Em seminário internacional,
participantes criticam posição recuada dos governos petistas e afirmam que sem
regulação não há liberdade de expressão.
Najla Passos / www.cartamaior.com.br
A ausência do ministro da
Comunicação, Ricardo Berzoini, no Seminário Internacional “Regulação da Mídia e
Liberdade de Expressão”, na noite desta segunda (10), na Universidade de
Brasília (UnB), foi bastante criticada pelos participantes que, inclusive,
apontaram a posição retraída dos governos do PT de não promover a
democratização da comunicação como um dos principais motivos da crise política
hoje instaurada no país.
“Os governos dos últimos quatro
mandatos caíram em uma armadilha: acreditaram que os oligopólios poderiam ser
parceiros de um projeto político que beneficiasse as camadas mais carentes da
população”, afirmou o professor aposentado da Faculdade de Comunicação da UnB,
Venício Lima.
Segundo ele, os governos dos
presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff não entenderam a
importância de garantirem uma mídia plural e diversificada e, por isso, agora,
esta última está pagando o preço. “Deu no que deu: hoje temos um governo
completamente refém do setor privado”, criticou o acadêmico.
Na avaliação dele, a situação é
ainda mais desalentadora porque o governo parece não ter aprendido a lição. “As
notícias mais recentes, das últimas 72 horas, dão conta de que o governo
capitula frente a esses grupos para sair da enrascada que ele mesmo se meteu”,
disse Lima, em referência ao suposto acordo feito entre o governo e a Rede
Globo, o maior dos oligopólios da mídia brasileira, para evitar a crise do
impeachment.
O procurador federal dos Direitos
do Cidadão, Aurélio Rios, criticou também a posição do judiciário brasileiro no
processo de completa desregulação da mídia. Segundo ele, a interpretação dada à
Lei de Imprensa pelo ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ayres
Britto, teceu um verdadeiro libelo à liberdade de expressão, mas sem nenhuma
contrapartida, o que coloca em xeque outros direitos constitucionais.
Ele citou que existe uma ação
direta de inconstitucionalidade no STF discutindo classificação indicativa e
cinco ministros já se manifestaram no sentido de que a classificação indicativa
viola o princípio da liberdade de expressão. “A regulação da liberdade de
expressão deve ser razoável e proteger outros direitos, como o da criança e do
adolescente”, argumentou.
O procurador lembrou que, no
Brasil, a desregulação é tão profunda que, no âmbito da internet, por exemplo,
nem o direito de resposta pode ser garantido, o que deixa os cidadãos à mercê
de campanhas difamatórias que desconstroem até as biografias mais robustas, sem
que a vítima tenha meios para se defender.
Para o procurador, o problema é
superdimensionado nas redes sociais, em uma internet que, sem regulação de
nenhuma espécie, favorece a transmissão de discursos de ódio, boatos e notícias
falsas sem que os responsáveis tenham que pagar por seus erros. “Se temos um
olhar que desumaniza o outro, seremos porta-vozes do discurso de ódio”,
esclarece.
O procurador acredita que a
associação errônea feita entre regulação e censura criou um ambiente hostil que
hoje, mergulha o país em uma crise ética, muito mais grave do que a econômica
ou a política. “Que país estamos construindo e onde vamos parar sem nenhum
controle da mídia? Em nome da liberdade de expressão, estamos caminhando para o
desastre”, concluiu.
A coordenadora do Fórum Nacional
pela Democratização da Comunicação (FNDC), Rosane Bertoldi, criticou duramente
a ausência do ministro Berzoini que, segundo ela, tem sido regra em todos os
eventos promovidos pelos movimentos sociais que defendem a democratização da
comunicação, embora ele não perca os encontros com os representantes das
grandes emissoras.
Na esteira do discurso do
procurador da República, ela lembrou que a tão propagada liberdade de expressão
no Brasil só favorece um lado. “Nunca houve tanta liberdade de expressão, mas
uma liberdade de expressão que ataca direitos, que criminaliza orientação
sexual, cor, raça e até a liberdade de participar de organizações políticas”,
criticou.
A militante criticou também o papel
da justiça que permite, por exemplo, a manutenção da página do Facebook que
incita o assassinato do ex-presidente Lula, mas condena à indenizações
milionárias os chamados “blogs sujos”, que publicam denúncias contrárias aos
interesses dos poderosos de plantão. “Você só tem liberdade de expressão se ela
for regulada. Se não, é a liberdade do mais forte”, afirmou.
Presidente da Frente Parlamentar
pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação com Participação Popular, a
deputada Luíza Erundina (PSB-SP), que têm dedicado seus mandatos à luta pela
democratização da comunicação, disse que só a conscientização da população
acerca da importância deste debate pode frear o poder que os monopólios detém
hoje no país. Segundo ela, a maioria da população não entende o acesso à
informação de qualidade e a liberdade de expressão como direitos.
A parlamentar lembrou que a luta
pelo controle da mídia é tão grande que no Conselho de Comunicação do Senado,
um órgão meramente consultivo, as vagas destinadas a sociedade civil estão
sendo ocupadas por ministros. E por decisão tomada em sessão sem o quórum
mínimo necessário para deliberação. “Já é um órgão mitigado em suas
prerrogativas e, ainda assim, roubam o espaço da sociedade civil”, denunciou.
Convidado especial da noite, o
relator especial para liberdade de expressão da Organização dos Estados
Americanos (OEA), Edison Lanza, traçou um panorama de como o tema da regulação
da mídia vem sendo enfrentado na América Latina. De acordo com ele, apesar dos
avanços verificados após o fim das ditaduras que assolaram o continente, ainda
são muitos os problemas verificados.
Em uma defesa latente da
liberdade de expressão como valor inerente à democracia, o relator criticou o
papel dos oligopólios e monopólios privados que mantem a concentração da mídia
na América Latina. “Os monopólios e oligopólios de comunicação atentam contra a
democracia e a liberdade de expressão”, afirmou.
O ministro Ricardo Berzoini só
informou que não participaria do eveno dez minutos antes do seu início. Segundo
a assessoria dele, Berzoini foi convocado para jantar com a presidenta Dilma
Rousseff no Palácio da Alvorada.
O seminário internacional
“Regulação da Mídia e Liberdade de Expressão” foi uma iniciativa do Coletivo
Intervozes, em parceria com o Centro de Informação da ONU para o Brasil e a
Universidade de Brasília, com o apoio do Fórum Nacional pela Democratizatização
da Comunicação (FNDC) e da Fundação Ford.
Créditos da foto: Reprodução
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