Em Portugal estamos vivendo um período político
difícil mas desafiador. Com otimismo moderado afirmo: janelas de esperança se
abriram.
Manuel Carvalho da Silva - Alternativas, El País //
www.cartamaior.com.br
Os resultados das eleições do passado dia 4 de
outubro criaram em Portugal um quadro político significativamente diferente
daquele que o país viveu nos últimos 4 anos e meio. É já claro que surgirão
pressões novas/ mudanças no sistema político-partidário e/ou suas práticas.
Entretanto, Passos Coelho e seus pares, bem como o Presidente da República (PR)
procuram dar a aparência de que mantêm o mesmo poder.
Primeiro, a coligação de direita, formada por PSD e
CDS teve uma grande derrota: mais de 700 000 votos perdidos face aos resultados
que havia obtido em 2011, caindo 12 pontos percentuais (de 50,4% para 38,5%) e
ficando agora com menos 28 deputados. A direita não pode governar sozinha.
Precisa de apoios para fazer aprovar o seu programa de governo e o Orçamento do
Estado, pode nem sequer formar governo, ou sustentar um governo de duração
limitada.
É um fato inquestionável que existia na sociedade
portuguesa, há poucos meses atrás, a perspectiva de que esta coligação de
direita no governo teria uma derrota ainda maior e havia também um certo
consenso (expresso em pesquisas e na opinião pública dominante) quanto à
possibilidade de o PS ser a força política mais votada e com significativa
diferença. Entretanto, com o aproximar do dia das eleições, as pesquisas e o
ambiente da campanha eleitoral foram progressivamente mostrando que a direita
não teria a perda inicialmente prevista e o fato de aquele cenário,
verdadeiramente possível, não ter sido atingido, propiciou no plano nacional e
no plano europeu, o surgimento de uma certa ideia de vitória das políticas de austeridade
e uma tentativa de relançamento da tese da sua eficácia na resolução dos
problemas com que os povos e os países como Portugal se debatem. Trata-se de
uma grande mentira que rapidamente ficará a nu.
Entre os inúmeros fatores que se podem enunciar
como justificação para as escolhas feitas pelos portugueses e portuguesas,
podem considerar-se: i) o PS enredou-se em contradições, desde logo
apresentando um programa eleitoral marcadamente técnico (com notas pontuais de
influência neoliberal) quando o combate era político. Daí resultou um debate
eleitoral em que no centro da discussão esteve muito mais o programa do PS do
que o balanço dos 4 anos e meio de governação da direita e das propostas que
esta tinha ou não para o futuro. Na parte final, os dirigentes do PS
acreditaram que o PS podia resolver o problema apresentando-se como o saco do
voto útil, esquecendo que a social-democracia há muito surge aos olhos dos
cidadãos sem programa capaz de gerar alternativas sérias e que muitos cidadãos,
apesar de gostarem muito da Europa como projeto comum, começam a apostar em
propostas políticas que afrontem as regras europeias; ii) a emigração de
centenas de milhares de portugueses (aproximadamente 500 000) nos últimos anos
levou para fora do país ativistas jovens, facto que enfraqueceu bases e
capacidades de mobilização à esquerda; iii) uma parte do descontentamento das
pessoas – que andam a fugir da vida porque esta é muito dura – refugia-se na
abstenção perante a inexistência de alternativas que interpretem os seus
dramas; iv) os discursos e intervenção do PR, sempre numa perspectiva de
subjugação do país perante os poderes dominantes na União Europeia (UE) e/ou
posições dos mercados, bem como o seu combate a políticas alternativas tiveram,
ao longo dos anos, um efeito desmobilizador no comportamento dos portugueses e
de favorecimento da direita; v) a ideia de que no espaço da UE e da zona euro
será muito difícil fazer vingar políticas alternativas foi muito reforçada com
o processo político grego e com a avalanche de pronunciamentos de dirigentes e
tecnocratas da UE. Sem dúvida que isto intimida e estes medos não serão
ultrapassados sem que à esquerda se desenvolvam respostas mais sólidas, o que
ainda não aconteceu no processo eleitoral.
