quinta-feira, 6 de agosto de 2015

DOSSIÊ ESPECIAL CONSPIRAÇÕES - NINGUÉM ESTÁ A SALVO // Uma série de raciocínios simples

Ao contrário do que afirmam seus detratores, os adeptos de teorias da conspiração não são indivíduos irracionais: sua crença baseia-se em raciocínios relativamente simples, mas levados um pouco longe demais...

por Marina Maestrutti / http://www.diplomatique.org.br/

"Qual é seu grau de concordância com as seguintes teorias, numa escala de 1 = ‘Nulo’ a 7 = ‘Total’? 1) A aids foi criada intencionalmente pelo homem, mais especificamente pelo governo norte-americano. 2) A missão Apolo nunca chegou à Lua e as imagens divulgadas para o grande público não passaram de um truque da CIA. 3) O assassinato de John F. Kennedy não foi obra de um atirador solitário, mas o desfecho de uma vasta conspiração. 4) A princesa Diana não morreu num acidente de automóvel, foi assassinada etc.”

A exemplo de Pascal Egger e Adrian Bangerter, autores desse texto,1 a psicologia social tenta há muitos anos analisar os mecanismos de aquiescência às teorias da conspiração. Para ela, tais teorias são construções coletivas que representam uma das formas de expressão do “pensamento social”.2 Essa disciplina se interessa principalmente pelas propensões que, em nossas maneiras habituais de pensar, favorecem a difusão e a persistência do conspiracionismo.

Encontramos, de início, o “viés de conjunção”, isto é, a tendência amplamente partilhada a superestimar a probabilidade de que dois eventos distintos estejam na verdade correlacionados. Daniel Kahneman e Amos Tversky verificaram isso graças a uma experiência em 1983.3 Os dois pesquisadores apresentaram aos participantes um texto que traçava o retrato de Linda, 31 anos, formada em Filosofia, esquerdista e militante nos movimentos antirracistas. À pergunta “Você acha mais provável que Linda seja funcionária de banco (resposta A)? Ou funcionária de banco e feminista (resposta B)?”, quase 90% dos participantes responderam B. Fundamentaram seu julgamento antes nos dados do retrato fornecido que na probabilidade intrínseca de estarem diante de um caso raro – pois é mais comum alguém ser funcionário de banco que funcionário de banco e feminista. Estereótipos e considerações sociais sugeridos pelo retrato de Linda levaram os sujeitos a um erro de conjunção.

Essa tendência atua de modo direto nas teorias da conspiração. Olivier Klein e Nicolas van der Linden demonstraram-no a propósito do 11 de Setembro: diante de duas informações diferentes – a descoberta de aço fundido nos destroços das torres gêmeas e a falta de reação do governo Bush às informações de que indivíduos próximos à Al-Qaeda estavam treinando em escolas de pilotagem –, a maioria dos entrevistados se mostrou propensa a julgar a probabilidade conjunta desses dois elementos mais alta que sua probabilidade isolada.4

O “viés de intencionalidade”, que intervém na maneira como avaliamos os fatores causais, também labora em favor das teorias da conspiração. John McClure, Denis J. Hilton e Robbie M. Sutton estudaram esse ponto numa experiência recente. Apresentaram aos participantes vários relatos de um incêndio, variando suas causas: ele fora ora intencional (um ato criminoso), ora fortuito (o sol, o calor). Indagados sobre qual relato lhes parecia mais verossímil, os sujeitos se pronunciaram majoritariamente em favor do incêndio criminoso.5 Essa propensão explica em parte por que algumas pessoas preferem as explicações fornecidas por uma teoria da conspiração, em particular quando a versão oficial carece de intencionalidade (a morte de Diana Spencer, o aparecimento da aids) ou sugere uma intencionalidade considerada duvidosa (o 11 de Setembro, os atentados ao periódico Charlie Hebdo).

Vem em seguida o “viés de simples exposição”. Como mostram diversos trabalhos, o mero fato de sermos apresentados a teses que sustentam uma teoria fomenta inconscientemente nossa adesão a ela. Os pesquisadores Karen Douglas e Robbie Sutton se propuseram a mensurar as condições de adesão aos relatos discordantes sobre a morte da princesa Diana. O grupo de alunos ao qual eles forneceram informações sustentando a hipótese de assassinato manifestou adesão mais alta que o grupo privado de informações.6

