A Alemanha jogou sabendo que ganhava, porque sabia
que a Grécia não iria por sobre a mesa a saída do euro.
Alfredo Serrano Mancilla - Publico.es / www.ctamaior.com.br
Mais uma vez, a resposta foi fechar o cadeado
contra as alternativas. A Alemanha quer a União Europeia assim e de nenhuma
outra forma. Não tolera nem permite que ninguém a contrarie. Por exemplo,
quando, em 2005, os franceses e os holandeses rejeitaram o Tratado
Constitucional, a Alemanha tirou da manga um inesperado Tratado de Lisboa, que
substituiu o anterior, mas sem a necessidade de ser submetido ao voto popular.
O país tampouco é um exemplo no que diz respeito a cumprimento de regras. O
estilo de Angela Merkel é naquela linha de que as regras só servem quando não
seja ela mesma obrigada a cumpri-las. Por exemplo, a Alemanha nunca cumpriu o
limite estabelecido pela própria União Europeia com relação ao superavit por
conta corrente (em Procedimentos de Desequilíbrio Macroeconômico). Esse limite
deveria ser tratado da mesma forma que se trataram os deficits dos países do
sul em outras variáveis econômicas, porque tanto uns quanto outro são ameaças
para a estabilidade da Zona Euro. Mas não. A Alemanha se dá o direito de passar
por cima dessa e de outras normas, porque parece que adquiriu o poder de ser o
único país que decide o que será punido e como. Outros exemplos são as 14 vezes
que a mesma Alemanha deixou de cumprir os limites de deficit (3% do PIB) ou de
dívida (60%), estabelecidos pelo Tratado de Maastricht, entre 2000 e 2010,
também impunemente.
Nestes últimos anos, a Grécia vinha sendo uma
enorme dor de cabeça, por isso, desta vez, a Alemanha se empenhou para que não
houvesse nenhum passo para trás na postura que impôs desde o primeiro momento.
A irreversibilidade da Zona Euro deve ser alcançada custe o que custar, segundo
a doutrina Merkel. Em 2011, o então presidente grego, o socialista Geórgios
Papandreu propôs que os cidadãos gregos se pronunciassem em referendo sobre o
segundo resgate aprovado por Bruxelas, que chegava a 130 bilhões de euros. Mas
a Alemanha pressionou e impediu que a consulta popular acontecesse. Essa coisa
de dar voz ao povo não é bem vista pela democracia made in Zona Euro.
Ao vencer pela primeira vez a vontade popular dos
gregos, a Alemanha avisou aos navegantes europeus que os referendos só estavam
permitidos quando se referissem a direitos e liberdades civis, sem afetar o
âmbito econômico. Merkel piloto o barco da economia junto com os gigantes do
setor financeiro – aquilo que, depois, a imprensa chama de “decisões técnicas”,
apesar serem o fiel reflexo da política em seu estado puro. Nesta Europa,
alguns poucos mantêm o poder de desenhar a organização da casa, sem permitir que
a periferia opine. E se opina, como fez o povo grego no último referendo, não
vale nada.
Como em 2011, a Alemanha pressionou para evitar que
Alexis Tsipras consultasse o povo; não conseguiu e não gostou de ter perdido.
Teve a paciência de esperar o momento em que o cabo da frigideira europeia
voltou às suas mãos. Os alemães sabem que dentro da Zona Euro a margem de
negociação é bastante estreita. A construção desta União Europeia é um ferrolho
em si mesma, tudo se conversa por fora, nada por dentro. E por dentro, no
final, quem decide é a Alemanha.
E assim foi. A Grécia, com o povo grego a seu
favor, pretendia por sobre a mesa o seguinte acordo: reestruturação da dívida
em troca de aceitar algumas receitas da política econômica neoliberal. Na
teoria deste jogo, sabe-se que só são válidas as opções que sejam
verdadeiramente viáveis. Talvez por essa razão, o então ministro da Fazenda
grego Yanis Varoufakis pediu demissão após a vitória do Syriza no referendo,
antes de retomar as negociações. Ele sabia que dentro da Zona Euro não havia
uma proposta firme por parte da Grécia, e que essa posição terminaria levando o
país a ceder mais ao que fosse imposto pela Alemanha. Com relação à possível
saída do euro, o mesmo ex-ministro reconheceu, em seu último artigo no The
Guardian, que “devido a falta de uma real infraestrutura para gestar uma saída
imediata, o ´Grexit´ seria como o anúncio de um enorme processo de
desvalorização, com 18 meses de antecipação: uma receita para a liquidação de
todo o estoque de capital grego e sua transferência ao exterior, por todos os
meios disponíveis”. Ou seja, o custo de sair do euro agora é tão grande quanto
o de ficar. A encruzilhada perfeita, novamente made in Zona Euro. O acordo da
Alemanha, no típico estilo pegar ou largar, exige da Grécia um fundo de 50
bilhões de euros a partir das privatizações, subir o imposto sobre o comércio
para alimentos e outros bens, congelar aposentadorias e pensões, aumentar a
idade de aposentadoria para os 67 anos, reforma das leis trabalhistas e seguir
reduzindo a administração pública. Isso tudo em nome de um resgate de 86
bilhões de euros (a favor dos credores da dívida grega), que nada tem a ver com
a reestruturação pretendida pelo país helênico.
O estado-nação chamado Alemanha impõe seu modelo:
um esquema supranacional europeu à sua mercê, que lhe permite competir em plena
transição geoeconômica em direção a um mundo multipolar. A única aliança sem
nacionalidade permitida dentro de casa é aquela que existe no âmbito das
megaempresas transnacionais com matrizes na União Europeia. Esse pacto está bem
selado por todas as grandes empresas privadas europeias, e nele não há lugar
para o povo grego e seu afã por decidir seu próprio destino, tampouco para quem
quiser defender seus direitos sociais. Portanto, com este panorama vigente na
Europa, por enquanto não há nada mais a fazer. Apesar de sua legitimidade, os
votos não têm poder legal suficiente para reverter os acordos financeiros.
A lição é contundente. A Alemanha jogou sabendo que
ganhava, porque sabia que a Grécia não iria por sobre a mesa a saída do euro.
Como sabia que a Grécia queria ficar dentro, pode manejar a situação para que
as cartas fossem repartidas desigualmente. Tsipras ganhou em casa por goleada,
graças aos votos e a vontade dos gregos, mas perdeu fora, onde o poder
financeiro manda. Sendo assim, já é hora de discutir seriamente sobre aquilo
que chamam de democracia, mas que não parece ser uma real expressão da vontade
popular.
Créditos da foto: Guido Bergmann / Bundesregierung
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