Ao contrário do que afirmam seus
detratores, os adeptos de teorias da conspiração não são indivíduos
irracionais: sua crença baseia-se em raciocínios relativamente simples, mas
levados um pouco longe demais...
por Marina Maestrutti / http://www.diplomatique.org.br/
"Qual é seu grau de
concordância com as seguintes teorias, numa escala de 1 = ‘Nulo’ a 7 = ‘Total’?
1) A aids foi criada intencionalmente pelo homem, mais especificamente pelo
governo norte-americano. 2) A missão Apolo nunca chegou à Lua e as imagens divulgadas
para o grande público não passaram de um truque da CIA. 3) O assassinato de
John F. Kennedy não foi obra de um atirador solitário, mas o desfecho de uma
vasta conspiração. 4) A princesa Diana não morreu num acidente de automóvel,
foi assassinada etc.”
A exemplo de Pascal Egger e
Adrian Bangerter, autores desse texto,1 a psicologia social tenta há muitos
anos analisar os mecanismos de aquiescência às teorias da conspiração. Para
ela, tais teorias são construções coletivas que representam uma das formas de
expressão do “pensamento social”.2 Essa disciplina se interessa principalmente
pelas propensões que, em nossas maneiras habituais de pensar, favorecem a
difusão e a persistência do conspiracionismo.
Encontramos, de início, o “viés
de conjunção”, isto é, a tendência amplamente partilhada a superestimar a
probabilidade de que dois eventos distintos estejam na verdade correlacionados.
Daniel Kahneman e Amos Tversky verificaram isso graças a uma experiência em
1983.3 Os dois pesquisadores apresentaram aos participantes um texto que
traçava o retrato de Linda, 31 anos, formada em Filosofia, esquerdista e
militante nos movimentos antirracistas. À pergunta “Você acha mais provável que
Linda seja funcionária de banco (resposta A)? Ou funcionária de banco e feminista
(resposta B)?”, quase 90% dos participantes responderam B. Fundamentaram seu
julgamento antes nos dados do retrato fornecido que na probabilidade intrínseca
de estarem diante de um caso raro – pois é mais comum alguém ser funcionário de
banco que funcionário de banco e feminista. Estereótipos e considerações
sociais sugeridos pelo retrato de Linda levaram os sujeitos a um erro de
conjunção.
Essa tendência atua de modo
direto nas teorias da conspiração. Olivier Klein e Nicolas van der Linden
demonstraram-no a propósito do 11 de Setembro: diante de duas informações
diferentes – a descoberta de aço fundido nos destroços das torres gêmeas e a falta
de reação do governo Bush às informações de que indivíduos próximos à Al-Qaeda
estavam treinando em escolas de pilotagem –, a maioria dos entrevistados se
mostrou propensa a julgar a probabilidade conjunta desses dois elementos mais
alta que sua probabilidade isolada.4
O “viés de intencionalidade”, que
intervém na maneira como avaliamos os fatores causais, também labora em favor
das teorias da conspiração. John McClure, Denis J. Hilton e Robbie M. Sutton
estudaram esse ponto numa experiência recente. Apresentaram aos participantes
vários relatos de um incêndio, variando suas causas: ele fora ora intencional
(um ato criminoso), ora fortuito (o sol, o calor). Indagados sobre qual relato
lhes parecia mais verossímil, os sujeitos se pronunciaram majoritariamente em
favor do incêndio criminoso.5 Essa propensão explica em parte por que algumas
pessoas preferem as explicações fornecidas por uma teoria da conspiração, em
particular quando a versão oficial carece de intencionalidade (a morte de Diana
Spencer, o aparecimento da aids) ou sugere uma intencionalidade considerada
duvidosa (o 11 de Setembro, os atentados ao periódico Charlie Hebdo).
Vem em seguida o “viés de simples
exposição”. Como mostram diversos trabalhos, o mero fato de sermos apresentados
a teses que sustentam uma teoria fomenta inconscientemente nossa adesão a ela.
Os pesquisadores Karen Douglas e Robbie Sutton se propuseram a mensurar as
condições de adesão aos relatos discordantes sobre a morte da princesa Diana. O
grupo de alunos ao qual eles forneceram informações sustentando a hipótese de
assassinato manifestou adesão mais alta que o grupo privado de informações.6
A fim de precisar os contornos
desse viés, Daniel T. Gilbert e sua equipe analisaram a maneira como nosso
julgamento é influenciado pelas condições nas quais recebemos informações e
pelo tipo de informação conhecida.7 No contexto dessa experiência, dois grupos
de participantes receberam uma lista de dados sobre um suspeito cuja
culpabilidade eles procurariam estabelecer; foi-lhes dito que a lista continha
várias informações “falsas”, facilmente identificáveis por um sinal vermelho e
que não deveriam ser levadas em conta. Para o primeiro grupo, as informações
falsas constituíam circunstâncias atenuantes; para o segundo, circunstâncias agravantes.