A fim de precisar os contornos desse viés, Daniel T. Gilbert e sua equipe analisaram a maneira como nosso julgamento é influenciado pelas condições nas quais recebemos informações e pelo tipo de informação conhecida.7 No contexto dessa experiência, dois grupos de participantes receberam uma lista de dados sobre um suspeito cuja culpabilidade eles procurariam estabelecer; foi-lhes dito que a lista continha várias informações “falsas”, facilmente identificáveis por um sinal vermelho e que não deveriam ser levadas em conta. Para o primeiro grupo, as informações falsas constituíam circunstâncias atenuantes; para o segundo, circunstâncias agravantes. Alguns sujeitos deveriam também ler a enumeração enquanto estivessem ocupados com tarefas cognitivas suplementares (por exemplo, associar números aos elementos da lista); os outros poderiam se concentrar na leitura. A seguir, todos se pronunciariam sobre a culpabilidade do suspeito e lhe atribuiriam uma pena. Resultado: muito poucos não levaram em conta as informações falsas; quando sua atenção foi desviada, consideraram verdadeiras todas as informações; os que receberam a lista com circunstâncias agravantes (que de antemão sabiam ser falsas) tenderam a atribuir penas mais pesadas.

Enfim, o “viés de confirmação” induz os indivíduos a buscar informações que corroborem suas crenças preexistentes, não as que as invalidem. Também esse viés contribui para a persistência das teorias da conspiração. Em 1960, Peter C. Wason realizou uma experiência pioneira sobre esse tema. Apresentou aos participantes uma sequência de três números (por exemplo, 2, 4 e 8) composta segundo uma regra particular e pediu-lhes que criassem novas sequências de acordo com o mesmo modelo, submetendo-as depois ao experimentador para saber que regra haviam adotado. Caso houvesse conformidade na sequência, os participantes deveriam esclarecer a regra escolhida. A de Wason era muito simples – seus três números obedeciam a “qualquer ordem crescente” –, mas quase todas as pessoas interrogadas enunciaram uma regra mais complexa: múltiplos de dois, números pares, progressão geométrica... Além disso, as sequências que submeteram ao experimentador atestavam quase exclusivamente exemplos “positivos”, que confirmavam suas suposições, embora o melhor meio de verificar a hipótese teria sido propor uma sequência que não correspondesse a elas. Poucos participantes se arriscaram a eventualidades que supunham não conformes à regra. O viés de confirmação esclarece que as teorias da conspiração tendem a se autovalidar.

A influência desses quatro vieses cognitivos é o mais das vezes inconsciente, tornando difícil a imunização contra o conspiracionismo. Acreditar ou aceitar esse tipo de explicação não resulta de uma racionalidade patológica, mas de uma série de raciocínios relativamente simples, feitos à base dos dados disponíveis e do contexto social.


Marina Maestrutti

*Marina Maestrutti é professora de Sociologia da Universidade de Paris 1
Panthéon-Sorbonne.


1         Pascal Wagner-Egger e Adrian Bangerter, “La vérité est ailleurs: corrélats de l’adhésion aux théories du complot” [A verdade é outra: correlatos da adesão às teorias da conspiração], Revue Internationale de Psychologie Sociale, Grenoble, abr. 2007.

2         Em 1973, Michel-Louis Rouquette introduziu o conceito de “pensamento social” para designar um “pensamento da gestão cotidiana”, ou seja, um pensamento daquilo que interessa diretamente às pessoas, daquilo que as preocupa, daquilo que importa a elas (a psicologia social chama isso de “implicação”).

3         Daniel Kahneman e Amos Tversky, “Probability, Representativeness, and the Conjunction Fallacy” [Probabilidade, representatividade e a falácia da conjunção], Psychological Review, Washington, n.90, 1983.

4         Olivier Klein e Nicola van der Linden, “Lorsque la cognition sociale devient paranoïde ou les aléas du scepticisme face aux théories du complot” [Quando a cognição social se torna paranoica ou os acasos do ceticismo diante das teorias da conspiração]. In: Emmanuelle Danblon e Loïc Nicolas (orgs.), Les Rhétoriques de la conspiration [As retóricas da conspiração], CNRS Éditions, Paris, 2010.

5         John McClure, Denis J. Hilton e Robbie M. Sutton, “Judgements of Voluntary and Physical Causes in Causal Chains: Probabilistic and Social Functionalist Criteria for Attributions” [Julgamentos de causas voluntárias e físicas nas cadeias causais: critérios probabilísticos e funcionalistas sociais para atribuições], European Journal of Social Psychology, n.37, Chichester (Reino Unido), 2007.

6         Karen M. Douglas e Robbie M. Sutton, “The Hidden Impact of Conspiracy Theories: Perceived and Actual Influence of Theories Surrounding the Death of Princess Diana” [O impacto oculto das teorias da conspiração: influência percebida e real das teorias em torno da morte da princesa Diana], The Journal of Social Psychology, n.148, Londres, 2008.


7         Daniel T. Gilbert, Romin W. Tafarodi e Patrick S. Malone, “You Can’t Not Believe Everything You Read” [Você não pode não acreditar em tudo que lê], Journal of Personality and Social Psychology, n.65, Washington, DC, 1993.

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