Ao priorizar a produção, o
consumo e o emprego, o governo deve ter clareza do atrito inescapável junto ao
financismo. Mas não há outro caminho possível.
Paulo Kliass * // www.cartamaior.com.br
A grande questão que já vem
pautando o debate econômico desde o início de 2016 é a necessidade urgente da
retomada do crescimento da economia em nosso País. Constatada oficialmente como
um grande equívoco, a estratégia do austericídio posta em ação pelo ex Ministro
Joaquim Levy deveria, em tese, ser substituída por uma alternativa de política
econômica que buscasse superar a recessão e a falta de perspectivas que
ameaçava se generalizar por todos os setores.
A confirmação da queda da
atividade econômica verificada em 2015 vai se somar à recessão que deve correr
também ao longo do presente ano. A combinação perversa de elevação sistemática
da SELIC ao longo dos últimos períodos e a redução expressiva das despesas
não-financeiras do governo aprofundaram um quadro de redução dos investimentos.
À medida que o setor público diminuiu de forma significativa seus gastos em
setores estratégicos e sinalizou para o setor privado um desestímulo às
atividades produtivas, a máquina mais geral da economia entrou em fase de
desaceleração acentuada.
Crise política e crise econômica.
O quadro se agravou com a entrada
em cena do ingrediente da crise político-institucional e pela falta de
inciativa por parte dos responsáveis em destravar as dificuldades associadas à
falta de confiança. A Operação Lava Jato e as chantagens protagonizadas pelo
Presidente da Câmara dos Deputados são exemplos cristalinos de como se consegue
paralisar um País que necessita justamente de sinais em direção oposta à
estagnação. Apenas a queda nos investimentos da Petrobrás e a interrupção das
atividades no setor da construção civil significam diminuição de alguns pontos
percentuais no PIB do Brasil. A crise mais geral se manifesta sob a forma do
desemprego, da queda na produção e nas vendas, do número crescente de falências
e da sobrecarga das despesas financeiras no âmbito do Estado, das empresas e
das famílias.
A substituição do titular do
Ministério da Fazenda deveria cumprir com a missão de abrir perspectivas mais
positivas quanto ao futuro de nossa economia. A primeira reunião do COPOM
realizada em 2016 terminou por deixar um saldo aparentemente neutro. As
expectativas iniciais de uma nova elevação da SELIC não se realizaram. Mas, por
outro lado, a sua manutenção no elevado patamar de 14,25% ao ano tampouco
contribui para a melhoria do contexto recessivo. Ainda que a decisão de não
subir seja sentida como uma espécie de alívio, seu efeito é mais psicológico do
que outra coisa. Isso porque os impactos financeiros da taxa referencial
estratosférica continuam enormes e prejudicam a todos. Enfim, quase todos, pois
o setor bancário continua lucrando uma enormidade em meio à ampliação da
quebradeira.
A retomada da sistemática de
reuniões do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) pode oferecer
uma outra janela de oportunidade para recuperação da confiança em alternativas
de saída para a crise. Depois de mais de um ano e meio sem ter sido convocado,
o chamado “Conselhão” foi reativado por iniciativa da Presidenta Dilma.
Trata-se de um espaço consultivo, um fórum onde se permite a troca de opiniões
e o debate entre diferentes setores e entidades representativas da sociedade
civil. O governo federal pode se valer desse instrumento como mecanismo de
acolher as sugestões e as críticas das centrais sindicais, dos representantes
dos empresários, dos estudantes, dos cientistas e demais organizações
representativas.
Consenso em torno da retomada.
O momento que o Brasil atravessa
é de tamanha gravidade que a busca de um consenso em torno das medidas para
atravessar o campo das dificuldades se oferece quase como uma imposição junto
aos diferentes parceiros. Talvez com exceção do sistema financeiro, a ninguém
mais interessa a continuidade desse quadro de insegurança e recessão. Assim,
premidos pela própria crise, os representantes de trabalhadores e empresários
começam a construir canais de saída, como é o caso bem sintomático do documento
“Compromisso pelo Desenvolvimento”. Elaborado em conjunto por uma série de
entidades sindicais e do meio empresarial, o texto sugere uma pauta mínima
consensual para superar o imobilismo atual.
No entanto, a retomada do
crescimento exige que o governo restabeleça sua estratégia de enfrentamento da
crise. É necessário abandonar o discurso defensivo de até pouco tempo atrás, em
que a tônica sempre foi um profundo temor das reações negativas do mercado
financeiro. A política monetária deveria ser pautada pela redução da taxa
oficial de juros, com a indicação cristalina de um compromisso com a diminuição
dos custos financeiros para empresas, famílias e para o próprio setor público.
