Para 'atender' 25% da população, o setor privado
gasta 52,5% de todos os recursos gastos com saúde no país, enquanto SUS atende
83% das pessoas.
Ricardo Rodrigues Teixeira* // www.cartamaior.com.br
Nova pesquisa DataFolha indica (publicada na Folha
de São Paulo do dia 13 deste mês), mais uma vez, a péssima avaliação da saúde
no país. Mas há aspectos importantes dessa pesquisa que, ao apresentar e
analisar os dados, o jornal Folha de São Paulo faz contorcionismos para
ocultar. Por exemplo, que a saúde privada é pior avaliada que o SUS. Vejamos.
Lendo os dados divulgados notamos que seis em cada
dez brasileiros (ou seja, 60%), acham a saúde péssima. Quando só se avalia
apenas o SUS, o numero cai para 54% de péssimo.
Quando se avalia a "saúde em geral”, 24% dá
nota zero; quando se avalia apenas o SUS, 18% dá nota zero.
A matéria evita comentar (mas pode ser lido nos
dados que disponibiliza) que 2% dá nota 10 para a "saúde em geral" e
3% dá nota 10 quando se avalia só o SUS.
E a diferença mais notável: 11% dá nota maior que 7
para a "saúde em geral" e 18% dá nota maior que 7 para o SUS.
Conclusão óbvia, cuidadosamente evitada pela Folha
na análise dos resultados: a saúde privada puxa significativamente a avaliação
da "saúde em geral" para baixo!
Mas, excetuando o esclarecimento no primeiro
parágrafo de que o levantamento envolve a rede pública e privada, no resto da
matéria a expressão "saúde privada" nem é mencionada. A comparação é
sempre entre a "saúde em geral" e o SUS. Afinal, o objetivo é sempre
o mesmo: associar a "péssima avaliação da saúde" ao nome SUS e
evitar, a todo custo, de associá-la ao setor privado, mesmo quando é ele que
mais contribui para a má avaliação da saúde no país.
Se fosse um jornalismo sério e honesto, lembraria
ainda o quanto o setor privado gasta para prestar um mal atendimento a 25% da
população (parcela aproximada da população brasileira que tem plano de saúde
privado e que gasta 52,5% de todos os recursos gastos com saúde no país,
segundo dados recentes da Organização Mundial de Saúde; ou ainda, cerca de R$
2.200 per capita) e o quanto o setor público tem de recursos para dar
atendimento a 83% da população (percentual que referiu ter utilizado o SUS
segundo dados deste levantamento do DataFolha) e garantir a saúde coletiva
através de medidas que beneficiam indistintamente toda a população (vacinas,
vigilância epidemiológica etc.) e, mesmo assim, conseguir ser melhor avaliado
(47,5% do total de recursos gastos com saúde no país ou aproximadamente R$
1.000 per capita).
Outro fato que se pode deduzir dos dados, e que
também não é destacado pela Folha, é que se 25% têm plano de saúde e 83%
utilizaram o SUS, então o SUS acaba sendo utilizado por muita gente que tem
plano de saúde. E aí, se fosse um jornalismo sério e honesto, ela também faria
questão de destacar o conhecido calote que os planos de saúde aplicam no SUS,
referente aos atendimentos de urgência e emergência, ao tratamento de câncer,
transplantes, hemodiálise, entre outros, que os planos negam cobertura e o SUS
acaba assumindo (apenas 25% dos valores devidos são ressarcidos ao Sistema
Único de Saúde, dessa parte 20% se perde com recursos da justiça, tramitação,
prescrição etc.).
Explicitar esses dados reais daria ainda maior
dramaticidade à melhor avaliação do SUS comparada à avaliação geral da saúde no
país. E nesse caso, a chamada mais justa para matéria seria: “SUS faz mais e
melhor com menos recursos que a saúde privada”.
Mas, aparentemente, este jornalismo não é sério nem
honesto. Ele não pode ser quando tem compromissos claros com os setores que
fazem da saúde um lucrativo ramo de negócios e não um bem público e um direito
universal.
Ricardo Rodrigues Teixeira é médico e professor do Departamento de Medicina
Preventiva da Faculdade de Medicina da USP
Créditos da foto: Cesar Brustolin/SMCS
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