Jornalista francês Christophe Ventura analisa contexto da UE diante de referendo sobre austeridade: 'gregos votarão em nome de todos os povos europeus'
http://operamundi.uol.com.br/ Lamia Oualalou
Agência Efe /
Ao convocar um referendo neste domingo (05/07) para que a população defina os rumos do país diante do impasse com os credores, o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras quebrou o quadro jurídico e contabilístico dentro do qual os líderes da zona do euro queriam trancá-lo. Pedindo a opinião dos cidadãos gregos sobre o programa de austeridade exigido por Comissão Europeia, BCE (Banco Central Europeu) e FMI (Fundo Monetário Internacional), a chamada troika, “Tsipras reintroduz o povo soberano na negociação", analisa Christophe Ventura, editor do site francês Mémoires des Luttes.
Embora o especialista ressalte o simbolismo da convocação da consulta popular — “domingo, o povo grego vai votar em nome de todos os povos da Europa” —, lembra também que a crise da dívida grega está inserida em um contexto no qual a União Europeia se tornou uma estrutura totalmente antidemocrática. O objetivo das lideranças europeias à frente do processo de negociação é apenas um: "Exigir a capitulação total do governo grego, o que, obviamente, provocaria a explosão do Syriza [partido esquerdista ao qual pertence Tsipras]".
Para Ventura, mais do que o referendo de domingo, é o Banco Central Europeu, por controlar o acesso dos bancos gregos à linha de crédito emergencial, que detém o poder sobre o futuro da Grécia, já que é a única instância, além de Atenas, que pode expulsar a Grécia da zona do euro. "O BCE tem mais poder do que o voto popular. Isto confirma que a Europa tornou-se antidemocrática, é uma construção que coloca todos sob a tutela do mundo das finanças", ressalta o francês a Opera Mundi.
Reprodução

Editor do site francês 'Mémoires des Luttes', Christophe Ventura e analisa crise: 'Europa quer acabar com projeto de um eixo Madri-Atenas'
Editor do site francês 'Mémoires des Luttes', Christophe Ventura e analisa crise: 'Europa quer acabar com projeto de um eixo Madri-Atenas'
Leia abaixo os principais trechos da entrevista com Christophe Ventura, editor do site Mémoires des Luttes, sobre a crise da dívida grega:
Opera Mundi: O anúncio da convocação de um referendo parece ter pego todos os atores desta crise de surpresa. Qual é o calculo do premiê grego?
Christophe Ventura: Eu acho que Tsipras fez um balanço dos últimos seis meses e chegou à conclusão que não tinha outra opção. Apesar do que aparece na imprensa, Tsipras não é um ativista de extrema-esquerda. Ao contrário, acredita que foi eleito com um mandato claro: acabar com a austeridade sem sair da zona euro. Isso implicava em chegar a um compromisso com as instituições europeias, aceitando o quadro que elas impuseram, conseguindo algumas mudanças para aliviar o impacto da austeridade e imaginar outro modelo econômico para o país. A estratégia não deu certo. Hoje, Tsipras é criticado por todo o mundo, começando pela ala à esquerda do seu partido, Syriza, que considera que a Grécia perdeu seis meses nesta tentativa de negociar com a troika. Frente a ele, os credores não querem ceder em nada sobre o dogma da austeridade. Hoje, o primeiro-ministro pede a opinião da população, esperando que ela recuse o plano europeu, o que lhe daria mais legitimidade para negociar.
OM: As instituições europeias acreditam que a Grécia não se esforçou o suficiente para conseguir fechar um compromisso. Qual é sua avaliação?
CV: Do ponto de vista econômico, não é a verdade. Tsipras topou praticamente tudo o que foi exigido. Quero lembrar que a Grécia já desembolsou, desde o mês de agosto passado, 13 bilhões de euros para pagar os juros de sua dívida. Isso é o equivalente a 10% do PIB do país. Ou seja, Atenas deve pedir constantemente mais dinheiro aos Estados para conseguir pagar o que ela deve aos bancos. É uma situação absurda, e, na verdade, isso nem foi questionado pelo Tsipras. Pior, ele admitiu, e este é o ponto fundamental, a lógica dos dirigentes europeus e do FMI, com a obrigação de conseguir superávits primários para pagar a dívida.
A Grécia até aceitou cumprir os números estabelecidos pela Europa: 1% em 2015, apesar da recessão; 2% em 2016; 3% em 2017; e 3,5% a partir de 2018. Esta lógica, implementada há cinco anos, é a que levou o país ao desastre social e econômico, causando também o aumento dívida. Na proposta feita em 22 de Junho, Tsipras concordou em fazer concessões adicionais no sentido de uma maior austeridade: aumento do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), aumento da idade de aposentadoria, etc. Ele apenas pediu ajustes marginais como o adiamento do IVA por alguns meses. Os líderes da UE recusaram a proposta. O que eles querem é uma capitulação total, o que, obviamente, provocaria a explosão de Syriza.
Premiê Alexis Tsipras faz campanha pelo 'não'
OM: Se as instituições econômicas conseguiram a maioria de suas exigências, como explicar que elas interromperam as negociações?
