segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

O caso Miriam Dutra e a libertação de Delcídio do Amaral, por Yuri Carajelescov

Remanesce, no entanto, a dúvida: por que um político inteligente, como Serra, com pretensões presidenciais, se exporia admitindo em seu gabinete uma assessora que só comparece ao Senado para bater o ponto?
por Yuri Carajelescov // http://jornalggn.com.br/
Testando a hipótese

A hipótese a seguir parte do pressuposto de que os grupos familiares de mídia, parcelas importantes do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal, doravante denominados “alta burocracia”, assim como os principais políticos do PSDB e de seus partidos satélites (DEM e PPS) jogam juntos pela retomada do controle do governo central perdido há 13 anos.

O objetivo nuclear dessa aliança não é e nem nunca foi combater a corrupção, mas desalojar os intrusos capitaneados por Lula do poder, o que tem se mostrado até agora inviável pelo voto. O projeto conjunto visa a (re)orientar a nação a partir de três eixos:

(i.) desmantelar a incipiente política distributivista, bloqueando toda e qualquer possibilidade de seu aprofundamento e de redução da desigualdade;

(ii.) desmontar as engrenagens de desenvolvimento autônomo do país (vide o ataque sistemático à Petrobras, às empresas de engenharia e ao programa nuclear) e

(iii.) reverter a política externa não alinhada aos interesses americanos no mundo, reduzindo a participação do Brasil no Mercosul e nos BRICS em favor de um acordo bilateral com os Estados Unidos.

Trata-se de um programa de contra-reforma sistematicamente rechaçado pela maioria do país, difícil, portanto, de ser implementado, ao menos por enquanto, a partir da força e da legitimidade das urnas.

Pois bem, esses três grupos (mídia, "alta burocracia" e caciques da oposição), como as "famiglias" italianas, se protegem, mas, por vezes, acontecem rusgas entre irmãos, em função de idiossincrasias ou interesses particulares. O caso Miriam Dutra talvez seja um deles, essencialmente fogo amigo.

Aos fatos.

Miriam Dutra concede uma entrevista para uma revista estrangeira de pouca expressão (BrazilcomZ) na qual requenta uma história revelada pela revista Caros Amigos em 2000 sobre o filho que teria tido com o ex-presidente FHC, fruto de uma relação extraconjugal de 6 anos, a participação da Rede Globo no processo de ocultação do fato etc. Ouvida depois pela "Folha", ela manda um torpedo direto no alvo: “não sei como ainda não descobriram as contas dele (FHC) no exterior”, algo como “eu sei o que você fez no verão passado”.  Seria a senha de uma chantagem?

Os blogs de esquerda, em sua maioria lulopetistas, inconformados com a campanha sistemática contra o ex-presidente Lula, espalharam como fogo no paiol a entrevista.  As redes sociais bombaram.  A “Folha”, reconhecidamente amigável aos tucanos, especialmente a Serra, deu grande destaque e a Globo, como havia sido envolvida na história, teve que se defender em seus jornais televisivos. Estava garantida a ampla divulgação do requentado caso “Miriam Dutra”, furando, assim, a tradicional blindagem de FHC na mídia.

No meio desse tiroteio, começam a aparecer as digitais de José Serra. Descobre-se que a irmã de Miriam Dutra, Magrit Dutra Schmidt, é funcionária fantasma lotada em seu gabinete. Lauro Jardim, ex-Veja atualmente em “O Globo”, noticia em primeira mão o fato. Por razões que não vem ao caso agora, a família Marinho é grata, gratíssima, a FHC, o que se reflete na cobertura edulcorada dos veículos das organizações Globo em relação a ele.

Pego em flagrante, o senador se defende: “Ela (Magrit) trabalha em casa porque está envolvida em um projeto secreto”. Bem, como o projeto é secreto e o senador é tucano, nada mais precisou dizer nem lhe foi perguntado. Remanesce, no entanto, a dúvida: por que um político inteligente, ladino e experiente como Serra, com pretensões presidenciais, se exporia admitindo em seu gabinete uma assessora que só comparece ao Senado para bater o ponto? Estaria fazendo um favor a alguém ou seria uma forma de se manter próximo a fontes relevantes, reconhecido o seu pendor por coletar, armazenar e sistematizar dados e informações de adversários e aliados, o que seus desafetos costumam chamar de dossiês?

