros animais.
Mas, se somos animais, em que
somos? Ou seja, temos que fazer sexo para ter filhos, ok, isso é animal. Mas o
sexo entre os humanos não é algo feito por instinto, enquanto que entre os
chimpanzés e patos é por instinto.
De que forma o aspecto biológico
é utilizado como desculpa para o comportamento machista dos homens?
Alguns homens dizem “assim sou,
tenho minhas necessidades, você tem que aguentar, tem que aceitar, pois assim
sou”. É uma atitude bastante machista. Muita gente nos Estados Unidos acha que
o machismo é latino porque a palavra é espanhola, mas o problema é que há
machismo na Rússia, França, África do Sul, México, Itália, Japão. Há atitudes
sexistas dos homens que tem uma posição superior em relação à mulher e há uma
relação entre machismo e violência. Podemos falar de violência doméstica,
também de violência social. E, hoje em dia, a sociedade mais violenta do mundo
é a dos Estados Unidos, não há outro país que faça invasões, e ocupações em
outros países do mundo. Eu venho de uma sociedade machista nesse sentido, a
nível de governo. Por isso, me incomoda quando eles dizem que o México é muito
machista. Embora haja machos no México, claro.
Qual a relação entre a violência
contra as mulheres e o argumento de violência por determinação biológica?
Há pensadores científicos que
dizem que a violação é natural, é uma necessidade masculina física biológica,
que não é por isso que temos que aceitá-la, mas há que reconhecer, que é algo
que vem da natureza. Alega-se que os machos, os animais de todas as espécies,
são assim. Ao se pensar assim, a violência contra a mulher, por exemplo a
violação, teria que se desenvolver algumas maneiras de controlar a situação.
Porém, como esse comportamento
não é resultado biológico e sim do machismo, de um pensamento de superioridade,
de controlar, de poder, etc,. temos que mudar a sociedade, as ideias, o
comportamento dos seres humanos. Não podemos sentar com animais e lhes dizer:
“Por favor, não coma mais carne, ok? Não quero que me coma mais nem a ninguém
mais aqui. Por favor, leão, deixe de ser leão”. Isso não funciona, pois sua
biologia é assim. Mas se os homens são assim, não podemos falar com eles,
teríamos que prender todos. Mas todos os leões buscam carne para comer, sem
exceção. Se não procuram, morrem.
Mas não são todos os homens que
violam, que batem. Se é algo biológico, por que há tantos homens que não
violam?. Aí está a brecha para se entender de onde vem o machismo. Eu trabalhei
com homens violentos na cidade do México. E nosso desafio não é mudar sua
biologia e sim seu pensamento.
Tatiana Merlino
Tatiana Merlino é jornalista
Foto: Elaine Campos/ MMM/cc
Tatiana Merlino, para agência
Patrícia Galvão
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