terça-feira, 7 de julho de 2015

Crônica: encontro imediato do terceiro grau

Neste nosso mundo uma criança da escola primária já pode ir à falência se o seu business plan falhar.

Francisco Louçã / www.cartamaior.com.br

O Som ao Redor/ReproduçãoFoi na semana passada, na Cidade do México e num encontro organizado pela UNAM, a principal Universidade do México, e pela Fundação Saramago. Entre muitos debates que depois vos contarei, um confronto fascinante entre dois mundos.

De um lado, Rosario Marín, mexicana naturalizada norte-americana, a primeira imigrante a ocupar o cargo de Secretária do Tesouro (o equivalente a ministro das finanças) nos Estados Unidos. Foi no primeiro governo Bush, em 2001. Fez depois parte do governo Schwarzenegger na Califórnia, de 2006 a 2009. Ei-la no México a explicar o seu sucesso, foi uma das mulheres mais poderosas do mundo.

Do outro lado, Rebeca Grynspan, que foi vice-presidente da Costa Rica entre 1994 e 1998 e depois secretária-geral adjunta das Nações Unidas.

Explica a republicana e conservadora Marín: vim de uma família pobre, subi à minha custa, o Estado não foi preciso, são as famílias e as pessoas quem devem lutar pela vida, é assim o sucesso.

Responde a progressista Grynspan: o conto do sucesso à sua custa é uma lenda para muito poucos, uma criança subnutrida aos dois anos será pobre toda a vida. O mundo actual está a impor o desastre da pobreza e mesmo a criar novos perigos. Veja o caso das alterações climáticas: os custos dos desastres ambientais não são pagos pelos seus responsáveis directos, e que custos são esses (em dez anos, 2 mil milhões de pessoas foram afectadas, com 945 mil milhões de dólares de custos). Não basta o sucesso de uma pessoa quando se sacrificam povos e gerações. E um exemplo interessante para ser ouvido por uma política norte-americana: a Costa Rica acabou com o seu exército, utiliza os recursos na escola e na proteção da natureza. Os resultados são redução do analfabetismo e da pobreza.

São dois mundos, não são? E qual é o real?

Responde um outro interveniente no debate, Jacques Rogozinski, o director da sociedade nacional de crédito, o banco mexicano de desenvolvimento. Cada um por si, é o ar do tempo. E dá um exemplo soberbo, uma amiga que lhe mandou um mail de Washington a contar do orgulho da filha mais nova, que teve as suas primeiras aulas de empreendedorismo (está na primeira classe da primária) e que, como a irmã mais velha (terceiro ano da primária), está a elaborar um business plan para mostrar as suas capacidades empresariais.

Dizia-me um dos participantes: neste nosso mundo uma criança da escola primária já pode ir à falência se o seu business plan falhar.
_________
Economista e professor universitário português, Francisco Louçã é dirigente do Bloco de Esquerda.

Créditos da foto: O Som ao Redor/Reprodução


Nenhum comentário:

Postar um comentário

12