Pesquisa mostra que a política
econômica aplicada pelo governo Dilma foi mais prejudicial do que a conjuntura
econômica internacional.
Marcelo Justo / www.cartamaior.com.br
O último informe da CEPAL sobre a
América Latina é pessimista (0,5% de crescimento), e lapidário ao se referir ao
Brasil (uma contração de 1,5%). O ajuste impulsado pela nova equipe econômica
de Dilma Rousseff, desde a sua vitória eleitoral, no final do ano passado
piorou uma situação complicada a nível internacional, pela queda do preço dos
commodities, a desaceleração da China e o fraco desempenho da economia mundial,
que continua sem poder escapar da sombra projetada pela crise financeira de
2008. Uma investigação do Center for Economic and Policy Research (CEPR) de
Washington mostra que este panorama externo negativo foi menos prejudicial que
a política aplicada pelo governo de Dilma Rousseff. O resultado das medidas
adotadas é uma economia brasileira que, durante o primeiro período de governo
de Rousseff, entre 2011 e 2014 cresceu 2,1% em média, comparando com o 4,4%
entre 2004 e 2010, apesar de o período, durante a gestão de Lula da Silva, ter
sido marcado pela recessão mundial de 2008-2009, com a qual o governo teve que
lidar. Carta Maior dialogou com Mark Weisbrot, codiretor do CEPR, sobre as
perspectivas da economia brasileira e o perigo de um aumento das taxas de juros
nos Estados Unidos.
Carta Maior – A equipe econômica
brasileira, encabeçada por Joaquim Levy, um ministro da Fazenda neoliberal, diz
que é possível fazer um ajuste compatível com o crescimento econômico. Não é o
que mostram os dados duros. A previsão é de que este ano o Brasil sofrerá uma
contração de 1,5%. A a investigação do CEPR analisa profundamente as políticas
contrativas postas em prática em seu primeiro mandato, e seu impacto negativo.
Visto que, neste segundo período governamental, Rousseff aprofundou ainda mais
essa política ortodoxa, o panorama não é muito animador para o Brasil, se não
muda de rumo.
Mark Weisbrot – Efetivamente, as
coisas pioraram no Brasil. Em 2010, a economia estava em desaceleração e, em
resposta, o Banco Central iniciou um ciclo de aumentos das taxas de juro. Hoje,
a taxa de juros se encontra sobre os 14%, um dos índices mais altos do mundo, e
houve uma contração da demanda agregada, além de uma forte queda do
investimento privado.
Esse processo de contração da
demanda agregada já se percebia em 2011. Naquele ano, os investimentos públicos
caíram 17,9% em termos reais, ajustados à inflação, e o das companhias estatais
caiu em 7,8%. Mas há uma diferença com respeito ao que sucede hoje. Na primeira
presidência de Dilma, havia uma tensão entre uma agenda econômica mais
desenvolvimentista e outra mais neoliberal. Hoje, o rumo está muito mais
definido a respeito do ajuste. Se Dilma Rousseff quer sair desta crise, vai ter
que mudar de política.
CM – Se no primeiro governo havia
uma tensão não resolvida entre dois modelos, por que Rousseff se decidiu pela
variante neoliberal, que havia rejeitado claramente na campanha eleitoral, já
que, como diz o seu estudo, não havia uma crise na balança de pagamentos, nem
dados concretos que respaldassem uma possível eficácia da estratégia que
finalmente foi a adotada?
Weisbrot – Isso deveria ser
perguntado a ela. A realidade é que não era necessário seguir esse rumo. As
reservas são bastante altas. O serviço da dívida é de 6% do PIB, um nível elevado,
mas também autoinfligido: poderiam mudá-lo variando as taxas de juro. Se
olharmos a evolução da dívida externa total, pública e privada, com relação às
exportações, ela passou de 4,7% em 1999 a 1,27% em 2010 e 1,54% em 2014. E a
dívida nominal em dólares caiu de 75% no começo do Governo Lula a 35% em 2010 e
40% em 2014. Até mesmo se tomamos em conta que houve uma ligeira piora de ambos
os indicadores em 2014, a realidade é que se encontra em níveis muito mais
administráveis que antes dos governos do PT. Nosso estudo mostra também que a
queda da produção industrial não se explica por um processo de
desindustrialização vinculado aos problemas das taxas de câmbio, como sustentam
alguns, já que produção industrial cresceu em 2007-2008, e também em 2010, com
um tipo de câmbio apreciado. A verdadeira razão foi essa queda do investimento
total, privado e público, a qual me referia antes. Como disse, não sei porque
Rousseff preferiu essa política, apesar desses dados, mas conheço a teoria que
há por trás dessa decisão, que é a de criar confiança nos investidores através
de um alça das taxas de juros capaz de conter a inflação e lhes dar um maior
espaço para liberar o gasto fiscal. Tudo isso, insisto, apesar de que o Brasil
não estava numa situação como a de 2003, quando havia restrição externa, que
forçou uma política mais cautelosa. Uma vez que se aplicou a teoria do ajuste,
sabemos onde isso vai dar: nunca ou quase nunca funciona. É o que vemos no
Brasil, e também na Europa.
CM – Em julho, o governo anunciou
uma redução da meta de superavit fiscal primário, de 1,1% a 0,15% do PBI. Dias
antes desse anúncio, o ministro da Fazenda Joaquim Levy afirmou, em entrevista
para a Folha de São Paulo, que não deveria haver uma redução nas metas. Em
outras palavras, a política sendo determinante para anunciar essa medida,
apesar da oposição do ministro. Você acredita numa mudança na relação forças
internas?
Weisbrot – Pelo menos é um
reconhecimento de que as coisas no estão marchando como se esperava. É um
avanço, porque até agora havia uma negação do que estava acontecendo. É
possível que seja o começo de uma mudança, mas ainda é cedo para afirmar isso.
Acredito que uma mudança na politica econômica é crucial para a sobrevivência
política de Rousseff. Se não alterar o rumo, vai haver mais desemprego e de
aprofundará a recessão. Além disso, o ajuste tem consequências menos imediatas,
mas maiores a longo prazo. O Brasil necessita muitos investimentos em
infraestrutura, e esta política está afetando a capacidade de conseguir esses
investimentos.
CM – A situação se complicou mais
porque o dólar este ano poderia chegar a 3,48 reais. Nesse cenário, um aumento
das taxas de juros nos Estados Unidos, que alguns dizem que poderia acontecer
em setembro, poderia provocar uma fuga de capitais que aumentaria mais a
pressão sobre o atual modelo brasileiro.
Weisbrot – É muito difícil dizer
o que acontecerá com as taxas de juros nos Estados Unidos. Não vejo que exista
uma justificativa para elevar as taxas, porque não há inflação, e não porque a
atividade econômica esteja entusiasmando. Ainda assim, é difícil prever se o
impacto que geraria um aumento das taxas seria uma fuga de capitais do Brasil
para os Estados Unidos. Depende de quando sucede, se é um aumento muito grande
ou não. Por exemplo, se sobe 0,25% no próximo ano é uma coisa. Pelo contrário,
se os investidores enxergam nisso uma política mais profunda de elevação das
taxas, o impacto pode ser maior. O risco existe. A meu ver, no caso de se
concretizar essa previsão (da relação entre o dólar e o real), o aumento das
taxas de juros será mais gradual.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: Roberto
Stuckert Filho/PR
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