Levávamos uma vida boa na
capital. Até que o som começou a incomodar, as pessoas começaram a reclamar e
os bares começaram a fechar. Fomos calando, calando, calando... Para não
incomodar vizinhos que não transam.
Esse texto será sobre a cidade de
Brasília. Pronto! Só essa frase já é suficiente para fazer muita gente torcer o
nariz, fazer cara de nojo ou simplesmente ignorar e desistir da leitura. Não te
culpo, querido leitor! Não te culpo se preferir ler um texto sobre, quem sabe,
o Rio de Janeiro. A verdade é que, se você ainda está aqui, acompanhando essas
linhas, provavelmente é um brasiliense ou tem alguma relação com a cidade - boa
ou ruim.
Não, não falarei aqui de
política, nem das belezas do cerrado, nem do céu de Brasília, nem do traço do
arquiteto. Gosto tanto dela assim, é verdade. Mas há outras coisas que precisam
ser ditas. E precisam ser ditas para que a cidade não morra sufocada. Brasília
está emudecendo e nós, seus filhos, ficando todos surdos.
Sempre nos gabamos de sermos uma
cidade musical. Era só alguém de fora perguntar: mas o que tem para fazer em
Brasília? Que a resposta já estava na ponta da língua: Brasília tem música boa.
Naquele tempo, isso era o bastante!
Não medíamos esforços para citar
sempre as grandes bandas que surgiram aqui. Afinal, somos a capital do rock,
bebê! E também do samba, do choro, do sertanejo. Alguns músicos, como Cássia
Eller, não nasceram em Brasília, mas passaram grande parte da vida na cidade.
Filhos adotados também entram na lista, claro!
O melhor, o melhor mesmo, é que
secretamente sabemos que Brasília tem muito mais do que músicos famosos. É
música nossa, genuína, que nasce nas quadras, nos subsolos, na universidade.
Música nossa que acontece dentro de casa, todos os dias.
Houve uma época, não tão
longínqua assim, em que se ouvia música em todos os cantos da capital. A coisa
borbulhava! Nos sentíamos praticamente em Recife. Sejamos honestos, se tem uma
cidade que Brasília gostaria de ser é Recife. Porque Recife é um caldeirão
cultural cheio de charme. A gente queria mesmo era ter inventado o Maracatu!
Mas conformados, levávamos uma
vida boa por aqui. Até que o som, esse mesmo som de que sempre nos gabamos,
começou a incomodar. E as pessoas, essas mesmas pessoas que citavam a música
brasiliense em suas conversas de bar, começaram a reclamar. E os bares, esses
mesmos bares que borbulhavam, começaram a fechar. De repente, Brasília
emudeceu!
Emudeceu de tal forma que até o
canto de um passarinho, daqueles bem miudinhos, já ultrapassa os limites de
decibéis permitidos por lei. Fomos calando, calando, calando... Para não
incomodar vizinhos que não transam. Vizinhos que não transam precisam de
silêncio para dançar com a própria solidão.
Quando foi que música começou a
ser considerada poluição sonora? Shiiiiiii, não responda em voz alta. Aqui em
Brasília, nós falamos baixinho. Não quero que ninguém seja preso! Nesse
quadrado limitado, estão fechando tudo que extrapola os limites. Estão fechando
mentes que pensam alto. Cuidado, sussurre! Nunca se sabe como anda a vida
(sexual) do seu vizinho!
JULIANA VALENTIM
Nós moramos mesmo é nas entrelinhas, no silêncio dos intervalos. Somos feitos de uma voz que grita e uma voz que cala. Como música! A magia não está no que se ouve, mas no exato instante da pausa.
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