A mídia se tornou um partido que
passou a atuar no jogo político de maneira privilegiada, sem precisar de votos
ou prestar contas aos seus eleitores.
Geniberto Paiva Campos // www.cartamaior.com.br
“Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária,
demagógica e corrupta formará um público tão vil quanto ela mesma” – Joseph
Pulitzer
1. Parece haver um problema de
matriz cultural interferindo no cotidiano da política brasileira.
Durante décadas fomos educados
para respeitar o que se apresentava na forma impressa, assumindo como
verdadeiras as suas notícias, informações e, eventualmente, suas (raras)
opiniões. Jornais, revistas e outros tipos de publicação gozavam de um respeito
reverencial, o qual era transferido aos jornalistas, editores, diagramadores e
até linotipistas, todos profissionais envolvidos na nobre missão de (bem)
informar.
Os jornalistas brasileiros eram
profundamente respeitados e admirados pelos diversos segmentos populacionais
que dependiam do acesso aos órgãos da imprensa para obter informações
confiáveis. E que sabiam reconhecer a veracidade e o estilo da escrita destes
profissionais.
Com o advento das mídias
eletrônicas (rádio e televisão) a partir do século passado, esse sentimento de
respeito e admiração transferiu-se para os profissionais dessas novas áreas.
Em reciprocidade, havia um
profundo respeito desses profissionais para com os seus leitores, radiouvintes
e telespectadores. Para com o seu público, enfim.
Esse acordo informal entre os
jornalistas e o público consumidor de notícias, baseado na verdade e na
decência, raramente era descumprido. Havia uma ética implícita nesse relacionamento.
Como esperado, muitos jornalistas
que alcançavam notoriedade profissional enveredavam pela política. São vários
os exemplos desse fato. Positivos e negativos. Esse entrelaçamento entre
jornalismo e política não causou maiores prejuízos aos comunicadores, nem
tampouco à política ou à gestão pública. E a comunicação social passou a ser
exercida de maneira mais cuidadosa. E na medida que a Comunicação passou a ser
algo mais complexo e ganhou as cátedras acadêmicas, os jornalistas assumiram maior
importância no âmbito da sociedade.
O que viria a acarretar profundas
mudanças nesse relacionamento respeitoso entre os órgãos de comunicação e os
seus fiéis seguidores foi a percepção crescente da importância da Informação
numa sociedade agora essencialmente urbana e industrializada, que ao adquirir
novos hábitos culturais, tornou-se uma sociedade de consumo de massa.
A TV, o rádio, o jornal e as
revistas assumiram gradativamente o papel de orientadores desse consumo. E
perceberam que era facilmente alcançável orientar outras escolhas dessa
sociedade “em trânsito”.
2. A criação dos grandes
conglomerados midiáticos foi a evolução natural desse processo. O qual
tornou-se irreversível pela força incontida da comunicação através do rádio, e
principalmente da TV, nos hábitos de consumo e na formação da opinião (a temida
“opinião pública”) da sociedade. Consequentemente, a mídia tornou-se
orientadora não só dos hábitos de consumo como também das mais diversas
escolhas dos cidadãos. Principalmente com o avanço do conceito de “propaganda”.
Na prática, tudo poderia se transformar em “produto”. Objeto de desejo dos
indivíduos (também chamados de “público alvo”), desde que bem manipulado pelas
técnicas dessa nova arte. A partir desse ponto os acordos éticos, implícitos no
relacionamento entre mídia e público foram “flexibilizados”. O sistema
capitalista entendeu perfeitamente, e passou a usar, sem maiores escrúpulos, a
força incontida da publicidade e da propaganda na formação de hábitos e
comportamentos dessa nova sociedade, valendo, principalmente, para quem viesse
a dispor do controle da mídia, impressa e eletrônica. (E o conceito de
cidadania evaporou-se. Foi para o espaço… E o Jornalismo, enquanto missão
social, e serviço público, foi extinto)
Em muitos países do chamado
primeiro mundo as autoridades públicas, percebendo precocemente a imensa força
política dos aglomerados midiáticos, estabeleceram regras e limites, através de
legislação específica. Sendo os exemplos mais evidentes a Inglaterra e os Estados
Unidos da América. O que não veio a ocorrer na América Latina e especificamente
no Brasil. Abrindo uma imensa via para a atuação dos órgãos de comunicação,
agindo sem qualquer controle legal. E a mídia, habilmente e absolutamente livre
em suas manobras, espertamente passou a associar esse controle – essencialmente
democrático – com a censura à liberdade de expressão. De modo que o Brasil
entrou no século 21 permitindo a propriedade cruzada dos meios de comunicação.
