domingo, 13 de dezembro de 2015

Como desarticular os planos reacionários

Rovena Rosa / Agência Brasil
Nestes tempos de avanços da direita, o triunfo estudantil deveria ser motivo de comemoração, porque ilumina o futuro que desejamos.

Raúl Zibechi, para o La Jornada, do México // www.caramaior.com.br

Os estudantes secundários de São Paulo derrotaram o governo estadual encabeçado pelo neoliberal Geraldo Alckmin, que foi levado a retirar seu plano de reorganização do sistema educativo devido à massiva reação contrária por parte dos alunos mobilizados. Nestes tempos de avanços da direita, o triunfo estudantil deveria ser motivo de comemoração, porque ilumina o futuro que desejamos, de resistências capazes de desarticular os planos conservadores.

Em setembro, o governo paulista anunciou o plano de reorganização do ensino público, com centros de estudos que seriam separados, criando três ciclos, o que significaria o fechamento de 93 estabelecimentos e a transferência de 311 mil alunos. Tanto professores quanto estudantes reclamaram imediatamente do projeto, alegando que suas medidas levariam a uma superpopulação das escolas que permanecessem, e que tinham a intenção de baixar os custos do sistema educativo.

Em outubro, se realizaram manifestações dos sindicatos da educação e dos movimento de estudantes. Os protestos fizeram com que a Secretaria Estadual de Educação acelerasse as reformas, anunciando os centros educacionais que seriam fechados. Todos estão nas periferias, habitada pelos setores populares, que já sofrem uma educação de baixa qualidade.

No dia 9 de novembro, a primeira escola estadual foi ocupada, em Diadema, núcleo de uma região de longa tradição de luta sindical no ABC paulista. A ocupação teve o apoio de pais e professores. Uma semana depois, já havia 19 centros ocupados, enquanto a Justiça negava o pedido de desocupação feito pela Secretaria de Educação de São Paulo, por considerar que os estudantes não querem se apropriar dos centros, mas sim abrir um debate. No dia 23, já havia mais de 100 centros ocupados, as universidades e sindicatos começaram a se posicionar contra a reorganização escolar. Nos primeiros dias de dezembro, havia 196 centros ocupados.

Em um certo momento, os estudantes decidiram ir às ruas, bloquear as avenidas e difundir o protesto. Segundo as pesquisas, 61% dos paulistas estão contra o projeto educacional do governo, e 55% apoiam os estudantes, enquanto a popularidade do governador caiu bastante, chegando aos níveis de aprovação mais baixos de sua gestão. No dia 4 de dezembro, Alckmin decidiu adiar a reorganização escolar por um ano.

É interessante observar também o que aconteceu dentro dos centros ocupados. Os estudantes criaram comissões de trabalho para sustentar a ocupação: comida, segurança, comunicação com a imprensa, informação, limpeza, relações externas, entre outras tarefas, eram realizadas por eles mesmos. Não somente isso, também realizaram assembleias, convocaram debates com professores, pais e coletivos solidários, sobre os mais variados temas. Editaram um manual (“Como ocupar um colégio”), inspirado nas recentes lutas dos estudantes chilenos e argentinos.

São milhares de jovens entre 14 e 15 anos vivendo uma experiência formidável, enfrentando o autoritarismo do governo neoliberal tucano, desafiando a repressão policial e as manipulações midiáticas. Uma nova geração de jovens militantes está se formando politicamente. Um movimento que nasce, se massifica e triunfa em meio da maior ofensiva da direita brasileira em muitos anos, e que mostra que há muita energia social por fora das instituições, dos partidos e dos sindicatos, suficientes para mudar o estado de coisas no Brasil.

As jornadas de junho de 2013 são o antecedente e referente imediato do atual movimento. Aquele mês de junho foi o divisor de águas. Daquele momento em diante, os movimentos se reativaram, nasceram novas organizações e coletivos de base em todos os espaços da sociedade, e a rua se tornou de novo num palco preferido dos debates e dos protestos. Os militantes do Movimento Passe Livre, agora dividido, continuam trabalhando nas periferias, onde nasceram novos grupos que lutam contra o aumento dos transportes, contra a violência do Estado, além dos coletivos feministas e culturais, que confluíram agora contra a reorganização escolar.

Porém, diferente do que aconteceu em junho de 2013 – quando as grandes manifestações consumiram poucas horas do tempo de seus participantes –, “as ocupações exigem dos ocupantes que se assumam sua responsabilidade como protagonistas políticos dos acontecimentos 24 horas por dia”, segundo análise do ator e militante Rafael Presto, em Passa Palavra (http://goo.gl/HP3glz).

Por isso, as ocupações são um processo formativo intenso, uma geração de militantes formados no calor das lutas. Se consideramos o fato de que os centros ocupados se transformaram em espaços de convergência de diversas lutas, movimentos sociais, artistas, educadores militantes, grupos territoriais e de mulheres, podemos valorizar ainda mais a importância do acontecido em novembro.

Em meu modo de ver, há três aspectos a destacar.

O primeiro é que a energia social e política das classes baixas foi capaz de vencer uma direita valentona, mas que teve que retroceder diante da força das ruas. Isso deveria ser motivo de reflexão para aqueles que apostam tudo na ação dentro das instituições e não compreendem que o eixo das mudanças está em outro lugar e com outros modos.

O segundo é que a energia emancipatória sempre nasce nas margens e entre os jovens. Sem esse fogo juvenil, de classe e de gênero, não haverá possibilidades para encarar um processo de mudanças. A última vez em que o Brasil registrou um potente processo social protagonizado pelos mais pobres foi nos Anos 70, quando a experiência de milhões de pessoas, nas 80 mil comunidades de base, nos grupos de jovens operários da indústria e dos camponeses deslocados pela revolução verde deram origem a organizações: a CUT, o MST e o PT.

Finalmente, Presto defende que sempre aparecem os que destacam as carências do movimento. Dizem que “falta a eles um projeto político”, quando na verdade o que querem dizer é que "falta uma bússola aponte e coloque ordem." Mas os jovens já estão organizados. São militantes, mas não aspiram formar parte das instituições que rejeitam, porque as conhecem de perto. A pedra está perfurada por baixo.

Tradução: Victor Farinelli

Créditos da foto: Rovena Rosa / Agência Brasil

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