CV: Porque o objetivo agora é conseguir derrubar o governo grego. E, mais uma vez, não estamos falando de um governo radical: Syriza chegou ao poder com um programa keynesiano. Na Alemanha, as palavras mais duras contra Tsipras não foram faladas pela chanceler Angela Merkel, mas pelo vice-chanceler, Sigmar Gabriel, que é o presidente do SPD alemão. Isso mostra em que situação se encontram os partidos social-democratas na Europa. O objetivo hoje é obter uma capitulação completa de Tsipras, ou causar o caos na Grécia. Nos dois casos, o exemplo pode ajudar a evitar o contágio ao resto do continente. Os líderes europeus querem acabar com a possibilidade de um eixo Madri-Atenas, especialmente depois dos resultados eleitorais positivos do partido Podemos na Espanha.
OM: Para Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, responder “não” ao referendoequivale a dizer “não” para o projeto europeu...
CV: Isso é falso. Não é um referendo "a favor ou contra o euro", ou "a favor ou contra a Europa". É um referendo a favor ou contra a austeridade imposta pelos credores do país. Como Tsipras disse em seu discurso: 'A Grécia é e continuará a ser uma parte indissociável da Europa, como continuará a ser uma parte indissociável da Grécia. Mas uma Europa sem democracia será uma Europa sem identidade e sem uma bússola. (...) Vamos responder ao autoritarismo e à austeridade extrema com a democracia'. Neste sentido, o povo grego vai votar em nome de todos os povos da Europa.
OM: Que vai acontecer depois do referendo?
CV: É muito difícil prever o resultado. Existe uma histeria midiática para provocar o medo que complica a escolha. Há uma demonização permanente de Tsipras, que é apresentado como um político “incontrolável”. Todos os líderes europeus, a imprensa grega e internacional, e até mesmo alguns sindicatos, repetem que se o “não” vencer neste domingo, a Grécia vai se tornar um país do terceiro mundo. E se por acaso o “sim” prevalecer, os líderes europeus vão concluir que o povo grego é burro e inconsistente: depois de votar no Syriza em janeiro, eles rejeitam o plano dele em julho. Mais um sinal que é melhor não deixar os povos mexer na gestão dos países... Se o “sim” ganhar, acho que Tsipras será forçado a se demitir, e que haverá eleições antecipadas. Se o “não” vencer, o primeiro-ministro não poderá falar de uma vitoria. Ela teria ganhado apenas o direito de continuar a negociação.
OM: Vários líderes europeus anteciparam que as negociações não seriam retomadas após o referendo se o resultado for negativo...
CV: Isso é o que eles dizem agora, mas não é tão simples. Este referendo já teve o mérito de revelar falhas na Europa, particularmente entre Berlim e Paris. A França quer continuar a negociar, enquanto Alemanha está dividida entre duas posições, aqueles que querem uma zona do euro menor, com apenas os países do norte, e aqueles que, como Merkel, temem uma implosão da Europa, especialmente com a ameaça de saída da Grã-Bretanha.
Além disso, quero lembrar que não há nenhum mecanismo legal para obrigar a Grécia a sair da zona euro, é uma decisão que depende apenas de Atenas. A única instância que pode provocar a saída do euro é o Banco Central Europeu. Hoje, apesar do fim do plano de ajuda dos países europeus e da ausência de crédito do FMI, o BCE continua a manter o acesso dos bancos gregos à chamada “liquidez de emergência” (conhecida pelo sigla ELA). Se o BCE acabar com esta pequena linha de crédito, a Grécia ficaria estrangulada do ponto de vista financeiro, e o sistema bancário seria asfixiado. Neste caso, o Banco Central grego seria obrigado a emitir uma moeda ou títulos, o que implicaria, na prática, uma saída do euro. Para resumir, a responsabilidade do BCE é considerável. Será que ele vai provocar a falência dos bancos gregos, cortando o acesso aos fundos ELA, com o risco de provocar uma cadeia financeira incontrolável? Ou, ao contrário, será que vai privilegiar seu papel de banco central, que é de garantir a estabilidade financeira, contra sua vontade política de derrotar a experiência Syriza?
OM: O futuro da Grécia depende então do BCE, que é um órgão não eleito?
CV: Exatamente. O que simboliza a Europa de hoje. O BCE tem mais poder do que o voto popular. Isto confirma que a Europa tornou-se antidemocrática, é uma construção que coloca todos sob tutela do mundo das finanças. A única resposta europeia para superar a crise da globalização é a austeridade: a redução dos direitos do trabalho e dos direitos políticos para tornar os agentes econômicos mais competitivos. Isto é o que explica o nervosismo dos líderes europeus frente ao referendo grego. Com esta decisão [de convocar o referendo], Tsipras reintroduz a soberania popular na política europeia. Ele também acaba revelando a crise orgânica da União Européia e sua incapacidade de inovar politicamente. Já sabemos que vai haver um antes e um depois de 5 de julho em todos os países europeus.
Agência Efe

Cidadãos franceses manifestam-se por apoio à população grega às vésperas de referendo sobre austeriadade na Grécia
Cidadãos franceses manifestam-se por apoio à população grega às vésperas de referendo sobre austeriadade na Grécia
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12