Embora a Constituição, promulgada em 1988, a proibisse expressamente. Mas este
artigo dependia de uma regulamentação infra-constitucional, nunca posta em
prática. Simplesmente porque isso não era do interesse de três ou quatro
famílias proprietárias de conglomerados de rádios, TVs, revistas e jornais.
Qual um trem desgovernado, esses
conglomerados foram gradativamente assumindo um papel cada vez mais relevante e
decisivo no jogo político. E, rapidamente, os donos das organizações
jornalísticas assumiram o papel de empresários. E que dispunham de um produto
de alto valor para venda: a formação da opinião pública. Tornando-se
bilionários. Criando cidadãos de segunda classe, despolitizados e absolutamente
crentes (e militantes) daquilo que a mídia decidia divulgar como verdade. E,
mais ainda, dispostos a ir às ruas e avenidas do país, propagando as palavras
de ordem dos conglomerados midiáticos. Estes, meros porta-vozes do
neoliberalismo.
Estava criado, portanto, um novo
partido político. O qual passou a atuar no jogo político de maneira privilegiada.
Por não precisar de votos. Ou de prestar contas aos seus eleitores ou à justiça
eleitoral. Por prescindir de realizar convenções e debates para indicar seus
candidatos e escolher seus projetos e propostas. Usando, ao extremo, o seu
poder político, tornou-se o quarto poder (com tendência a assumir o primeiro
lugar nessa hierarquia). Exercido no âmbito familiar e restrito aos
proprietários das empresas jornalísticas, que se tornaram verdadeiras
dinastias.
E os jornalistas? Estes, com
raras e honrosas exceções, foram se transformando em meros serviçais dos seus
patrões. Dispostos, para garantir os vínculos com suas empresas, a assimilar,
acriticamente, as ideias e os projetos do interesse das suas organizações.
Raramente coincidentes com os interesses nacionais.
(George Orwell ao publicar, em
meados dos anos cinquenta, o seu profético livro “1984”, jamais poderia imaginar que a sua ficção
política iria, tão rapidamente , assumir foro de realidade. O seu imaginário
“Big Brother” e a Novilíngua tornaram-se
verdades singelas, passando a conviver naturalmente com as sociedades
mais vulneráveis e dóceis ao seu apelo).
3. Diziam os poetas e
seresteiros, antenas da raça: “o tempo não para…” E não permite recuos e a
volta ao passado, completam os descrentes e os cínicos. E, como falava um
antigo compositor cearense: “ o passado é uma roupa que não se veste mais”.
Daí que o mundo mudou. Na
Comunicação essas mudanças foram intensas. E introduziram novas e interativas
formas de relacionamento nessa área. A síntese perfeita emissor (ativo)
>>> receptor (passivo) foi superada por algo totalmente novo, muito
sério, profundo e definitivo, denominado apropriadamente pelos teóricos de
Revolução Digital. E nada será como antes, profetizaram, definitivos, os rapazes
mineiros do “Clube da Esquina”.
O telefone celular, a internet,
conectaram as pessoas com a facilidade permitida pelas novas e surpreendentes
tecnologias de comunicação. E que não param de evoluir. E quem não evoluir,
aderindo à nova onda, vai ficando para trás.
Em resumo, o receptor de notícias
e informações deixou de ser a instância passiva dessas novas formas de conexão.
A interatividade tornou-se um dos elementos irreversíveis da Comunicação. Como
consequência, tornou-a mais democrática.
Essa revolução, como esperado,
provocou um choque nos conceitos e nos fundamentos das empresas de comunicação
que presumiam ter conseguido a forma perfeita – e definitiva – de controle da notícia, da arte de
transformar opiniões em fatos, criar verdades. Enfim, de manipular o seu
público de acordo com os seus interesses de lucro e acumulação.
Para onde caminha a humanidade
nestes tempos novos e surpreendentes? Como será a comunicação dessa nova era?
São perguntas que estão sendo
respondidas na vivência do dia-a-dia. Podemos ter, pelo menos, uma certeza,
(ou, que seja, uma nobre e democrática aspiração): não voltaremos aos tempos
obscuros do domínio incontrastável da mídia hegemônica.
Com a palavra os teóricos da
Comunicação. Os para sempre conectados militantes das chamadas mídias sociais.
E, claro, os estrategistas políticos. Essa luta apenas começa.
Créditos da foto: Reprodução
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12