Segundo, o PS embora não tenha atingido os
objetivos eleitorais a que necessariamente se propunha, conseguiu aumentar a
sua votação em mais de 180 000 votos, subiu (em comparação com os resultados
obtidos em 2011) mais de 4 pontos percentuais e terá no novo Parlamento mais 11
deputados do que os que tinha até aqui. Está objetivamente no seio de um enorme
sarilho, debaixo de fortes pressões da direita, do Presidente da República que
atua com todo o descaramento para favorecer a direita e, por certo, sofrendo
também fortes pressões dos poderes dominantes na UE e dos “mercados”. Tudo
farão para o tornar prisioneiro da direita e uma parte significativa de
“quadros” do PS, há muito que vendeu a alma ao diabo. Por outro lado, como
refiro a seguir, aumentou significativamente a pressão à sua esquerda. Contudo,
o PS “entalado” e obrigado a gerir cenários complexos estará, ao mesmo tempo,
no centro de todo o processo político e à partida continua com condições para
fazer melhor do que tem feito.
Terceiro, as forças à esquerda do PS reforçaram-se.
O BE passou de 5,2% para 10,2%, a que correspondeu uma votação de quase 550 000
votos e a eleição de 19 deputados (antes tinha 8). O PCP ficou com 8,3% do
global de votos (antes tinha 7,9%) elegendo 17 deputados, e obtendo mais de 450
000 votos. Se a estes dois partidos juntarmos a votação de alguns outros
pequenos que não elegeram ninguém, temos uma representação eleitoral à esquerda
do PS, bem superior a 20% do eleitorado.
Além disso quer o BE, quer o PCP avançaram com a afirmação
de posições políticas novas no sentido de poderem trabalhar compromissos com o
PS com vista a gerar-se uma “maioria de esquerda” para viabilizar um governo. E
têm sido comedidos nas exigências que fazem. Qual a sinceridade e os objetivos
táticos e estratégicos destas posições, qual a capacidade e disponibilidade do
PS para as gerir e potenciar, são interrogações que hão de ter clarificação nos
próximos tempos; mas é inquestionável que estes novos dados vão influenciar
relações de forças – estão já a desencadear o surgimento de novas confluências,
mas também contradições nos posicionamentos das esquerdas – e ter impactos em
todo o quadro político-partidário existente e no futuro político do país.
Quarto, com estes resultados a Assembleia da República
vai ter lugar de relevo como já não tinha há muitos anos. Perspectiva-se mais
debate e conflito de posições, que obrigará ao desenvolvimento de propostas com
mais qualidade e fundamentação, necessidade de mais negociação e de criação de
compromissos novos. Para a democracia portuguesa será bom que o Parlamento
desempenhe esse papel. As grandes mudanças não se fazem sem práticas novas e,
além disso, todos os deputados (e as forças políticas representadas) têm
responsabilidade igual nos seus mandatos.
Dois outros aspetos importa realçar: primeiro, o
PR, que atabalhoadamente e de forma inqualificável apressou-se a entregar a
Passos Coelho a tarefa de encetar diligências com vista à observação de
condições para formar governo, mesmo antes de falar com todos os partidos e de
estar feita a contagem dos votos dos emigrantes e identificando ele próprio
condicionalismos que pretendem afastar o BE e o PCP da participação ou apoio a
um governo de esquerda; não vai desarmar nas suas intenções, mas está já com os
poderes de intervenção diminuídos pois em finais de janeiro ou fevereiro já
está eleito um novo PR. Figuras da direita já berram contra a hipótese de
entendimentos fortes à esquerda. Estão tão habituados a agir para uma sociedade
que instituiu que uma parte dos cidadãos são excluídos, que também querem
instituir a impossibilidade de forças de esquerda poderem governar.
Segundo, ao contrário do que pregam “orgulhosos”
certos políticos europeus, os portugueses não sancionaram as políticas de
austeridade. É bom lembrar que a direita proclamou durante toda a campanha
eleitoral que “a crise e a austeridade” já passaram. Eles conquistaram votos a
partir do convencimento de que agora vai haver recuperação de direitos e de
condições de desenvolvimento.
Estou convencido que a sociedade portuguesa se
mobilizará para exigir essa recuperação, seja qual for o futuro governo.
Ninguém ignora o excesso do quadro cor-de-rosa com que a direita tentou pintar
a realidade do país, todos sabemos que são grandes os problemas económicos e
políticos que atingiram a UE e a situação internacional, mas acima de tudo só
cabeças loucas podem apresentar as políticas austeritárias como solução para um
futuro melhor.
Em Portugal estamos vivendo um período político
difícil mas desafiador. Com otimismo moderado afirmo: janelas de esperança se
abriram.
*Professor universitário, coordenador do
Observatório sobre Crises e Alternativas do Centro de Estudos Sociais da
Universidade de Coimbra. Ex-sindicalista.
Créditos da foto: reprodução
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