Nas costas de Turquia e da África
estão mais centenas de milhares, talvez milhões de humilhados que em algum
momento tentarão cruzar as águas.
Guadi Calvo* - ALAI / www.cartamaior.com.br
Um fantasma ronda a Europa: o
fantasma da imigração, da imigração desesperada, já não só dos famintos mas
também dos milhares e milhares de pessoas que fogem das guerras que os próprios
interesses europeus, juntos aos dos seus sócios estadunidenses, decidiram
organizar, estimular, financiar e manter vigente nessas nações.
Um fantasma criado a partir do
som da cobiça dos grandes bancos, as grandes holding, dos que exploraram a
África desde o princípio dos tempos, o Oriente Médio e a Ásia Central desde que
descobriram que nas entranhas dessas nações se encontravam oceanos de petróleo.
Se não houvesse tantas vidas em
jogo, tantas vidas que tiveram que abandonar tudo para sobreviver, fugindo do
Estado Islâmico, da al-Qaeda ou dos Talibãs, poderia valer a ironia de que os
imigrantes vão à Europa por outra coisa, pelas grandes fortunas que foram
levadas dos seus países ao longo da história, mas não são tempos para ironias,
nem sentenças moralistas.
Já observamos como as primaveras
árabes se afogam no Mediterrâneo, como a migração que parte das costas
africanas, especialmente de Misrata (Líbia), até a ilha de Lampedusa e outras
adjacências do sul da Itália, através de miseráveis embarcações repletas,
saturadas, excessivamente carregadas de líbios, sudaneses, eritreus,
somalianos, etíopes, malienses, deixando para trás uma geografia incendiada por
guerras de todo tipo.
Numa economia devastada, os
africanos do Saara e do Sahel não contam com outra possibilidade de trabalho
que não a de se incorporar a um dos tantos bandos de salafistas, que operam em
seus países. Ali, não só terão que arriscar suas vidas todos os dias, mas
também serão obrigados a realizar degradantes atos de tortura aos prisioneiros
em nome de um Deus ao qual, sem nenhuma dúvida seus chefes não respeitam.
Porém, agora o mundo está
começando a descobrir outras das portas pelas quais os desamparados do Oriente
Médio e da Ásia Central estão tentando entrar na Europa.
Somente durante este ano chegaram
340 mil imigrantes e refugiados, segundo a ACNUR (Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Refugiados), a metade deles através das costas africanas, a
outra metade entrou pela Grécia.
A outra porta
A crise migratória que a Grécia
vive aprofunda ainda mais suas crises econômica e política, fazendo colapsar
todas as instituições de ambas as áreas.
Em pleno verão, enquanto os
gregos tentam tirar vantagens da única indústria que funciona em seu país: o
turismo. Se tornou comum ver como os turistas europeus que descansam nas ilhas
do Mar Egeu, como Cós, Lesbos, Quios ou Samos, presenciam a chegada das lanchas
carregadas de imigrantes, 64% deles sírios, 20% afegãos e o resto divididos
entre iraquianos a bangladeshianos e outros.
Os imigrantes, após meses de
atravessar diferentes rotas, alcançam o porto turco de Bodrum, e podem, pagando
entre 1000 e 1500 euros, abordar uma lancha preparada para trasportar 30
pessoas, mas que chega a levar até 65, durante os 4 quilômetros até alguma das
ilhas gregas do arquipélago do Dodecanésio.
Normalmente, essas lanchas podem
realizar entre quatro e cinco viagens por dia, o que torna negócio muito
lucrativo.
Dependendo do lugar de origem
desses imigrantes (especialmente sírios e afegãos), essa chegada já significou
o pagamento de um valor entre 2 e 10 mil euros às máfias, para chegar à
Turquia, em travessias, que podem durar de uma semana a três meses, cruzando
distâncias de até 6 mil quilômetros.
