A condição de existência da corrupção é um acerto entre donos de empresas privadas e agentes públicos que possuem laços de confiança.
Renato Dagnino // www.cartamaior.com.br
Em troca do imposto que pagamos (36% do PIB), o Estado nos proporciona bens e serviços (educação, saúde, água, comunicação, energia...).
Muitos deles chegam até nós mediante compras públicas, estimadas em nosso caso entre 14 a 20% do PIB.
Elas se distribuem por esfera de governo, entre União (60%), Estados (20%) e Munícipios (20%); e por tipo de despesa, entre custeio (70%) e capital (30%).
Qualquer pessoa sabe que as compras públicas são em todo o mundo um espaço privilegiado para o superfaturamento do que vendem as empresas privadas e sua contrapartida: a corrupção (recebimento pelos dirigentes e funcionários públicos de parte do superfaturamento).
E sabe também que, quanto mais altos o volume da compra pública e o lucro normal praticado no setor de atividade correspondente, maior será o valor “aceitável” (inclusive em termos relativos) do superfaturamento.
Nossas empresas estatais e de economia mista compram mais de 7% do PIB (e a Petrobras, sozinha, mais de 5%) de grandes empresas privadas que fornecem os insumos necessários para produzir os bens e serviços (relacionados principalmente à infraestrutura) que recebemos em troca de nosso imposto.
É por isso que aqui como nos países de capitalismo avançado (muitos dos quais mais afetados que nós pela corrupção) são nessas transações onde ela mais aparece.
O que não quer dizer, e todos sabemos disso, que ela não seja frequente no resto das compras públicas, como atestam casos envolvendo empresas menores como o, recente, da merenda escolar.
Sabemos, também, que a condição de existência da corrupção é um acerto entre donos de empresas privadas e agentes públicos com os quais, por pertencerem ao mesmo extrato mais rico da sociedade, eles possuem afinidades ou laços de confiança (camaradagem, parentesco, etc.).
E que essa característica, embora mais acentuada nas sociedades periféricas e contaminadas pelo patrimonialismo, é estrutural e inerente ao capitalismo. Até mesmo as atípicas coalizões de governo em que seus integrantes não provêm desse extrato têm tido dificuldade em alterá-la.
Chegado a esse ponto apresento as duas questões que motivaram o que escrevi e que remetem ao que temos que fazer no médio prazo para termos um país melhor.
A primeira tem a ver com o elevado lucro que aquelas grandes empresas privadas e estatais se apropriam e que permite o superfaturamento. Sua origem é o trabalho de pessoas que a jusante e a montante operam as cadeias produtivas que elas lideram e que poderiam, sob outra forma de organização do processo de trabalho, gerar mais renda para si e mais benefícios para a sociedade.
A segunda questão se coloca como uma possibilidade de encaminhar uma solução para a primeira. Caso as diferentes esferas de governo orientassem a parcela do seu gasto passível de ser atendida por cooperativas e empreendimentos solidários (onde aqueles laços são menos frequentes), como já ocorre com a compra da agricultura familiar dos alimentos para a merenda escolar, não poderíamos diminuir a corrupção?
Daqueles 14 a 20% do PIB que representam as compras públicas, quanto poderia ser adquirido desses empreendimentos? Caso isso fosse feito não poderia ser menor o preço pago pelos governos? Não seria mais vantajosa a relação custo-benefício social envolvida? Não seria mais viável coibir a sonegação perpetrada pelas empresas, avaliada em 10% do PIB (cinco vezes mais do que, estima a FIESP, seja a corrupção)?
Créditos da foto: reprodução
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