Não é a primeira vez que grupos conservadores no
Brasil se mobilizam para impedir a existência de um partido de base popular.
Maria Rita Loureiro // www.cartamaior.com.br
Assistimos, hoje, ao processo sistemático e
concertado de criminalização dos dirigentes do PT e a desqualificação da
competência do governo de Dilma em conduzir as políticas econômicas. Procura-se, com isso, destruir o único
partido político de base popular que assumiu o poder nesse país e que ousou
realizar, mesmo de forma muito tímida, políticas de redução de suas seculares
desigualdades sociais.
Por que a deslegitimação política do PT representa
um traço estrutural na ordem social brasileira? Porque não é a primeira vez, e
muito provavelmente não será a ultima, que grupos conservadores no Brasil se
mobilizam para impedir a existência de um partido de base popular - não
tutelado e com vínculos orgânicos com a classe trabalhadora. Como Faoro já
mostrou, “o processo histórico brasileiro é recorrente e repetitivo, é uma
sucessão de retornos de formas e de tempos que não passam de recondicionamentos
de outros tempos”.
Vale relembrar alguns exemplos: o primeiro foi o
que levou à ilegalidade do Partido Comunista em 1948, em plena ordem
democrática, com base em argumentação jurídica bastante controversa, mas aceita
então pelo STF. Portanto, legitimada juridicamente. O mais significativo é que
isso ocorreu no Brasil enquanto outros países da América Latina, mesmo no
contexto da Guerra Fria, mantinham seus partidos comunistas legalizados.
O segundo exemplo se refere à própria ascensão
eleitoral de Vargas, em 1950. Mesmo seu trabalhismo autoritário era intolerável
para as classes dominantes. Vale citar uma declaração de Carlos Lacerda, em seu
jornal a Tribuna da Imprensa, lançando uma provocação histórica às Forças
Armadas, quando Getulio estava prestes a se tornar candidato à presidência da
república na sucessão de Dutra.
“O Sr. Getulio Vargas, senador, não deve ser
candidato. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse.
Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar” (Biografia
de Getulio, de Lira Neto, vol. 3 p.188).
Como Vargas, nos anos 50, o governo do PT hoje,
sessenta anos depois, também não pode governar. Essa memória nos ajuda a
compreender em grande parte a crise política atual.
Há ainda outro ponto comum nesses dois momentos
repetitivos da história brasileira: a elevação do salário mínimo, crucial no
processo de redução das desigualdades sociais: da mesma forma que agora, os
governos Lula e Dilma, elevaram sistematicamente o salário mínimo em termos
reais (ajudando inclusive a alimentar o
ódio contra o governo por parte da classe média, que quer ser “diferenciada”
dos pobres), é importante relembrar que a campanha de Lacerda “contra o chamado mar de lama que atinge o Palácio do
Catete” cresceu exatamente depois da elevação histórica de 100% do salário
mínimo pelo governo Vargas em 1º maio de 1954.
O que resultará desse processo de destruição do PT?
A despolitização da sociedade, a desqualificação da vida política, o retrocesso
da ordem democrática e das conquistas sociais trazidas pela Constituição de
1988 que começaram, ainda que timidamente, a serem efetivadas pelas políticas
sociais mais recentes. Pensem na frase que aparece nos discursos de certos
economistas: “A Constituição de 1988 não cabe no PIB brasileiro”.
Mais ainda, o que está em jogo nesse momento é a capitulação
mais completa do governo frente ao chamado “poder de fogo do mercado”. É o
retrocesso da política externa brasileira, orientada por iniciativas como o
banco dos BRICS e pela maior autonomia frente às potências hegemônicas e às
suas corporações internacionais. E a possível reversão do sistema de partilha
na exploração do pré-sal pela Petrobrás. É também o retrocesso na cooperação
política e econômica entre países e forças democráticas de esquerda na América
Latina.
Por fim, cabe alertar aos partidos de esquerda que
imaginam recolher no futuro os espólios do PT: os exemplos históricos aqui
trazidos permitem dizer que nada lhes garantem que eles também não serão
objeto, se alcançarem o poder, do mesmo processo de aniquilamento que o PT hoje
está sofrendo.
Socióloga e professora da área de Administração
Pública e Governo da FGV/SP
Créditos da foto: Paulo Pinto
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