Dê-se
a isso o nome que se quiser. Estamos em meio a um processo de derrubada do
governo da Presidenta da República, Dilma Rousseff.
por:
Joaquim Palhares - Diretor de redação / www.cartamaior.com.br
Todos
sabemos qual é a hora congelada no relógio da história brasileira neste
momento.
Certamente
não é hora de reiterar platitudes.
Ou
de repetir lamentos, ainda que justos, pertinentes. Tampouco de replicar
constatações.
Todas
as constatações que de forma procedente apontam a cota de equívocos do governo
e do PT na crise atual já foram feitas. Não será a sua reiteração que levará o
partido assumi-las ou equaciona-las.
Os
fatos caminham à frente das ideias: a história apertou o passo.
A
dinâmica política assumiu a vertiginosa transparência de um confronto em campo
aberto no país.
Trata-se
de escolher um dos lados e tomar posição para o combate. Este que já começou e
avança de forma acelerada.
É
o seu desfecho que decidirá o aluvião das pendências, críticas, autocríticas,
repactuações, concessões e escolhas estratégicas que vão modelar o passo
seguinte do desenvolvimento brasileiro.
De
um modo direto: o desfecho desse confronto vertiginoso reflete uma correlação
de forças que se esgarçou e caminha para um novo ponto de coagulação na forma
de um outro arranjo de poder.
Qual
será esse ponto?
Depende
do discernimento histórico, do sentido de urgência e da capacidade de
articulação das forças progressistas nessa hora decisiva.
Estamos
em meio a um processo de derrubada do governo democraticamente eleito da
Presidenta da República, Dilma Rousseff.
Dê-se
a isso o nome que se quiser.
Todos
aqueles ensaiados pela direita latino-americana nos últimos anos: golpe constitucional; derrubada parlamentar;
golpe em câmera lenta. Ou as marcas de fantasia da mesma ofensiva, todas elas
embrulhadas no rótulo de uma peculiar luta anticorrupção.
A
singularidade dessa maratona ética é ter o PT como único grande alvo; Lula como
meta antecipada, a mídia como juiz do domínio do fato e a consagração do
financiamento empresarial como a nota de escárnio e desfaçatez a desnudar toda
lógica do processo.
Tudo
isso já foi dito pelos canais disponíveis, que não são muitos, e dentre os
quais Carta Maior se inclui com muito orgulho.
Vive-se
um adestramento da resignação brasileira para o desfecho golpista deflagrado no
processo de reeleição de Lula, em 2005/2006, quando ficou claro que a direita
brasileira não tinha capacidade de voltar ao poder pelas urnas.
Passo
a passo vem sendo cumprido desde então o objetivo histórico a que se propôs a
elite brasileira e internacional.
Trata-se
de um objetivo ancorado em três metas:
a)
desqualificar o Partido dos Trabalhadores e tornar suas lideranças sentenciadas
e inelegíveis;
b)
inviabilizar, levar ao impeachment o governo da Presidenta Dilma; e
c)
desmontar e fazer regredir todos os avanços populares obtidos na organização da
economia, do mercado de trabalho, das políticas públicas e sociais e da
soberania geopolítica.
Em
uma palavra: completar o trabalho iniciado no ciclo de governo do PSDB nos anos
90, com o desmonte do Estado, a regressão dos direitos sociais democráticos e a
substituição desses direitos por serviços pagos, acessíveis a quem puder
compra-los.
A
crispação da escalada, agora aguda, valeu-se de um componente da correlação de
forças intocado em todos esses anos naquele que talvez tenha sido o erro
superlativo dos governos liderados pelo PT: a hegemonia do aparato comunicação
nas mãos da direita brasileira.
Esse
trunfo sabotou cada iniciativa do projeto progressista e coordenou o cerco que
ora se fecha.
Alimentou,
ademais, a disseminação do ódio na opinião pública, que se expressa na
agressividade inaudita observada nas redes sociais desde a campanha de 2014.
É
nessa estufa de preconceito e ódio de classe que brotam os esporos da ofensiva
fascista, traduzida na escalada em curso.