Segundo dados da Frontex (Agência
Europeia para a gestão de cooperação operativa nas fronteiras exteriores), a
agora chamada “Rota do Mediterrâneo Oriental” registrou, entre janeiro e junho
deste ano, 79.286 pessoas, 12 mil a mais que as registradas no mesmo período
entre a Líbia e a Itália. Segundo a mesma agência, entraram na Europa cerca de
340 mil imigrantes nos sete primeiros meses deste ano. Só no mês de julho,
foram registrados mais imigrantes que em todo o ano de 2013.
A Grécia já se declarou incapaz
de se encarregar do desafio de conter esse fluxo, e por isso está tentando
criar um processo de identificação mais rápido, para que os imigrantes, já em
terra, possam seguir seu caminho por Macedônia e Sérvia, para chegar à Hungria,
onde poderão iniciar os trâmites para conseguir o status de refugiado na
Comunidade Europeia.
A imigração marítima da Turquia
até a Grécia se intensificou nesses últimos anos, após a construção de uma
cerca que separa as fronteiras terrestres de ambos os países, de
aproximadamente 206 quilômetros. No maior trecho, ao longo do rio Evros, restam
apenas 12,5 quilômetros de terra firme por onde os imigrantes ilegais
conseguiam cruzar com alguma facilidade, mediante subornos. O alambrado, de
três metros de altura, protegido com câmeras térmicas e sensores de movimento,
além das patrulhas de segurança, passou a ser um obstáculo importante para os
imigrantes que optaram por percorrer o último trecho por via marítima.
Em julho passado, chegaram à
Grécia cerca de 50 mil pessoas, o que representa um aumento de 750% em
comparação ao mesmo mês de 2014. Em algumas das ilhas os imigrantes precisam
obter um certificado de permanência temporária, para seguir viagem a Atenas.
As autoridades gregas não estão
em condições de abastecer os requerimentos de milhares de recém chegados, razão
pela qual facilitam a continuidade do seu caminho rumo ao norte, passando o
problema para a Macedônia e a Sérvia.
Há várias semanas, os parques
atenienses, como o Pedion Tou Areos – no caso dos afegãos – e a Praça Omonoia –
no caso dos sírios – vem sendo ocupadas por famílias de que tentam conseguir o
salvo-conduto para resolver a continuidade da sua viagem. Na maioria dos casos,
o objetivo é chegar até a Macedônia, e embarcar num trem, na estação de
Gevgelija, que os levará até a fronteira com a Sérvia, por onde passam
atualmente umas 2 mil pessoas por dia.
As autoridades macedônias, assim
como as gregas, entregam vistos de três dias, para que sigam seu caminho em
direção à Alemanha – em muitos casos – ou à França, inclusive à Grã-Bretanha.
Em Calais, na França, bem na entrada do túnel que conecta a Inglaterra com o
continente, centenas de imigrantes arriscam a vida, tentando de qualquer modo
chegar às ilhas – mais de uma dúzia deles faleceram, atropelados por caminhões
ou em outros tipos de acidentes.
Por sua parte, a Hungria, outro
dos países usuais dessa rota intermediária para esses imigrantes – mais de mil
deles tentam cruzar a fronteira todos os dias –, construiu uma cerca de arame
farpado. Nessa altura da viagem, já não há somente sírios, afegãos e
iraquianos. Uma importante quantidade de kosovares iniciam por ali sua própria
diáspora.
Em 2014, para equilibrar um pouco
essa balança, os países europeus expulsaram 252 mil pessoas, na sua maioria
residentes ilegais, mas não recém chegados.
O novo fantasma que ronda a
Europa chegou para ficar. Nas costas de Turquia e da África estão mais centenas
de milhares, talvez milhões de humilhados e ofendidos, que em algum momento
tentarão cruzar as águas, enquanto a Europa parece jogar roleta russa com todas
as balas no tambor.
*Guadi Calvo é escritor e
jornalista argentino. Analista Internacional especializado na África, Oriente
Médio e Ásia Central. Em Facebook:
https://www.facebook.com/lineainternacionalGC. Colabora com a “Revista
Hamartia”, Rebelión: http://www.rebelion.org/, “El Correo de la Diáspora
Argentina”: http://www.elcorreo.eu.org, “América Latina en Movimiento”:
http://www.alainet.org/
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: EBC
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