A dinâmica dominante do
financismo desequilibra o planeta e os Estados viraram a grande 'mama' deste
grupo de gigantes financeiros.
Ladislau Dowbor / www.cartamaior.com.br
François Morin, ex-conselheiro da
Banque de France, autor de uma dezena de livros sobre a organização dos sistema
financeiros, entende realmente do assunto. E escreveu agora um pequeno livro
que é uma pérola, em termos de descrição de como funciona o oligopólio dos 28
gigantes financeiros do planeta. Extremamente claro e didático, com tabelas
simples, explicita os mecanismos de poder que os grupos representam. E que
poder!
“Atores que adquiriram dimensão
mundial, estes bancos se transformaram nos anos 1990 em oligopólio em razão das
posições dominantes que ocupavam nos maiores mercados monetários e financeiros.
Este oligopólio se transformou por sua vez em ‘oligopólio sistêmico’ quando, a
partir de 2005, os bancos que o constituem abusaram das suas posições
dominantes, multiplicando acordos fraudulentos. Como se surpreender, nestas
condições, que face a este oligopólio sistêmico, tão novo e tão poderoso, os
Estados se tenham visto ultrapassados, ou até se tenham tornado
reféns?”.(115) Já suspeitávamos? Sem
dúvida, mas agora temos o detalhe da engrenagem, e vai crescendo por toda parte
a indignação com o sistema, que ao mesmo tempo gera a instabilidde e dela se
nutre.
Na análise estão todos: JPMorgan
Chase, Bank of America, Citigroup, HSBC, Deutsche Bank, Santander, Goldman
Sachs e outros, com um balanço de mais de 50 trilhões de dólares em 2012,
quando o PIB mundial é de 73 trilhões. A relação com os Estados é
particularmente interessante, pois a dívida pública mundial, de 49 trilhões,
está no mesmo nível que o balanço dos 28 bancos. Os Estados viraram a grande
“mama” deste grupo de gigantes financeiros. (36) “Face aos Estados fragilizados
pelo endividamento, o poder dos grandes atores bancários privados parece
escandaloso, em particular se pensarmos que estes últimos estão, no essencial, na
origem da crise financeira, logo de uma boa parte do excessivo endividamento
atual dos Estados”.(35, ver tabela 16)
A China aparece com o Bank of
China, mas no conjunto a quase totalidade é de bancos ocidentais, com forte
dominância americana, e muita presença dos principais países europeus. Este
oligopólio sistêmico, como o chama Morin, é portanto um instrumento de poder do
Ocidente. Os 28 controlam igualmente os chamados derivativos, essencialmente
especulação com variações de mercados futuros: o volume atingido em 2012 é de
720 trilhões de dólares, 10 vezes o PIB mundial. Se pensarmos que tantos países
aceitaram reduzir os investimentos públicos e as políticas sociais, inclusive o
Brasil, para satisfazer este pequeno mundo financeiro, não há como não ver a
dimensão política que sistema assumiu.
Um aporte particularmente forte
do livro é a análise de como este grupo de bancos vai se dotando, a partir de
1995, de instrumentos de articulação, a GFMA (Global Financial Markets
Association), o IIF (Institute of International Finance), a ISDA (International
Swaps and Derivatives Association), a AFME (Association for Financial Markets
in Europe) e o CLS Bank (Continuous Linked Settlement System Bank). Morin
apresenta em tabelas como os maiores bancos se distribuem nestas instituições.
O IIF, por exemplo, “verdadeira cabeça pensante da finança globalizada e dos
maiores bancos internacionais”, é um poder político assumido: “O presidente do
IIF tem um status oficial, reconhecido, que o habilita a falar em nome dos
grandes bancos. Poderíamos dizer que o IIF é o parlamento dos bancos, seu
presidente tem quase o papel de chefe de estado. Ele faz parte dos grandes
tomadores de decisão mundiais”. (61)
O livro ajuda muito a entender o
sistema de poder que está por trás de um conjunto de deformações mundiais, que
se materializam nas sucessivas crises, inclusive a crise de 2008 que ainda
perdura, e facilita as nossas análises sobre os ataques especulativos recentes
na Argentina, na Grécia ou Brasil. Assim
Morin complementa de forma muito rica um conjunto de estudos que surgiram
ultimamente, resultado indireto da crise de 2008, e que nos permitem
gradualmente entender a arquitetura e engrenagens de poder que criam o presente
caos financeiro planetário.
Nos últimos anos tivemos a
primeira pesquisa de fundo sobre a rede mundial de controle corporativo, pelo
Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica, que identificou os 147 grupos
que controlam 40% do sistema corporativo mundial, sendo 75% deles bancos. Temos
hoje uma visão mais clara sobre os traders, 16 grupos que controlam a quase
totalidade do comércio de commodities no planeta, a quase totalidade sediados
na Suíça, e responsáveis pelas dramáticas quedas recentes de preços. O Tax
Justice Network, o ICIJ (consórcio mundial de jornalismo investigativo) e o
próprio Economist pela primeira vez jogam um pouco de luz sobre os paraísos
fiscais e as transferências internacionais ilícitas ou ilegais, identificando
por exemplo cerca de 520 bilhões de dólares de fonte brasileira (cerca de 28%
do PIB) e os mais de 20 trilhões em nível mundial. O Global Financial Integrity
nos traz os dados sobre as fraudes internacionais em notas fiscais
(misinvoicing, ou mispricing), que custam ao Brasil cerca de 2% do seu PIB a
cada ano, e cerca de 60 bilhões de dólares anuais na África.
O Crédit Suisse, que entende tudo
de fortunas pois ajuda a administrá-las, chocou o planeta com estes números
simples: 85 famílias têm um patrimônio igual ao da metade mais pobre da
população mundial, resultado direto dos mecanismos financeiros. Se nos tempos
de Marx a mais-valia se extraía empresa por empresa, hoje esta mais valia se
extrai por meio de mecanismos globais, acima inclusive do poder regulador dos
Estados. Com estes e outros estudos,
gradualmente está se levantando o véu sobre o gigante descontrolado que nos
controla.
Numeroso estudos teóricos, em
particular de François Chesnais, já tinham delineado a dinâmica, e o trabalho
do Piketty delineou o histórico e as consequências globais com ênfase nos
países desenvolvidos. Nesta nova geração de estudos, chegamos cada vez mais
perto de entender não a teoria geral da financeirização, mas sim as engrenagens
do seu funcionamento, com nomes e valores.
Como se trata, e de longe, da dinâmica dominante que desequilibra o
planeta, vale a pena se debruçar. Muitas coisas se tornam claras. Melhor do que
usar o fígado, o ódio e as panelas, é entender realmente os mecanismos da crise
que enfrentamos.
Créditos da foto: reprodução
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