RENATO ROVAI // http://www.brasil247.com/
Não é incomum políticos viverem
dramas pessoais nas suas trajetórias mesmo quando optam pelo caminho do meio.
Ulisses Guimarães, por exemplo, foi o principal nome do PMDB no período da
ditadura. E era nome certo pra disputar e ganhar a eleição presidencial se a
emenda Dante de Oliveira fosse aprovada no Congresso.
Nas eleições indiretas, porém,
Tancredo se impôs por seu perfil mais conservador e Ulisses teve de esperar até
1989 para ser candidato. Fez 4,75% dos votos válidos.
Em outubro de 1992, o avião de
Ulisses caiu no mar e seu corpo nunca mais foi encontrado. Mas seu sumiço
político já havia acontecido antes, naquele final de 1989, quando ficou em
sexto lugar tendo tido menos votos até que Guilherme Afif Domingues.
Ulisses de alguma forma foi
vítima de seu espírito conciliador e de sua fidelidade ao projeto político que
conduzia. Abriu mão de sua candidatura para Tancredo, quando poderia ter
imposto seu nome e buscado derrotar Paulo Maluf no Colégio Eleitoral. E com a
morte de Tancredo, bancou a sucessão com Sarney, quando havia quem defendesse
que ele substituísse o presidente que não havia tomado posse.
Com Lula a história é outra, mas
também tem relação com o seu espírito conciliador e fidelidade ao projeto. Lula
é um sindicalista em atividade política. A principal qualidade e o principal
defeito dos sindicalistas é que eles sempre buscam acordos.
O Brasil poderia ter se tornado
um país muito mais violento do ponto de vista político se a liderança de Lula
não tivesse se consolidado nos setores mais populares e de esquerda. Lula foi
quem deu esperança a esses segmentos de que as coisas poderiam mudar no voto e
que o país poderia se tornar mais justo com a eleição de pessoas comprometidas
com um programa de reformas.
Lula disputou quatro eleições para
ganhar a presidência da República e, ao vencer fazendo acordos, manteve não só
muitos deles como fez uma série de outros.
De alguma forma, eles permitiram
que realizasse dois governos muito bem avaliados e ao mesmo tempo que deixasse
de fazer uma série de coisas que poderiam mudar estruturalmente o país.
Mas Lula ainda poderia ter feito
como Fernando Henrique e mudado as regras do jogo no meio do seu mandato,
aprovando uma emenda que permitisse reeleições indefinidas.
Provavelmente ainda hoje seria
presidente da República.
Mas seu espírito conciliador o
levou de forma correta a não jogar fogo no país comprando uma briga
desnecessária.
Depois das grandes manifestações
de 2013, poderia ter dito a Dilma que era a hora de voltar. E seria ungido não
só pelo PT como candidato, como teria amplo apoio na sociedade. Não foram
poucos os empresários a ir ao seu Instituto lhe pedirem para aceitar o desafio.
Mas Lula não queria problemas com
Dilma. E achava que ela tinha o direito de disputar a reeleição. Aos mais
íntimos dizia que só havia uma chance de disputar em 2014, se Dilma lhe
pedisse.
Ou seja, por fidelidade,
manteve-se fora da última disputa presidencial.
Neste período em que atuou como
figura pública, ou seja, desde o final dos anos 70 até agora, Lula fez muita
coisa errada. Mas em geral errou mais por conciliar do que por botar fogo no
país, como alguns sugerem.
Errou mais por fidelidade do que
por traição.
Manteve, por exemplo, apoio à
família Sarney no Maranhão contra projetos muito melhores e com as quais tinha
mais identidade. Por fidelidade ao ex-presidente que não jogou contra seu
mandato no meio da crise do mensalão.
O fato é que sem Lula e sua
liderança o Brasil poderia estar vivendo hoje um momento mais Haíti do que
Espanha ou Portugal, por exemplo. A democracia brasileira tem problemas, mas
avançou muito neste período democrático. E isso também tem muito a ver com a
forma como Lula se comportou.
Isso não significa que Lula não
deve ser investigado e até ser condenado se praticou crimes. Mas execrá-lo e
persegui-lo não é um bom caminho.
O maior jornal diário do país
buscar provar, às custas da nota fiscal de um barquinho de 4 mil reais, que o o
ex-presidente é dono de uma fazenda e o governador do maior estado do país
tratá-lo por conta disso como líder de quadrilha, quando seu governo é
investigado por graves desvios em setores fundamentais como o do metrô e da
merenda escolar, é jogar álcool no incêndio.
Se Lula for condenado porque
cometeu crimes claramente comprovados, o país viverá um momento duro, mas dará
a volta por cima. E surgirão novas lideranças para defender e dar sentido aos
ideias que o líder petista representou por muitos anos.
Se Lula for preso com base em
conjecturas ou a partir de uma narrativa que reúne um barquinho de lata sem
motor, suposições a partir do depoimento de um zelador e mais uma montanha de
matérias de jornais que estão sendo questionadas judicialmente, o risco é
imenso (sobre isso, confira a resposta do Instituto Lula divulgada na noite de
ontem).
Isso poderá significar pra muita
gente que não há como conversar com certos setores e que só existe um caminho
para enfrentá-los, o da violência.
E isso não apenas para os que
hoje estão com Lula.
Mas para outros que estão
forjando suas lutas e que verão que mesmo um líder que sempre conversou com
todos os setores e buscou a conciliação se deu mal.
E esses terão essa lição como
guia para radicalizar seus discursos e suas ações.
Destruir Lula pode até satisfazer
a sanha por sangue de alguns, mas pode alimentar o desejo por sangue de outros.
Ninguém ganha nada com isso.
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