ROBERTO AMARAL // http://www.brasil247.com/
A operação golpista está em marcha e, agora, fortalecida
pelo apoio de extratos mais ricos da população, promovido e exposto pelos
grandes meios de comunicação, a televisão à frente de todos. Está mais clara e
mais explícita a opção protofascista, que se expressa na negação da política,
dos políticos, dos partidos, da via democrática, enfim. Coroando o festival de
aberrações, essa opção se faz ainda mais clara na recuperação do discurso
autoritário e, consequência, rescaldo seu, na opção pela intolerância que logo
transmuda para violência física covarde que muito nos lembra os pogroms dos
camisas pretas (coincidentemente ou não, um símbolo que ressurge) da infância
do hitlerismo e muito comum em todas as hipóteses de fascismo.
Nas ruas, sobre a crítica à politica econômica (afinal, não
estamos sob recessão em face de uma onda de desempregos?) destacou-se o
discurso moralista e punitivo ao lado de aplausos às mais grotescas
representações do atraso. Fundem-se a espetacularização das operações da Lava
Jato com a campanha generalizada contra os políticos — que, resumidamente e
simplificadamente, 'representam tudo o que de mal está aí'.
Destaca-se, em contrapartida, a louvação ao
"juiz-investigador-promotor-superestar", o que por um lado reforça o
apreço por uma solução "extra-política", até mágica, para o que seria
o principal problema do país (a corrupção), e por outro põe de manifesto uma
disputa, por parte da direita, pela narrativa da "Lava Jato": ela
deve ser entendida, segundo ela direita, fundamentalmente, como um expurgo do
PT e da esquerda (aqui reduzidos a representantes da política e dos partidos,
abjurados), e não como uma necessária ação de combate à corrupção, doa a quem
doer. Daí as denúncias seletivas, os processos seletivos, as delações
seletivas, os grampos seletivos, os vazamentos seletivos. O resultado é quase
sempre o vazio político e como política e vazio são categorias antípodas, esse
vazio é logo preenchido, como se vê na História.
Recentemente a Itália das 'Mãos limpas' herdou Berlusconi e
nós mesmos, como fruto da campanha contra os marajás, tão bem levada a cabo
pelo sistema Globo, tivemos que conviver, sem merecê-la, com a experiência
Collor. Em função do desdobrar da crise podemos, ao final da linha, já
proximamente ou em 2018, enfrentar a possibilidade de eleição de um out sider
que poderá chamar-se Moro.
A tragédia brasileira caminha sob o silêncio respeitoso de
liberais e democratas que amanhã, se o passado se antepuser ao futuro,
amargarão o erro da omissão, como os que choraram em 1964 as picadas da
serpente que haviam irresponsavelmente cevado. Inebriados pelo moralismo
lacerdista e pela unanimidade da imprensa de então, os liberais terminaram,
pensando estar defendendo a legalidade constitucional supostamente 'ameaçada pelas
reformas de base propostas por Jango', quando de fato estavam abraçando um
golpe de Estado cujo primeiro ato foi a revogação da própria Constituição e a
implantação de uma ditadura que nos atazanaria por longos 20 anos. E para não
fugir à regra, devorando seus principais arautos.
Trata-se, o que estamos a ver e lamentar, hoje, de ação
consabidamente concertada, com inequívocos apoios externos, assim como se viu
nas revoluções coloridas e na primavera árabe, que reúne meios de comunicação
de massa liderados pelo sistema Globo, de vasta experiência golpista, setores
protofascistas da direita parlamentar, e as corporações dissidentes da alta
burocracia estatal, setores do Ministério Público federal, Ministério Público
paulista, polícia federal e o Poder Judiciário, representado por um juiz de
primeira instância titular da 13ª vara federal do município de Curitiba, que
exerce, com apoio de instâncias superiores e aplausos corporativos, inédita
jurisdição nacional.
Por sinal, o mais recente ato desse juiz é peça
essencialmente política, produzida exatamente para interferir na política,
agravando a crise, crise que é buscadamente agravada, por ele e seus acólitos,
a cada dia, exatamente para destruir a política, implantar o caos que traz
consigo o apelo à Ordem, que é, sempre, o pretexto para a derruição da
democracia. É, desta feita, o golpe de Estado de novo tipo, em franca vigência
em nosso país, pois já vivemos sob as penas do direito da exceção, quando a lei
cede seu império à materialização do Estado de fato que substitui o Estado de
direito democrático. Se a ação não matou a filosofia, como anunciou Mussolini,
o direito de exceção aqui criou o estado de fato, gerido por fora das
instâncias constituídas pela soberania popular, as únicas legítimas na democracia
representativa e em qualquer modelo de direito democrático.
