por Silvio Caccia Bava // http://www.diplomatique.org.br/
Chegamos a uma situação na política brasileira em
que dois elementos definem a conjuntura: o diagnóstico da crise e a cobertura
da mídia, e a Câmara dos Deputados eleita em 2014.
O primeiro elemento é que os setores conservadores
conseguiram impor uma agenda de questões que pauta, inclusive, os movimentos do
governo e de sua base de sustentação política.
Segundo Francisco de Oliveira, “impor a agenda não
significa necessariamente ter êxito, ganhar a disputa; antes, significa criar
um campo específico dentro do qual o adversário é obrigado a se mover, isto é,
obriga o adversário a jogar com as linguagens, situações, instituições e
cultura inventadas, as quais se tornam, assim, a cultura dominante”.1
O diagnóstico da crise econômica, qualificada como
gravíssima nesse discurso hegemônico, foi denominado terrorismo por renomados
economistas, que criticam o ajuste e a agenda conservadora.2 Esse terrorismo é
o que justifica o ajuste, que alguns críticos dizem ser nem mesmo necessário. A
dose foi tão forte que chegou a assustar o próprio empresariado, levando, por
exemplo, Henrique Meirelles a desmentir recentemente a gravidade da crise,
anunciando que, uma vez resolvida a crise política, a economia se apruma
rapidamente.3
Com base nesse diagnóstico terrorista da crise, que
não tem a gravidade declarada, é que se propõem o Estado mínimo, a alta dos
juros da Selic, a venda de ativos da União, a abertura do capital da Caixa, da
Petrobras, o franqueamento do pré-sal para as multinacionais do petróleo etc.
Uma por uma, essas proposições poderiam ser rebatidas por meio de uma visão
desenvolvimentista, mas esses setores progressistas não encontram espaço na
mídia para o debate público. Vozes dissonantes, como a dos economistas que
fizeram a crítica ao ajuste, são combatidas ferozmente; seu discurso é
considerado pelos especialistas de plantão como irresponsável, incompetente,
fora da realidade. A agenda conservadora se impõe, não aceita o debate e busca
desqualificar seus opositores. E para isso o papel da mídia é central.
“A habilidade das elites e das classes médias altas
de dominar o mercado das ideias tem geralmente permitido a estes estratos
sociais definirem a percepção de toda a sociedade sobre a realidade política e
o leque realístico das possibilidades no campo social e político. Em nome do
‘interesse nacional’, a mídia vocaliza os interesses das corporações, das
instituições financeiras, e de outras elites do mundo dos negócios.”4 Como os
donos da mídia são também dessa elite, a simbiose é perfeita.
Na visão dessas elites, para garantir o
funcionamento de uma democracia que atenda às orientações do mercado, o povo
precisa ser mantido na ignorância, dominado por narrativas que se fundam em
ilusões nacionalistas e patrióticas, produzidas pelos “frios observadores” que
devem criar as ilusões necessárias e as supersimplificações que mobilizam as
emoções.5
Podemos entender então a razão de temas como
corrupção, incapacidade administrativa, dilapidação do patrimônio público e
crise econômica estarem dominando a agenda pública. São acusações genéricas que
poderiam servir para qualquer governo, seja ele do PT ou da oposição, mas
servem neste momento para estigmatizar o PT e o governo Dilma. O PSDB, o PMDB e
todos os demais partidos posam de virtuosos.
O segundo elemento é o enorme rebaixamento político
dos deputados federais eleitos no último pleito. Com 70% da Câmara dos
Deputados financiados em suas campanhas eleitorais por dez grandes grupos
econômicos, os parlamentares não se mobilizam pelo interesse público nem pelas
eventuais propostas de seus partidos políticos, mantendo-se fiéis aos
interesses de seus financiadores. E tratam de tirar o maior proveito pessoal de
sua condição de parlamentar, chantageando o governo com suas “pautas-bomba”,
que sabotam o ajuste. Por exemplo, será de R$ 9,9 bilhões o impacto fiscal do
conjunto das PECs (propostas de emenda constitucional) que vinculam a
remuneração de carreiras do Executivo ao salário de ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF). Esses parlamentares ainda têm três anos de mandato...
A imagem mais forte que caracteriza o comportamento
e a situação da Câmara dos Deputados é a ameaça que faz seu presidente, o
deputado Eduardo Cunha: se o governo ou o Judiciário encaminharem sua cassação
por corrupção, que está fartamente comprovada, ele dará início ao processo de
impeachment. Eduardo Cunha usa do poder da instituição que preside para tentar
evitar ser condenado e ir para a cadeia.
Silvio Caccia Bava
Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil
1
Francisco de Oliveira, “Política numa era de indeterminação: opacidade e
reencantamento”. In: Francisco de Oliveira e Cibele Saliba Rizek (orgs.), A era
da indeterminação, Boitempo, São Paulo, 2007, p.16.
2 “Por um
Brasil Justo e Democrático”. Disponível em:
.
3 Henrique
Meirelles, “Visão completa”, Folha de S.Paulo, 25 out. 2015.
4 Noam Chomsky, “Democracy and the Midia”.
In: Necessary Illusions – Thought Control in Democratic Societies, 1989.
5
Noam Chomsky, idem.
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