'Este conflito já dura mais de 50 anos, e suas
origens se perdem na história da Colômbia e da América Latina. É preciso lutar
contra toda forma de guerra.'
Darío Pignotti, enviado especial a Medellín //
cartamaior.com.br
Recebido como um herói por milhares de jovens, que
fizeram quatro quarteirões de fila para entrar e assistir sua conferência em
Medellín, José Mujica formulou uma defesa firme do processo de paz na Colômbia.
“Alcançá-la é uma tarefa urgente”, afirmou, num dos momentos mais intensos de
um discurso muito forte.
O ex-presidente uruguaio reconheceu estar disposto
a aceitar que sejam arquivadas as causas na Justiça por eventuais crimes de
guerra, e propôs que a Colômbia adote o modelo de buscar a verdade em troca de
liberdade, como foi aplicado na África do Sul após o fim do apartheid. “Antes
de tudo, eu apoio fervorosamente o processo”, enfatizou Mujica.
“Temos que começar pela paz: nenhum bem é tão
importante quanto a vida… os seres humanos, como espécie, cometem muitos
absurdos, provocam guerras que são, tecnicamente, a forma mais eficaz de se
terminar com a vida, e a primeira coisa a se fazer é terminar com isso”,
assegurou Pepe, como é carinhosamente conhecido – e foi o nome com o qual o
público colombianos o ovacionou.
“Este conflito já dura mais de 50 anos, e suas
origens se perdem na história da Colômbia e da América Latina. É preciso lutar
contra toda forma de guerra. Houve casos de guerras justas, como as de
liberação, mas a maioria das guerras não são por liberação, são movidas por
interesses escusos”, declarou o líder uruguaio.
Mujica é, certamente, o dirigente latino-americano
mais respeitado pela esquerda e pelo progressismo colombiano: a televisão local
emite uma propaganda institucional pela paz na qual aparece sua imagem. Sua
ascendência sobre os jovens é extraordinária.
“Creio que 85 % dos presentes nesta conferência são
menores de 25 anos. A quantidade de público superou todas as nossas
expectativas”, informou Pablo Gentili, diretor executivo do Conselho
Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO). “Os mitos nunca enxergam neles
mesmos os mitos que representam, e isso acontece com Pepe Mujica. Ele está
convencido de que suas ideias são maiores que ele, e que são elas que movem as
massas”, continuou o dirigente do CLACSO.
A CLACSO, o mais potente “tanque de ideias” do
continente, escolheu Pepe Mujica e Luiz Inácio Lula da Silva – que se
apresentou no discurso da terça-feira (10/11) – para serem as figuras de maior
destaque deste evento, no qual participam centenas de intelectuais e
acadêmicos.
Estiveram presentes na conferência magistral ditada
pelo ex-mandatário uruguaio, na noite desta quarta-feira (11/11),
personalidades como o ex-ministro brasileiro Luiz Dulci, diretor do Instituto
Lula, a ex-senadora colombiana Piedad Córdoba e o espanhol Juan Carlos
Monedero, fundador da agrupação Podemos, que anotou vários dos conceitos
levantados por Mujica.
José Mujica é um ex-membro da organização
guerrilheira uruguaia Movimento de Liberação Nacional Tupamaros (MLN-T). Não é
um simples personagem popular neste país: ao aparecer, exerce influência nas
negociações de paz entre as FARC e o governo.
Nesse sentido, o jornalista Andrés Danza, autor do
livro “Uma ovelha negra no poder” – a biografia de Mujica –, disse ao jornal El
Tiempo que ele teve dois encontros com a comissão que representa os rebeldes,
ambas em Havana, e vem se envolvendo com o tema há cerca de três anos.
Ademais, segundo o escritor, o dirigente da Frente
Ampla uruguaia vem mantendo contatos frequentes com o presidente Juan Manuel
Santos, que até 2010 foi ministro da Defesa do governo do ultradireitista
Álvaro Uribe, um dos mais populares caudilhos de Medellín.
