O grito oficial era 'Não vai ter golpe', mas críticas à cobertura jornalística foram expostas em cartazes, camisetas e discursos dos participantes.
Naira Hofmeister // www.cartamaior.com.br
A terceira manifestação contrária ao impeachment em Porto Alegre neste mês de março – e a maior delas até agora – reuniu dezenas de milhares de pessoas na Esquina Democrática, no Centro Histórico da capital gaúcha.
O grito de guerra oficial era “Não vai ter golpe”, que atualizou o breque para “e já tem luta”, sinalizando que o bloco está na rua para defender o mandato de Dilma Rousseff e não pretende arredar o pé.
E apesar das críticas à Justiça ou ao Congresso Nacional, o maior alvo entre os manifestantes foi a imprensa. Palavras de ordem – como a já bastante conhecida “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo” – se somaram a faixas que estampavam dizeres como “Mídia golpista” ou camisetas onde se via o logotipo da emissora ilustrando a frase “Sorria, você está sendo manipulado”.
Afiliada da Globo no Rio Grande do Sul, a RBS não foi poupada, especialmente porque tem seu nome envolvido na Operação Zelotes, que investiga casos de sonegação que atingem R$ 19 bilhões. A fraude no pagamento de impostos apareceu em cartazes e nas falas dos manifestantes.
“Focam denúncias na corrupção do governo – que é prática ruim e não pode acontecer – mas isso é migalha perto do que sonegam de impostos”, comparou o professor universitário Antonio Cattani, 64 anos.
A reportagem de Carta Maior entrevistou 16 pessoas na passeata; 13 delas condenaram a cobertura jornalística que a “imprensa hegemônica” tem feito sobre a política e sobre os protestos.
Em todos os casos, o assunto emergiu espontaneamente do entrevistado – fosse ele um calejado agricultor de 61 anos ou amigas adolescentes vestindo shortinho.
“Na minha sala tem uma guria que só repete o que vê no Jornal Nacional, que a corrupção é do PT, quando a gente vê na lista da Odebrecht que tem todos os partidos no meio”, se queixou Vitoria Silveira, 14 anos, olhos azuis, rosto pintado de vermelho e visual ao estilo do movimento anchietano que ficou famoso no Brasil ao lançar a hashtag #vaitershortinhosim.
“Se a Dilma sair, não vamos mais ver nas notícias a corrupção, mas ela vai seguir acontecendo”, complementou.
Ela e as amigas se divertiram no protesto defendendo “o nosso direito ao futuro”, conforme Joana Fernandes, 15 anos. Era um elogio às políticas de cotas, à ampliação do acesso à universidade, bandeiras “classe média baixa” como elas mesmas se definiram.
Argumento em parte utilizado minutos antes pelo militante do MST Eduardo de Oliveira Corrêa. “É que a Globo não gosta de pobre e esse governo fez muito pelos pobres. Fez muito pelos ricos também, mas eles não reconhecem”, explicava o agricultor de fala humilde.
Acampado há dois anos em Encruzilhada do Sul, ele defende o governo porque “levou luz até para as vacas dos galpões” e embora admita que a reforma agrária não foi lá essas coisas, entende que os programas sociais são uma vitória a ser defendida com unhas e dentes.
“Eu vou te explicar: se tu tem uma couve para comer, mas não tem o sal para dar um gosto melhor, cobrar a reforma agrária não é a primeira coisa que tu vai fazer”, observou.
Carregando uma faixa com os dizeres “RBS mente”, o estudante Erico Neves, 24 anos aponta o desequilíbrio na cobertura da imprensa sobre os protestos como uma das razões de sua insatisfação. “Tem um discurso de que são imparciais, mas fazem matérias sensacionalistas”, acusa, apontando erros de edição em matérias ou a falta de espaços para os movimentos sociais.
Outro jovem que foi ao ato com um cartaz crítico à mídia, Yannick Castagna se informa por “sites eletrônicos alternativos”, mas acredita que mesmo quando se trata de veículos progressistas, o cidadão precisa ter senso crítico sobre a imprensa. “A cobertura pode ser tendenciosa em qualquer caso, é importante que o leitor questione e seja capaz de separar o que é importante e o que é secundário”, defendeu.
Críticos ao governo, mas em defesa do mandato
Talvez uma das críticas à imprensa que os manifestantes possuam é que eles são usualmente qualificados como “defensores do governo”, o que, pelo menos neste dia 31 de março de 2016 não era uma unanimidade.
Pelo contrário, a maioria dos entrevistados de Carta Maior tecia críticas à política econômica adotada pelo governo Dilma Rousseff, à lógica de alianças e inclusive à corrupção.
“O PT entrou nesse sistema podre e fez o jogo, mas não acho que a presidente esteja envolvida, não há qualquer prova contra ela”, defendeu o advogado Luiz Portinho, 42 anos, que subiu e desceu as ladeiras da Borges de Medeiros em uma cadeira de rodas incendiado pela postura da OAB a favor da interrupção do mandato presidencial.
Para a artista plástica Zorávia Bettiol, ícone da cultura porto-alegrense, o problema é o PMDB. “Como esse governo pode ser bom se foi solapado pela ambição do Temer de ser presidente e do Eduardo Cunha de ser vice”, questionou.
Na manifestação era possível encontrar até mesmo pessoas que não votaram em Dilma, caso do professor universitário Caleb Alves. “Não defendo este governo, mas apoio a sua continuidade”, explicou o docente, justificando o posicionamento com argumentos jurídicos.
Ele faz parte de uma mobilização de docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul que vem promovendo debates sobre o atual momento político. “A universidade precisa exercer o seu papel. É um espaço plural com muito conhecimento sobre questões jurídicas e econômicas que devem ser expostas para ajudar na compreensão da sociedade”, observou.
Créditos da foto: Caco Argemi
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