Na mesma semana em que repercute o caso “Miriam Dutra”, forma-se maioria (7x4) no Supremo Tribunal Federal a favor de uma das teses defendidas pelos agentes da Lava Jato: a precarização do princípio constitucional da presunção de inocência. O Min. Teori Zavascki compõe a maioria formada na Corte. Uma vitória e um recado para a turma do juiz Moro: “go ahead!”. Uma derrota e um recado para os presos na Lava Jato: “Percam as esperanças. Assinem logo as delações premiadas. As instâncias superiores estarão fechadas para seus recursos.”

Na sexta-feira à tarde, sem grande estardalhaço, o senador petista Delcídio do Amaral, após parecer favorável da PGR, foi solto por decisão do Min. Teori sem assinar acordo de delação premiada, segundo informou seu advogado. Delcídio do Amaral tem DNA tucano. Filiado ao PSDB, ele foi ministro de Itamar e depois ocupou a diretoria de Gás e Energia da Petrobras entre 2000 e 2001, tendo trabalhado com Nestor Cerveró e Paulo Roberto Costa.

Antes de ser preso, Delcídio foi flagrado em escutas nas quais se ouviu o seguinte:

“E você vê como é que ele é [Fernando Baiano], como é matreiro? A delação, quando ele conta quando ele me conheceu, quando eu era diretor e o Nestor era gerente [da Petrobras]. Que ele foi apresentado a mim por um amigo, que ele poupou, que é o Gregório Marin Preciado. E as conversas que nós ouvimos é que em uma dessas reuniões que ocorreram, eu não sei com relação a qual desses projetos, houve uma reunião dessa na Espanha que os caras já rastrearam quem “tava” nessa reunião. E existiu um espanhol nessa reunião. que eles não souberam identificar. Bingo, é o Gregório!”

“Ou seja, Fernando está na frente das coisas, mas atrás quem organiza é o Gregório Marin”

“O Serra me convidou para almoçar outro dia... Ele [Gregório] é cunhado do Serra. E uma das coisas que eles levantaram nessa reunião na Espanha, eu não sei [se] sobre sondas ou Pasadena, mas houve um reunião na Espanha, e existia esse espanhol que não foi identificado. E é o Gregório. É o Gregório. O Nestor conheceu o Gregório”. Esses trechos foram retirados de matéria publicada pelo jornal Valor (http://www.valor.com.br/politica/4329880/delcidio-diz-que-empresario-gre...).

Na mesma matéria, o “Valor” informa que: “Segundo a delação premiada de Baiano, Preciado teria obtido entre US$ 500 mil e US$ 700 mil pela suposta cessão de uma empresa sob seu controle e registrada em nome de seus parentes para o recebimento e distribuição de propina de US$ 15 milhões relativa à aquisição pela Petrobras da refinaria americana de Pasadena. A empresa citada por baiano é a Iberbras Integración de Negocios y Tecnologia.”

Na verdade, Gregório Marin Preciado é casado com uma prima de Serra. As relações entre ambos vão além do provável convívio em festas familiares, como desvendou o jornalista Amaury Ribeiro Jr em “A privataria tucana”. No entanto, mais uma vez, tratando-se de um político integrante do aliança acima referida, a imprensa se desinteressou e a “alta burocracia” tampouco se ocupou de investigar.

Delcídio preso, no entanto, era um risco. E se ele sucumbisse e resolvesse firmar um acordo de delação premiada e apresentasse provas da relação de Gregório Marin Preciado e outros com o esquema de corrupção na Petrobras?

Nesse jogo, o rei precisa ser preservado. FHC é o rei desse xadrez. Por todos os serviços prestados à causa, pela simbologia, FHC pode até vir a ser alvo de chantagem, mas não pode cair nunca. Diante de qualquer ameaça ao rei, deve-se abrir as portas das masmorras se for preciso para passar até um senador petista, quem sabe pela mesma porta da qual saiu o banqueiro Daniel Dantas?

Coincidências acontecem e isso tudo pode ser uma enorme viagem; uma trama caricatural ao gosto de Umberto Eco, que nos deixou ontem. “Ou não”, como diria Caetano. É mais provável que o caso Miriam Dutra desapareça do noticiário da mesma forma que surgiu. Do nada para o nada, o que, em seu silêncio, explicaria muita coisa.    

Ps. Na mesma sexta-feira foi publicada decisão do Min. Teori Zavascki que, acolhendo manifestação da Procuradoria-Geral da República, arquivou procedimento investigatório– que ninguém sabia que havia sido aberto – contra Aécio Neves por suposta propina recebida da empreiteira UTC. Esse fato reforça a percepção cada vez mais presente da inimputabilidade de certos atores políticos.

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