Alguns sujeitos deveriam também ler a enumeração enquanto estivessem ocupados
com tarefas cognitivas suplementares (por exemplo, associar números aos
elementos da lista); os outros poderiam se concentrar na leitura. A seguir,
todos se pronunciariam sobre a culpabilidade do suspeito e lhe atribuiriam uma
pena. Resultado: muito poucos não levaram em conta as informações falsas;
quando sua atenção foi desviada, consideraram verdadeiras todas as informações;
os que receberam a lista com circunstâncias agravantes (que de antemão sabiam
ser falsas) tenderam a atribuir penas mais pesadas.
Enfim, o “viés de confirmação”
induz os indivíduos a buscar informações que corroborem suas crenças
preexistentes, não as que as invalidem. Também esse viés contribui para a
persistência das teorias da conspiração. Em 1960, Peter C. Wason realizou uma
experiência pioneira sobre esse tema. Apresentou aos participantes uma
sequência de três números (por exemplo, 2, 4 e 8) composta segundo uma regra
particular e pediu-lhes que criassem novas sequências de acordo com o mesmo
modelo, submetendo-as depois ao experimentador para saber que regra haviam
adotado. Caso houvesse conformidade na sequência, os participantes deveriam
esclarecer a regra escolhida. A de Wason era muito simples – seus três números
obedeciam a “qualquer ordem crescente” –, mas quase todas as pessoas
interrogadas enunciaram uma regra mais complexa: múltiplos de dois, números
pares, progressão geométrica... Além disso, as sequências que submeteram ao
experimentador atestavam quase exclusivamente exemplos “positivos”, que
confirmavam suas suposições, embora o melhor meio de verificar a hipótese teria
sido propor uma sequência que não correspondesse a elas. Poucos participantes
se arriscaram a eventualidades que supunham não conformes à regra. O viés de
confirmação esclarece que as teorias da conspiração tendem a se autovalidar.
A influência desses quatro vieses
cognitivos é o mais das vezes inconsciente, tornando difícil a imunização
contra o conspiracionismo. Acreditar ou aceitar esse tipo de explicação não
resulta de uma racionalidade patológica, mas de uma série de raciocínios
relativamente simples, feitos à base dos dados disponíveis e do contexto
social.
Marina Maestrutti
*Marina Maestrutti é professora
de Sociologia da Universidade de Paris 1
Panthéon-Sorbonne.
1 Pascal Wagner-Egger e Adrian
Bangerter, “La vérité est ailleurs: corrélats de l’adhésion aux théories du
complot” [A verdade é outra: correlatos da adesão às teorias da conspiração],
Revue Internationale de Psychologie Sociale, Grenoble, abr. 2007.
2 Em 1973, Michel-Louis Rouquette
introduziu o conceito de “pensamento social” para designar um “pensamento da
gestão cotidiana”, ou seja, um pensamento daquilo que interessa diretamente às
pessoas, daquilo que as preocupa, daquilo que importa a elas (a psicologia
social chama isso de “implicação”).
3 Daniel Kahneman e Amos Tversky,
“Probability, Representativeness, and the Conjunction Fallacy” [Probabilidade,
representatividade e a falácia da conjunção], Psychological Review, Washington,
n.90, 1983.
4 Olivier Klein e Nicola van der Linden,
“Lorsque la cognition sociale devient paranoïde ou les aléas du scepticisme
face aux théories du complot” [Quando a cognição social se torna paranoica ou
os acasos do ceticismo diante das teorias da conspiração]. In: Emmanuelle
Danblon e Loïc Nicolas (orgs.), Les Rhétoriques de la conspiration [As
retóricas da conspiração], CNRS Éditions, Paris, 2010.
5 John McClure, Denis J. Hilton e Robbie
M. Sutton, “Judgements of Voluntary and Physical Causes in Causal Chains:
Probabilistic and Social Functionalist Criteria for Attributions” [Julgamentos
de causas voluntárias e físicas nas cadeias causais: critérios probabilísticos
e funcionalistas sociais para atribuições], European Journal of Social
Psychology, n.37, Chichester (Reino Unido), 2007.
6 Karen M. Douglas e Robbie M. Sutton,
“The Hidden Impact of Conspiracy Theories: Perceived and Actual Influence of
Theories Surrounding the Death of Princess Diana” [O impacto oculto das teorias
da conspiração: influência percebida e real das teorias em torno da morte da
princesa Diana], The Journal of Social Psychology, n.148, Londres, 2008.
7
Daniel T. Gilbert, Romin W. Tafarodi e Patrick S. Malone, “You Can’t Not
Believe Everything You Read” [Você não pode não acreditar em tudo que lê],
Journal of Personality and Social Psychology, n.65, Washington, DC, 1993.
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