MAURO SANTAYANNA // http://www.brasil247.com/
O Ministro Teori Zavascki retirou da Operação
Lava-Jato a investigação de questões relativas à Eletronuclear.
O fez porque o caso envolve o senador Edson Lobão,
que tem foro privilegiado.
Mas poderia tê-lo feito também devido a outros
motivos. A Eletronuclear não possui instalações no Paraná, nem vínculos com a
Petrobras, e não se sustenta a tese, que quer dar a entender o Juiz Sérgio
Moro, de que tudo, das investigações sobre o Ministério do Planejamento,
relacionadas com a Ministra Gleise Hoffman, à Eletronuclear, Petrobras,
hidrelétricas em construção na Amazônia, projetos da área de defesa, da
indústria naval, e qualquer coisa que envolva a participação das maiores
empresas do país em projetos e programas estratégicos para o desenvolvimento
nacional, "é a mesma coisa" e culpa de uma "mesma organização
criminosa", estabelecida, há alguns anos, com o deliberado intuito de
tomar de assalto o país.
Pode-se tentar impingir esse tipo de fantasia
conspiratória, reduzindo a oitava maior economia do mundo - que em 2002 não
passava da décima-quarta posição - a um mero bordel de esquina invadido por uma
maquiavélica e nefasta quadrilha de assaltantes, quando esse discurso se dirige
para a minoria conservadora, golpista, manipulada e desinformada que pulula nos
portais mais conservadores da internet brasileira e dá um trocado para a
faxineira bater panela na varanda do apartamento, quando começa a doer-lhe a
mão.
Mas essa tese não "cola" para qualquer
pessoa que tenha um mínimo de informação de como funciona, infelizmente, o
país, e sobre o que ocorreu com esta Nação nos últimos 20 anos.
Operação caracteristicamente midiática, alimentada
a golpe de factoides, da pressão sobre empresas e empresários - até mesmo por
meio de prisões desnecessárias, e, eventualmente, arbitrárias - e de duvidosas
delações premiadas, a Lava-Jato, se não for rigorosamente enquadrada pelos
limites da lei, se estabelecerá como uma nova República do Galeão, de Curitiba,
ou de Salém.
Uma espécie de Quinto Poder, acima e além dos
poderes basilares da República, com jurisdição sobre todos os segmentos da
política, da economia e da sociedade brasileira, com um braço doutrinário
voltado para obter a alteração da legislação, mormente no que diz respeito ao
enfraquecimento das prerrogativas
constitucionais, entre elas a da prisão legal, da presunção de
inocência, da apresentação de provas,
que precisa produzir, para uma parcela da mídia claramente seletiva e
partidária, sempre uma nova "fase" - já lá se vão 19 - uma nova
acusação, uma nova delação, para que continue a se manter em evidência e em
funcionamento.
Tudo isso, para que não se perceba com clareza sua
fragilidade jurídico-institucional, exposta na contradição entre a suposta existência
de um escândalo gigantesco de centenas de bilhões de reais, como alardeado, na
imprensa e na internet, aos quatro ventos, que se estenderia por todos os
meandros do estado brasileiro, em contraposição da franca indigência de provas
robustas e incontestáveis, reunidas até agora, e do dinheiro efetivamente
recuperado, que não chega a três bilhões de reais - pouco mais do que o
exigido, em devolução pela justiça, apenas no caso do metrô e dos trens da
CPTM, de São Paulo.
Uma coisa é provar que dinheiro foi roubado, nas estratosféricas proporções
cochichadas a jornalistas - ou aventadas
em declarações do tipo "pode chegar" a tantos bilhões - dizendo em
que contrato houve desvio, localizando os recursos em determinada conta ou residência, mostrando
com imagens de câmeras, ou registros de hotel, e listas de passageiros, que
houve tal encontro entre corruptor e corrompido.
Outra, muito diferente, é, para justificar a
ausência de corrupção nas proporções anunciadas todo o tempo, estabelecer
aleatoriamente prejuízos "morais" de bilhões e bilhões de reais e
nessa mesma proporção, multas punitivas, para dar satisfação à sociedade,
enquanto, nesse processo, que se arrasta há meses, caminhando para o
segundo aniversário, se arrebenta com
vastos setores da economia, interrompendo, destruindo, inviabilizando e
transformando, aí, sim, em indiscutível prejuízo, centenas de bilhões de reais
em programas e projetos estratégicos para o desenvolvimento e a própria defesa nacional.
Insustentável, juridicamente, a longo prazo, e
superestimada em sua importância e resultados, a Operação Lava-Jato é perversa,
para a Nação, porque se baseia em certas premissas que não possuem nenhuma
sustentação na realidade.
A primeira, e a mais grave delas, é a que
estabelece e defende, indiretamente, como sagrado pressuposto, que todo delator
estaria falando a verdade.
Alega-se que os réus "premiados", depois
de assinados os acordos, não se arriscariam a quebrar sua palavra com a Justiça.
Ora, está aí o caso do Sr. Alberto Youssef, já
praticamente indultado pelo mesmo juiz Moro no Caso do Banestado, da ordem de
60 bilhões de reais, para provar que o delator premiado não apenas pode falar o
que convêm, acusando uns e livrando a cara de outros, como continuar
delinquindo descaradamente - por não ter sido impedido de seguir nos mesmos
crimes e atividades pela Justiça - até o ponto de, estranhamente, fazer jus a
nova "delação premiada" mesmo tendo feito de palhaços a maioria dos
brasileiros.
