De Getúlio até hoje, a mídia
prega, manchete a manchete, o mesmo ódio, o mesmo maniqueísmo avassalador, o
mesmo anticomunismo mais anacrônico.
Luis Nassif - Jornal GGN // www.cartamaior.com.br
No apartamento em rua tranquila
do Leblon, Celina do Amaral Peixoto convive bem com seus fantasmas queridos.
Além da agricultura sustentável seu foco maior é a recuperação da memória do
avô Getulio Vargas e do pai, Ernâni do Amaral Peixoto, um dos políticos mais
influentes da história política do estado do Rio de Janeiro.
Acaba de enviar para a editora os
escritos da mãe, uma espécie de Diário de Alzira Vargas.
A mãe foi a mulher mais poderosa
do país. No dizer de Walther Moreira Salles, “a filha dileta de um ditador
amado”.
No ataque integralista ao Palácio
Guanabara, saiu de arma em punho nos jardins enfrentando os sediciosos. Era uma
ligação tão forte entre pai e filha que, quando ela viajava, Getúlio se sentia
mais só. E, após a morte do pai, Alzira só se pacificou depois que escreveu o
livro “Getúlio e eu”.
Tem poucas lembranças pessoais do
avô, que se matou quando ela era ainda criança. Mas é testemunha e vítima da
campanha infame movida pela mídia e pela oposição, comandada por Carlos
Lacerda. Até hoje não se fecharam as cicatrizes dos ecos da campanha.
Foi algo que teve início bem
antes do seu nascimento.
Quando a mãe era ainda
criança, no início do primeiro governo
Vargas, foi fotografada assistindo a uma passeata sentada na calçada chupando
um sorvete. Durante anos a foto foi utilizada pela imprensa como prova de que a
filha de Vargas era comunista. Sabe-se lá o que o picolé tinha a ver com o
comunismo.
Quando deposto, em 1945, o
ditador Vargas, o homem que comandou o país ininterruptamente de 1930 a 1947,
de forma absoluta de 1937 a 1945, não tinha uma casa para morar. Foi para São
Borja morar na casa emprestada pelo irmão Protásio. É a imprensa alardeando sua
suposta corrupção.
Nem depois de sua morte, em 1954,
cessou o ódio.
Vindos do Sul, os Vargas
experimentaram décadas da solidão do poder. Depois da morte de Vargas, a
solidão do ódio. A família morava em um apartamento no bairro do Flamengo,
durante bom período com segurança de metralhadora à porta devido às ameaças
recebidas. Tiveram que suportar as denúncias de corrupção da família, sabendo
de dentro a retidão da maioria de seus membros.
Meninas, às vezes Celina e sua
prima, filha de Jandira, atendiam o telefone. Do outro lado, vozes da treva
vociferando que não bastava Getúlio morrer, mas toda família teria que morrer.
Era pior que as delações da Lava
Jato, recorda Celina, porque não tinha justiça envolvida, todos os jornais
contra, com exceção da voz solitária da Última Hora, e uma oposição ferrenha de
pessoas letradas, preparadas, diferente de hoje, acusando Getúlio de tudo.
Embora presidente eleito, Getúlio
não tinha um veículo de mídia capaz de se contrapor à atoarda dos veículos
tradicionais, para defendê-lo ou ao menos reconhecer aspectos positivos em seu
governo.
Depois da morte de Vargas, a
família se manteve fechada, dona Darcy, a viúva, cuidando de suas obras
sociais, Alzira cuidando da FGV, Celina dos trabalhos do CPDOC, a maior parte
da família de volta ao sul. Filhos e netos sofreram bastante nesse clima de ódio.
Celina nunca cruzou com Carlos
Lacerda, o grande algoz de sua família. E dá graças a Deus por isso.
Mas sua alma começou a se
apaziguar quando, através da amiga Maria Clara Mariani, se aproximou de seu
marido, Sérgio Lacerda, o primogênito de Carlos.
Aos poucos foi se consolidando
uma amizade sincera, uma convivência que amenizou o coração de Celina e também
de Sérgio. É como se ambos se valessem da amizade para purgar o veneno
inculcado na alma brasileira naqueles anos terríveis de macarthismo tropical,
que se julgava que não voltassem mais. O mesmo racha entre amigos, a mesma
campanha vociferante, o ódio inculcado dia a dia, manchete a manchete, o
maniqueísmo avassalador, o anticomunismo mais anacrônico, visando despertar
temores supersticiosos da malta.
Tudo isso era Brasil. Tudo isso é
Brasil.
Créditos da foto: Na foto, Carlos
Lacerda
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