Ao priorizar a produção, o consumo e o emprego o governo deve ter clareza do
atrito inescapável junto ao financismo. Mas não há outro caminho possível que
não seja exigir de todos o compartilhamento dos sacrifícios. Os bancos e as
instituições financeiros são os únicos a registrarem lucros nessa conjuntura de
prejuízos para todos os demais.
Além disso, o equacionamento da
questão fiscal deve passar pela superação do discurso atrasado da ortodoxia
conservadora. Para além da política da “tesoura” nos gastos sociais e nos
investimentos, o governo deve apontar para a recuperação da capacidade arrecadatória
do Estado. Isso significa apresentar medidas de natureza tributária que rompam
com a atual regressividade de nosso sistema de impostos. A CPMF é um bom
início, mas há outros necessários, como a taxação das exportações de
“commodities”, o imposto sobre grandes fortunas, o fim das isenções de impostos
sobre lucros e capital próprio, a atualização do imposto territorial rural,
entre tantos outros.
Reforma da previdência não ajuda no curto prazo.
A reforma da previdência social,
por outro lado, é medida que não apresentará nenhum resultado positivo no curto
prazo e se caracteriza por proposta que encontra ampla oposição por parte de
setores expressivos da sociedade. A resistência oferecida por trabalhadores e
aposentados se justifica pelo histórico de medidas semelhantes que apenas
trilharam o caminho da retirada de direitos e redução de valores dos
benefícios. A necessária redefinição de alguns aspectos do regime
previdenciário atual nada tem a ver com as avaliações catastrofistas, efetuadas
sem nenhuma base nos dados da realidade. As contas do Regime Geral da
Previdência Social (RGPS) ainda se apresentam superavitárias.
Porém são inegáveis as
transformações demográficas e do ingresso no mercado de trabalho. Assim, tais
mudanças devem ser feitas com base em amplos acordos a serem construídos no
interior da sociedade, de modo a garantir a solidariedade intergeracional e a
sustentabilidade do modelo previdenciário no longo prazo. O fato é que
antecipar esse debate necessário e contaminá-lo com a emergência atual da crise
fiscal só trará prejuízos à intenção de promover um reequilíbrio estratégico.
Enfim, a retomada do crescimento mais imediato não depende de nenhuma reforma
previdenciária. O sistema precisa é recuperar o nível de emprego na sociedade e
assim aumentar suas receitas por conta das contribuições dos participantes.
Além disso, é urgente a eliminação da desoneração patronal da folha de
pagamentos, fato que - esse sim! -
compromete a arrecadação do RGPS.
Protagonismo do setor público na retomada.
O governo deve utilizar os bancos
governamentais e demais instituições financeiras federais para oferecer
empréstimos e condições de financiamento adequadas para a retomada do
crescimento. Mais do que simplesmente ampliar a oferta de crédito, é necessário
apresentar modalidades que impliquem menores custos financeiros. Os empresários
só partirão para o incremento dos investimentos caso sintam possibilidades
concretas de retorno para tais investimentos. Juros elevados e incerteza da
demanda por conta de desemprego e redução da renda interna não se apresentam
como uma boa sinalização.
Por outro lado, a saída
exportadora é uma via que contribui também para o clima geral de recuperação e
já começa a apresentar alguns indícios positivos, em razão da desvalorização
cambial. Essa tendência atual da taxa de câmbio pode operar como elemento de
compensação das quedas observadas nos preços nos produtos primários de
exportação. Além disso, permite uma redefinição dos padrões de concorrência de
nossas empresas e seus produtos manufaturados no mercado internacional.
Há grande convergência para a
necessidade da retomada do crescimento. Ainda que persistam as resistências de
natureza político-partidária por parte das forças que justamente fariam um
serviço ainda mais desastroso, o fato é que um eventual protagonismo mais
atuante e dinâmico do governo poderia contribuir para avançar a pauta no
Congresso Nacional e mesmo em domínios que não dependem desse tipo de
autorização. Porém, é preciso ter a clareza de que o necessário apoio popular
só virá caso as medidas contemplem os interesses da maioria da população e não
se caracterizem pela exigência de novos sacrifícios por parte daqueles que são
sempre os primeiros a pagar a conta das crises.
* Paulo Kliass é doutor em
Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e
Gestão Governamental, carreira do governo federal.
Créditos da foto: EBC
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12