A segunda é a de se tentar induzir a sociedade -
como faz o TCU no caso das "pedaladas fiscais", que vêm desde os
tempos da conta única do Banco do Brasil - a acreditar que toda doação de
campanha, quando se trata do PT, seria automaticamente oriunda de pagamento de
propina de corrupção ao partido, e que, quando se trata de legendas de oposição
- mesmo que ocupem governos que possuem contratos e obras com as mesmíssimas
empresas da Lava-Jato - tratar-se-ia de doações
honestas, impolutas e desinteressadas.
Corrupção é corrupção. E doação de campanha é
doação de campanha. Até porque as maiores empresas e bancos do país, que
financiam gregos e troianos, o fazem por um motivo simples: como ainda não
possuem tecnologia para construir uma máquina do tempo, nem para ler bolas de
cristal, elas não têm como adivinhar,
antes da contagem dos votos, quem serão os partidos vitoriosos ou os candidatos
eleitos em cada pleito.
Se existe suspeição de relação de causa e efeito
entre financiamento de campanha e conquista de contratos, simples.
Em um extremo, regulamente-se o "lobby",
com fiscalização, como existe nos Estados Unidos, ou, no outro, proíba-se
definitivamente o financiamento empresarial de campanha por empresas privadas,
como está defendendo o governo, e não querem aceitar os seus adversários.
O que não podem esperar, aqueles que escolheram,
como tática, a criminalização da política, é que a abertura da Caixa de
Pandora, ao menos institucionalmente, viesse a atingir apenas algumas legendas,
ou determinados personagens, em suas consequências, como é o caso do
financiamento privado de campanha.
Vendida, por outro lado, como sendo, supostamente, uma ação
emblemática, um divisor de águas no sentido da impunidade e de se mandar um
recado à sociedade de que o crime não compensa, a justiça produzida no âmbito
da Operação Lava-Jato está, em seus resultados, fazendo exatamente o contrário.
Quem for analisar a última batelada de condenações,
verá que, enquanto os delatores "premiados", descobertos com contas
de dezenas de milhões de dólares no exterior, com as quais se locupletavam
nababescamente, gastando à tripa forra,
são liberados até mesmo de prisão
domiciliar e vão ficar soltos, nos próximos anos, sem dormir nem um dia na
cadeia, funcionários de partido que "receberam", em função de ocupar
o cargo de tesoureiro, doações
absolutamente legais do ponto de vista jurídico, terão de passar bem mais que
uma década presos em regime fechado,
mesmo que nunca tenham apresentado nenhum sinal de enriquecimento ilícito.
Com isso, bandidos contumazes, já beneficiados, no
passado, pelo mesmo juiz, com acordos de delação premiada, que quebraram, ao
voltar a delinquir, seus acordos feitos anteriormente com a Justiça, ou que extorquiram empresas e roubaram a
Petrobras, vão para o regime aberto ou semi-aberto durante dois ou três anos,
para salvar as aparências, enquanto milhares de trabalhadores estão indo para o
olho da rua, também porque essas mesmas empresas - no lugar de ter apenas seus
eventuais culpados condenados - estão, como negócio, sendo perseguidas e
ameaçadas com multas bilionárias, que extrapolam em muitas vezes os supostos
prejuízos efetivamente comprovados até agora.
A mera ameaça dessas multas, com base nos mais
variáveis pretextos, pairando, no contexto midiático, como uma Espada de
Dámocles, antes da conclusão das
investigações, tem bastado para que a situação creditícia e institucional
dessas companhias seja arrebentada nos mercados, e projetos sejam
interrompidos, em um efeito cascata que se espalha por centenas de médios e
pequenos fornecedores, promovendo um quase que definitivo, e cada vez mais
irrecuperável desmonte da engenharia nacional, nas áreas de petróleo e gás,
infraestrutura, indústria naval, indústria bélica, e de energia.
O Juiz Moro anda reclamando publicamente, assim
como o Procurador Dallagnol - até mesmo no exterior - do "fatiamento"
da Operação Lava-Jato.
Ora, não se pode criar uma fatia a partir de algo
que não pertence ao bolo.
Inquéritos não podem ser abertos por determinada
autoridade, se não pertencem à jurisdição dessa autoridade.
Continuar produzindo-os, sabendo-se que
eventualmente serão requeridos ou redistribuídos pelo Supremo, faz com que
pareçam estar sendo criados apenas com o intuito de servirem, ao serem
eventualmente retirados do escopo da Lava-Jato, de "prova" da
existência de uma suposta campanha, por parte do STF, destinada a dar fim ou a
sabotar, aos olhos da opinião pública, o "trabalho" do Juiz Sérgio
Moro e o de uma "operação" que se quer cada vez mais onipresente e permanente nas
manchetes e na vida nacional.
Ao reclamar do suposto "fatiamento"
da Operação Lava-Jato, com a desculpa de
eventual prejuízo das investigações, o Juiz Sérgio Moro parece estar tentando,
da condição de "pop star" a que foi alçado por parte da mídia, constranger e pressionar, temerariamente, o
Supremo Tribunal Federal - já existe provocador falando, na internet, em
resolver o "problema" do STF "a bala" - valendo-se da
torcida e do apoio da parcela menos informada e mais manipulada da opinião
pública brasileira.
Com a agravante de colocar em dúvida, aos olhos da
população em geral, o caráter, imparcialidade e competência de seus pares de
outras esferas e regiões, como se ele,
Sérgio Fernando Moro, tivesse surgido ontem nesta dimensão, de um puro raio de
luz vindo do espaço, sem nenhuma ligação anterior com a realidade brasileira,
para ser o líder inconteste de uma
Cruzada Moral e Reformadora Nacional - o único magistrado supostamente
honesto, incorruptível e comprometido
com o combate ao crime desta República.
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