Este Lula, monstro que suga a
seiva do Brasil para dar-se ao luxo de navegar em barquinhos de alumínio, é o
espectro terrível que a direita construiu.
Flavio Aguiar, de Berlim - Blogue
do Velho Mundo, RBA. // www.cartamaior.com.br
Dizem os psicanalistas que as
nossas fantasias são sempre mais intensas do que a realidade, sobretudo quando
são para o pior. Hoje no Brasil se vê a demonstração desta tese.
A velha mídia, o promotor açodado
de São Paulo, o Supremo Tribunal do Paraná, que às vezes parece mais poderoso
do que o STF de Brasília, todos lidam com um espectro que fabricam e ao mesmo
tempo são vítimas dele: o espectro Lula, um horrível monstro, pior que
Godzilla, Drácula e Darth Vader todos juntos, que suga a seiva do Brasil. Bom,
é verdade que este monstro suga esta seiva para dar-se ao luxo de navegar em
barquinhos de alumínio e descansar (?) em apartamentos que não comprou nem de
que desfruta. Mas não importa: eles vão em frente, para impressionar a parte
crendeira da classe média, aquela propensa a acreditar que estamos mergulhados
num mar de lama como nunca houve no país, assim como acredita que PSDB, DEM, o
PMDB da direita são mosteiros de probidade, onde Cunha é o Pai, Aécio é o Filho
e os juízes e os promotores assanhados são os Espíritos Santos.
O espectro Lula é terrível: imbatível
nas urnas, tem que ser abatido nos tapetões do Judiciário, por meio do “Golpe
Paraguaio”, que na verdade deveria ser chamado de “Golpe de Miami”, já que quem
inventou isto de substituir os tanques nas ruas pelos juízos à socapa nos
tribunais foi a eleição trucada de Bush Filho na Flórida em 2000.
O espectro Lula ameaça a paz dos
cemitérios que a direita brasileira sonha ser o Brasil. Não só a direita
brasileira: os porta-vozes da City Londrina e de Wall Street também são
assombrados pelo espectro. Porque o Brasil é um porão (assim eles o vêem)
imenso, que, vindo à superfície, vai destruir os alicerces da Casa Grande que é
o mundo financeiro internacional e seu primado sobre corações e mentes – não só
na América Latina, mas na Europa e no resto do mundo, do Oiapoque ao Vulcão
Fuji, de Vladivostok a Ushuaia.
Mas por trás ou à frente do
espectro Lula, existe um personagem real, chamado Luiz Inácio Lula da Silva,
ex-presidente do Brasil e talvez (sei lá, o futuro a Deus pertence) futuro
presidente também. É um personagem extraordinário, ou seja, uma figura humana
como qualquer outra, que pode ter defeitos assim como tem qualidades. Mas que
liderou uma das maiores transformações sociais do seu país e do mundo, ao mudar
o patamar de vida de mais de 60 milhões de pessoas em meia América do Sul,
transformando sua terra num global player que agora não pode mais ser jogado
para baixo do tapete, embora haja gente e mais gente desejosa de que isto
acontecesse. Dentro e fora do Brasil.
Prova disso é que enquanto se
tramavam as farsas ridículas das acusações sobre o apartamento no Guarujá e o
barquinho no sítio em Atibaia, o Prêmio Nobel da Paz Kailash Sathyarthi, reconhecido
pelo combate à exploração do trabalho infantil, convidava este Lula, que a
caterva crápula do Brasil acha que deve cuspir em cima, para integrar
associação mundial contra aquela atividade criminosa, por ser ele uma
referência mundial em matéria de temas e iniciativas sociais.
Prova disso é que sou testemunha
do respeito com que Lula é recebido aqui na Alemanha. Em dezembro, acompanhei-o
em sua visita à sede do SPD e depois da Fundação Friedrich Ehbert, em Berlim,
quando foi recebido pelo vice-chanceler Sigmar Gabriel e o presidente do
Parlamento Europeu, Martin Schulz, e por mais uma enorme comitiva de
representantes dos partidos social-democratas europeus, além dos jornalistas,
com os tapetes vermelhos do reconhecimento e admiração.
A verdade é que o Brasil teve,
até o momento, entre muita gente boa, três mandatários fundadores ou
refundadores do país e de seu papel no mundo. O primeiro foi D. Pedro II. O
pai, Pedro I, deu o brado do Ipiranga, outorgou uma Constituição de cima para
baixo, embora os reacionários senhores de terra fossem contra, mas foi só, além
de ter um dos casos amorosos mais espetaculares da nossa história política. Já
o filho, Pedro II, consolidou o país (e olhem, leitor@s, que se eu vivesse em
1840, estaria combatendo contra ele, ao lado dos republicanos farroupilhas
antiescravistas, como o coronel Teixeira Nunes e o general Netto…) e foi dos
mandatários nacionais de mais alto reconhecimento internacional. Escorraçado do
país pelo golpe republicano, ao morrer, foi declarado por editorial do New York
Times ser “o mais republicano dos imperadores”…
O segundo foi Vargas que, como
toda a carga autoritária de seu governo, introduziu a legislação trabalhista
que nada tem de fascista e muito de positivista e de Bismarck, negociou de
igual para igual com Roosevelt, fundou a Petrobras que hoje querem de novo
destruir, e deixou a vida para entrar na história, neutralizando com seu
sacrifício o golpe de estado contra o povo brasileiro.
O terceiro, para desespero de
certo professor de Sociologia, é Lula, o real, não o espectro, que projetou
Brasil como liderança do Terceiro Mundo, abriu caminho para a negociação
bem-sucedida com Irã e liderou esta marcha de ascensão social digna de um filme
de Cecil B. de Mille dos anos 50 ou do Spielberg atual. Isto no cinema; Lula,
na vida real.
Erros? Sim, afinal, trata-se de
um ser humano, não do monstro infalível que os arautos da Casa Grande querem
impingir ao povo brasileiro. Talvez o principal erro cometido, junto com seu
partido, o PT, tenha sido o de imaginar que toda esta gigantesca operação
positiva na sociedade brasileira não despertaria ódios nem a aversão por parte
de quem não aguenta, no fundo, ter de disputar espaço com o povão das filas de
aeroporto, nos vestibulares das universidades, nas escadas rolantes dos
shopping centers, ou ter de pagar salário mínimo com carteira assinada para
empregada doméstica. Parecia apenas que a “beleza do quadro” da melhoria social
seduziria todo mundo.
Muito pelo contrário.
Quem detesta o bonito, feio lhe
parece. Tem gente que não suporta a igualdade. Tem gente que prefere matar a
conviver. Nos casos extremos, outras gentes. Mas no meio do caminho, também
ideias.
Como não há mais estacas nem água
benta disponível para conjurar o espectro Lula, o caminho é mesmo o de procurar
destruí-lo juridicamente. Fazer o seu impeachment antes mesmo dele assumir
qualquer cargo. Como se fosse um exorcismo avant-la-lettre.
Não vai funcionar. É possível
enganar todos por algum tempo, alguns o tempo todo, mas não a todos o tempo
todo. O Lula real vai sobreviver a seu espectro fajutado por essas tentativas
canhestras de golpe.
Créditos da foto: Ricardo
Stuckert
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