Atualmente, Uribe é um dos principais inimigos do
processo de paz, e um opositor firme do governo de Juan Manuel Santos.
Mujica admitiu que o passado de Santos suscita
receios em alguns setores, ao lembrar que “foi uma figura com responsabilidade
direta em questões daqueles anos de guerra”. Porém, depois agregou que o
presidente colombiano “demonstrou ser um homem inteligente e observador, por
ter chegado à conclusão de que não existe outro caminho para terminar com esta
guerra que não seja o da negociação”.
Construir a paz, segundo o uruguaio, “não é fácil,
porque depois enfrentaremos a fenomenal contradição entre a verdade e a
justiça. E temos que dizer as coisas como foram, sem covardias, as realidades
são cruas. Quem vai dizer as verdades sobre o que aconteceu se está ameaçado de
ser preso?”, planteou Mujica.
“Se ficamos presos a essa contradição, vamos
prolongar a guerra. É preciso seguir algum caminho onde quem tenha a coragem de
dizer a verdade talvez tenha que ficar eximido de responsabilidades penais.
Provavelmente, seria uma fórmula parecida como a que se usou na África do Sul,
o algo nesse sentido”, explicou.
Esse tema, a arquitetura jurídica do que os
colombianos chamam de “etapa pós-conflito”, é um dos assuntos ainda pendentes e
que despertam polêmicas.
Mas não é o único assunto espinhoso. Outro dos
pontos ainda sem solução é sobre como os guerrilheiros serão reinseridos na
vida política, e como será o eventual plebiscito para que a sociedade se
pronuncie sobre o acordo de paz, que será definitivamente assinado no próximo
dia 23 de março, segundo reiterou o presidente Santos.
“Pepe presidente”
Ao iniciar sua intervenção, Mujica expressou sua
alegria por estar diante de um numeroso público jovem e ávido por participar de
um sistema político de baixa qualidade de representação.
“Existe uma enorme falta de lideranças, e por outro
lado, está germinando uma demanda juvenil, e isso não acontece só na América
Latina, eu também vi isso na Turquia, na França, na Espanha, no Brasil, na
Argentina. Há uma germinação de gente jovem e inquieta”.
Assim como fez Lula no dia anterior, o dirigente
uruguaio convocou os jovens, apelou para que participem da política e dos
movimentos sociais, e que se envolvam com os partidos políticos, apesar dos
seus defeitos. “Pensem com os seus travesseiros” como militar na política para
transformar um mundo dominado pelo “consumismo” e pela “exclusão”, foi a base
da sua mensagem.
“Pepe presidente”, cantou um grupo de rapazes e
garotas no anfiteatro da Praça Mayor, pouco depois que Mujica e sua esposa, a
senadora Lucía Topolanski, deixaram o lugar, na noite de quarta-feira.
O intelectual espanhol e fundador do Podemos, Juan
Carlos Monedero, destacou o fato de a Praça Mayor de Medellín estar “lotada de
juventude” interessada em escutar as palavras do ex-presidente.
“Anotei alguns pontos do discurso de Mujica, disse
coisas muito belas, como isso de que `nunca nos poderão derrotar, porque nossos
triunfos nunca são definitivos´, ou seja, temos que saber que sempre há mais
coisas por conquistas depois, que a democracia sempre está em conflito, em
movimento”, declarou Monedero, em entrevista para Carta Maior e para o La
Jornada, do México.
Porém, nem todas as ideias de Mujica foram
assimiladas pelo mentor do Podemos. Para Monedero, uma paz em troca de um
cenário onde não haja justiça é inconveniente.
“Claro que nos processos de paz todos têm que
ceder, mas sem verdade, justiça e reparação não se poderá curar as feridas. É
preciso deixar aberta a possibilidade de que possa haver justiça” no futuro,
opinou Monedero.
Tradução: Victor Farinelli
Créditos da foto: Ricardo Stuckert / Instituto Lula
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