No curso de uma história de grampos telefônicos não
suficientemente explicada, o juiz Moro decide, no exato momento do anúncio da
nomeação do ex-presidente Lula para a chefia da Casa Civil da presidência da
República, tornar públicas interceptações e diálogos telefônicos obtidas
mediante discutível legalidade, ignorando, que, por lei, o seu conteúdo deve
ser mantido sob sigilo. Informado, tempestivamente, de que a interceptação
gravara diálogo do ex-presidente com a presidente Dilma, e gravara após o
próprio juiz haver mandado interromper a escuta, o juiz, sendo magistrado e não
parte, deveria enviar a peça ao STF, mas o que fez foi entregar a gravação para
a rede de televisão de que se fez colaborador fático. Essa divulgação é por si
só um ato politico e não jurídico (como políticos são os 'votos' e Gilmar
Mendes no STF) de claros objetivos políticos, perseguidos com evidente abuso de
autoridade. Para atender a seus ímpetos facciosos ignorou a disposição legal
que manda que "A gravação que não interessar à prova será
inutilizada". Ora quase toda a gravação era irrelevante para o feito, mas
foram trazidas a público para criar dificuldades pessoais a Lula, tentando
indispô-lo com políticos e autoridades judiciais.
Fruto do abuso de direito, o ato do juiz-investigador
despido da toga de magistrado-julgador é ato político, pelo fato em si, pelo
conteúdo e pela oportunidade escolhida. Como que imbuído de paixão messiânica,
o juiz de primeira instância Sérgio Moro rasgou a fantasia e assumiu, sem
disfarces, o duvidoso papel de salvador da pátria. Serve, hoje (muito embora o
lamente publicamente), ao ódio e à intolerância que explodem nas ruas, pelos
quais não se sente responsável, como não se sente responsável pelos seus atos,
cujas consequências politicas, econômicas, sociais não mede.
E não está só. Outro juiz federal que, diante da omissão
conivente do Conselho Federal da Magistratura faz de sua presença no facebook uma
tribuna partidária antigoverno, concede liminar em mandado de segurança que
visava a impedir a posse de Lula na Casa Civil.
O discurso da direita foi ampliado, não se limitando à
rejeição à presidente Dilma e ao PT. Os últimos protestos e os atos praticados
por agentes do Judiciário atingiram igualmente a imagem de Lula.
Por que a ofensiva contra Lula?
Com Lula no governo, o poder que parecia vazio revelar-se-ia
ocupado; o governo que parecia sem rumo passaria a ter um timoneiro e a
política sem estratégia passaria a dispor de um articulador trazendo à
sociedade a sensação de segurança. Foi tudo isso que o juiz curitibano – gora
com a colaboração de seu colega brasilense– intentou impedir
Por que a ofensiva contra Lula?
Porque ele é, hoje, a principal liderança de que dispõem as
forças populares a) para a reaglutinação das esquerdas e b) para uma possível
disputa eleitoral, como consequência seja de eventual cassação dos mandatos de
Dilma e Temer, seja para as eleições de 2018. É inimigo que precisa ser
abatido.
Esse quadro reforça o que tenho dito com insistência: o
projeto em curso não se limitará à eventual deposição de Dilma, pois, trata-se,
através de golpe de Estado de novo tipo, da captura do Estado, sem voto, para
implantar um governo politicamente autoritário, socialmente regressivo e
economicamente neoliberal-ortodoxo, pró-EUA, com as consequências que não
precisam ser explicitadas.
Enganam-se os que veem nesse concerto de episódios uma só
tentativa de surrupiar o mandato legítimo da presidente da República. Insisto:
há um golpe de implantação em marcha, cujo objetivo vai além da anunciada troca
de guarda: pretende mudar o eixo da economia e da política, completando o
processo de privatização das grandes agências estatais como o Banco do Brasil e
a Caixa Econômica. Amesquinhará o papel desenvolvimentista do BNDES e fatiará a
Petrobrás para que seja entregue aos grupos multinacionais, na bacia das almas.
Em qualquer hipótese deixará ela de desempenhar o atual e essencial papel de
âncora do desenvolvimento industrial brasileiro.
A independência do Banco Central garantirá segurança
absoluta ao capital financeiro, e o sangramento do povo, com juros extorsivos.
O novo eixo trará consigo o abandono do Mercosul e de iniciativas correlatas e
nossa submissão a qualquer alternativa do tipo ALCA e sepultará os BRICS. Na
política externa renunciaremos a qualquer papel de liderança e retornaremos aos
tempos de FHC de alinhamento automático aos interesses estratégicos dos EUA.
Renunciaremos a qualquer tipo de soberania, mas especialmente renunciaremos a
qualquer forma de programa nuclear e aeroespacial. O Estado, livre da emergência
das massas, renunciará a quaisquer políticas de compensação social e levará a
extremos a flexibilização das relações de trabalho.
O neoliberalismo, por necessidade de sua lógica, implicará a
acentuação da recessão associada a juros altos, donde a queda maior do PIB e o
aumento do desemprego, os ingredientes perfeitos da crise social, que demandará
a repressão aos movimentos sindicais e populares, pois que reagirão a essa
política.
O que está em jogo é uma visão de mundo, o que está em
disputa é, de um lado, a defesa de um estado desenvolvimentista, social e
democrático, com inserção soberana em um mundo que quer ser multipolar, e de
outro o estado neoliberal necessariamente autoritário, antipopular e
antinacional, submetido ao jugo dos nossos irmãos do Norte.
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