EMIR SADER // http://www.brasil247.com/
Diz-se que os intelectuais não resistem a qualquer nomeação
para cargos de governo. Existem, na verdade, vários casos que poderiam
exemplificar isso. Em geral as consequências são desastrosas, para os
intelectuais, nem sempre pra os governos que se valem do seu prestígio.
O caso de Sergio Rouanet é típico. Surpreendentemente, pelo
prestígio intelectual que tinha, aceitou ser Ministro da Cultura o governo de
nada menos do que o Collor. E, se já não fosse um dano suficiente a seu nome
como intelectual, este ficou perenizado no nome de uma lei que privatiza a
cultura no Brasil, deixando nas mãos dos financiadores privados os destinos de
viabilizar ou não iniciativas culturais no país.
FHC é um caso a mais, porem muito significativo. Sua vaidade
sempre o fez se aproximar do poder, para tentar encontrar um espaço. Esteve
próximo de Darcy Ribeiro, no final do governo Jango, seu nome foi veiculado
como possível reitor de uma universidade federal no ABC, nos moldes da
Universidade de Brasília. Por precaução, FHC saiu do Brasil logo depois do
golpe. No Chile, em seminários semanais, foi sendo elaborada a teoria da
dependência mas eis que um dia FHC aparece com um livro com seu nome como
autor. Diante do protesto geral, ele colocou como co-autor o verdadeiro criador
daquela versão da teoria da dependência, Enzo Faletto, conforme testemunha do
mais importante intelectual centro-americano, Edelberto Torres Rivas, em longa
entrevista que eu lhe fiz e publiquei na revista de Clacso – Critica e
Emancipação.
FHC atuava sempre no MDB, buscando se projetar, até que foi
candidato a suplente de Montoro e assumiu como senador. Veio a candidatura a
prefeito de São Paulo, com o desastrado resultado e a foto respectiva na Folha.
Foi marginalizado do Plano econômico do governo Sarney, tendo criticado a
situação econômica do país na véspera do lançamento do plano. Ulysses o tinha
lançado como candidato a ministro da educação no governo Sarney, mas também não
vingou.
FHC capitaneou a entrada dos tucanos no governo Collor, de
que Rouanet e Celso Lafer foram o primeiro grupo a ingressar. A resistência de
Covas salvou os tucanos de naufragarem junto com o Collor. Se aproximaram então
do Itamar, de quem FHC foi ministro de relações exteriores antes de ser chamado
para colocar em pratica a retomada do projeto neoliberal do Collor em outros
termos. FHC viu ai a possibilidade de voos mais altos, o que conseguiu com a
candidatura à presidência.
FHC nunca vinculou sua obra teórica à sua atividade
politica. Mas sua visão do corporativismo da burguesia brasileira apontava ja
para a necessidade de que se aliasse de maneira subordinada ao capitalismo
internacional. E sua teoria do autoritarismo continha explicitamente uma visão
neoliberal da ditadura e da democratização.
Mas sua vaidade característica estava acima de qualquer
teoria ou objetivo politico. Era o poder o que o fascinava e dele fez uso da
forma mais abusiva. Chamando a direita para governar com ele, tendo a ACM como
seu interlocutor e a Luis Eduardo Magalhães como seu sucessor. Fustigou a
esquerda – o PT, Lula, a CUT, o MST -, com ironia e sarcasmo, o que mesmo que
utilizou contra os servidores púbicos, os professores e os aposentados.
Cultivou o charme em relação à mídia – especialmente a
jornalistas – e à intelectualidade e políticos paulistas, cujo encanto atraiu a
ex-comunistas e a donos da mídia, tanto da Folha, como da Veja, do Estadão que
o tinham como seu ídolo e tabua de salvação contra a esquerda.
Cultuava o desprezo com os outros políticos tucanos,
especialmente com o Serra, que sempre teve um complexo de inferioridade e
rancor com o FHC. Intelectuais de São Paulo, que achavam que ocupariam cargos
importantes no governo de FHC, foram totalmente desconhecidos. Assim, FHC foi
cultuando rancores contra ele, que mais tarde fariam dele o politico mais
odiado do Brasil.
FHC saiu muito desgastado do governo, sabia que não elegeria
seu sucessor, no fundo gostou do fracasso do Serra. Ele seria o único
presidente tucano, como resultado do fracasso do seu governo. Mas gozaria desse
privilegio, colocando-se sempre por cima de todos os outros tucanos. Mario
Covas sofre uma derrota vergonhosa em 1989, mas seria o candidato dos tucanos,
não fosse sua doença e morte. FHC se aproximou de Itamar para se propor como
seu ministro e a partir dai conseguiu chegar ao que sempre ambicionou: a
presidência.
A partir dai não tinha mais o que ambicionar, dedicou sua
vida a tentar evitar que o Lula tivesse o sucesso, dentro e fora do Brasil, que
ele não teve. Dai a dedicação dele a politicas golpistas, quando foram perdendo
sucessivamente as eleições contra o PT. Essa a maior amargura dele.
Até que o caso da sua relação com a Mirian veio à luz,
depois de escondido da Ruth Cardoso, com a conivência da mídia. Ele esperou a
morte da Ruth para assumir publicamente o filho, em meio a conflitos com seus
filhos, que o obrigaram a fazer os dois DNAs.
Mas no plano pessoal tudo parecia sob controle para FHC,
casado com sua secretaria, com propriedades pessoais que lhe permitem vida
luxuosa, até que a Mirian resolveu contar a verdadeira versão do caso com ele.
Afetou o amago do orgulho pessoal de FHC. Caiu do pedestal de homem acima das
picuinhas, para cair na boca do povo, da pior maneira possível. Entre envio
escondido de pagamentos ao exterior, empresa nas Ilhas Cayman, referencias depreciativas
a sua esposa, Ruth, entre tantas outras coisas, sua imagem desmorona como uma
estatua que se estatela no solo e se parte irremediavelmente em mil pedaços.
O intelectual que ambicionou o poder, que o conquistou, que
o usou da forma mais discricionária possível, que jogou no lixo sua carreira
acadêmica para tentar se projetar como estadista, mas terminou derrotado
politicamente pelo Lula, impotente para promover golpes e, finalmente, ferido
de morte na sua vaidade, pela revelação do homem hipócrita que ele sempre foi.
Se fecha assim sua biografia publica e privada, da pior maneira possível para
ele.
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