Inclui-se
nessa espiral as agressões públicas a ministros e ex-ministros de Estado, o
ataque à reputação de lideranças progressistas e a de seus familiares, a onda
de boatos e acusações infundadas contra o governo, as lideranças petistas e
populares; enfim, o adestramento progressivo e diuturno do imaginário social
para a aceitação passiva, ou engajada, da derrubada do governo da Presidenta
Dilma.
Iludem-se
os que confundem esse aluvião tóxico com a expressão da banalidade do mal.
É
de luta de classes que estamos falando, não de Hannah Arendt.
É
de intolerância fascista a pavimentar a derrubada de um governo escolhido por
54 milhões de brasileiros.
Os
que pautaram o grito de ’escravo’ no desembarque dos cubanos engajados no ‘Mais
Médicos’, agora conduzem o jogral que grita ‘corruptos e impeachment’.
Não
sejamos ingênuos.
É
curta a ponte que leva o ódio antipetista a se propagar em ódio
anticomunista, em intolerância religiosa
e desta para a demonização da livre escolha sexual e daí para a higienização
social.
Em
nome do combate ao crime e à violência ultimam-se as providências legais para
lotar penitenciárias com adolescentes pretos e pobres.
Quando
uma sociedade simplesmente interna o seu futuro assim, em jaulas, qual futuro
reserva a sua gente?
O
futuro urdido no intercurso entre a intolerância fascista e a livre mobilidade
dos capitais --cuja persistência impede qualquer projeto de desenvolvimento-- é
o que a direita defende para o Brasil pós-PT, pós-Lula e pós-Dilma.
É
esse o programa da derrubada em marcha do regime democrático brasileiro.
Não
errará quem encontrar pontos de identidade com outras escaladas em curso na
política latino-americana, marmorizada
de redes sociais, movimentos e
lideranças jovens treinados e financiados por fundações de extrema
direita dos EUA. Os novos braços
privados da CIA e do Departamento de Estado.
O
processo que ora avulta na caçada ao PT culminará com a caça a todo e qualquer
desvio à norma de conduta que determina a subordinação esférica da sociedade à
lógica rentista local e global.
Carta
Maior nasceu como um espaço de reflexão da intelectualidade progressista
brasileira.
Seu
compromisso explícito com a construção da democracia social torna-a um veículo imiscível com os valor que
ordenam a derrubada em marcha do governo Dilma –em relação ao qual sustenta um
apoio crítico claro e independente.
Elegemos
uma prioridade diante das provas cruciais que nos impelem –os progressistas ,
democratas e nacionalistas sinceros—ao engajamento nesse divisor que se aproxima.
Exortamos
os intelectuais a irem além do debate convencional.
Estamos
propondo a incômoda operação de concretizar o geral no particular.
Trata-se
de uma exortação à Universidade pública, para que ela volte a ser um ator do
desenvolvimento. E não apenas um cronista da crise. Ou um coadjuvante do
mercado.
Não
basta mais produzir manifestos contra os golpistas.
É
preciso afrontar o projeto de país embutido no golpe com um outro projeto.
E,
sobretudo, com um outro método de escrutiná-lo .
Estamos
exortando a universidade brasileira a se declarar uma trincheira em vigília
permanente contra a derrubada do governo da Presidenta Dilma Rousseff.
E
de fazê-lo transformando essa trincheira na rede da legalidade dos dias que
correm.
Uma
rede debruçada no debate do projeto de desenvolvimento que rompa os gargalos e
as subordinações responsáveis pelo impasse atual.
E
que transforme em práxis anti-golpista a costura das linhas de passagem do
Brasil que somos, para o país que queremos ser.
O
desafio de vida ou morte nesse momento consiste em restaurar a transparência
dos dois campos em confronto na sociedade.
Na
aparente neutralidade de certas iniciativas pulsa a rigidez feroz dos
interesses estruturais que impulsionam a derrubada em marcha do governo.
A
universidade pode, deve e precisa assumir a sua cota como um solvente, capaz de
devolver à sociedade a clareza sobre as escolhas em confronto agudo nas horas
que correm.
É
essa urgência que CM quer compartilhar com a comunidade universitária, à qual
se oferece como um canal de expressão democrático e progressista.
Mãos
à obra.
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