quinta-feira, 7 de julho de 2016

Magali Cunha: 'Precisamos ocupar e humanizar as redes'

Segundo pesquisadora, redes sociais como o Facebook fazem com que não haja mais impedimentos para a exposição pública de preconceitos e de ódios.

Tatiana Carlotti // www.cartamaior.com.br

No último sábado, 2 de julho, o Fórum 21 promoveu o seminário “A Metafísica do Neoliberalismo e a Crise de Valores no Mundo”, debatendo o proselitismo na comunicação e as características religiosas do neoliberalismo. Participaram do debate os professores da Universidade Metodista, Magali Cunha (Comunicação) e Jung Mo Sung (Ciências da Religião).
Primeiro de uma série de debates sobre o neoliberalismo, o seminário contou com uma importante reflexão sobre o lugar das mídias hoje e o proselitismo do Mercado nas Comunicações. Com explica a professora Magali Cunha, “o mercado depende das mídias e das tecnologias de comunicação e informação para manter seus propósitos”. 

Destacando o proselitismo na mídia no apoio e sustentação da lógica do mercado, ela citou a predominância dos padrões anglo-saxões na construção das notícias, do formato, da linguagem e da estética do entretenimento e, também, a construção do imaginário em torno de dicotomias de bem/mal, inteligente/ignorante, bonito/feio, bem-sucedido/fracassado, justo/ injusto, quem tem voz/ quem não tem, deus/ diabo nos discursos veiculados.

“Esses discursos se constroem a partir de imaginários que circulam entre nós e dos quais as mídias se alimentam”, apontou, lembrando que “mídia é gente – jornalistas, produtores, artistas, publicitários, operadores de sistemas – que se alimenta desses padrões e os devolve de forma significada ao seu público.

Padrões reforçados

Exemplos desse imaginário não faltam. Ela relatou, por exemplo, sua dificuldade em achar no Google, a imagem de uma mão negra digitando em um computador “Só tem gente branca, para conseguir uma mão negra, tive de escrever ´mão negra no computador´ e encontrei apenas uma”, revela. 

Outro exemplo destacado foi a instituição da pena de morte como algo natural nas telenovelas brasileiras. “Os vilões e as vilãs sempre morrem no final. Este é um valor muito inserido no programa de entretenimento”. 

“A pena de morte, aliás, está aí para valer. Basta ver as estatísticas das polícias militares em todas as grandes regiões do Brasil, fora o que não está contabilizado nas regiões menores”, complementou, lembrando dos programas apresentados por José Luiz Datena ou Marcelo Resende, “um jornalismo que diz o cidadão merece receber pelos crimes que praticou”.

Segundo a professora, nas mídias, os produtos são produzidos pelo mercado e, também, destinados ao mercado, demandando “um público consumidor e um patrocínio para serem produzidos”. Esse processo se dá entre pessoas - tanto as que produzem, quanto as que consomem - que têm seus valores e dentro de um contexto cultural, político, econômico, religioso etc. 

É em meio a essa troca que surge o discurso. Um discurso, destaca, que não é imposto, mas construído, aceito e assimilado pela maioria, alimentando-se justamente desse imaginário, crenças e valores que existem na sociedade. Trata-se, portanto, de um discurso “manipulado para ser assimilado e aceito naturalmente como opção, e não como imposição”.

Um exemplo é a prevalência da Rede Globo nas televisões de bares, restaurantes, salas de espera... Ao questionar os donos desses estabelecimentos sobre a presença da emissora, a resposta é sempre a mesma: “é o canal que todo mundo vê”. “Isso é hegemonia porque é aceito. Não tem coerção”. Essa lógica, frisa, “passa pelo desejo e pela vontade construídos pelos discursos. As pessoas querem participar daquilo que todos participam”. 

Alertando para a falácia de se imaginar o público consumidor como uma massa passiva, ela destacou a presença da mídia contra hegemônica. “Vivemos diferentes sistemas ao mesmo tempo com as chamadas mídias tradicionais de massa (televisão, rádio, jornal, revista) e as mídias convergentes ou mídias em rede, cada vez mais populares”, apontou.

Números

Hoje, no Brasil, 94% dos brasileiros assistem à TV aberta todos os dias e apenas 37% à TV fechada. Em relação ao rádio, 79% dos brasileiros ouvem rádio e 69,2% o fazem todos os dias. “O rádio não vai acabar porque temos uma forte cultura da oralidade no Brasil”, destaca.

Já em relação às mídias em rede, 21% das casas estão conectadas à internet, sendo que 54,4% das pessoas com mais de 10 anos permanecem, pelo menos cinco horas por dia, conectados na internet, tempo superior à média de quatro e horas e meia diante da TV. 

Nas redes, aponta Magali, a grande audiência está nas mídias sociais: 92% se conectam por meio de mídias sociais, principalmente o Facebook (83%), Whatsapp (58%) e Youtube (17%)”. 

Resultado: 

É cada vez menor o número de pessoas que leem jornais (43%) ou revistas (24%). 

O poder das manchetes

Ela também chama a atenção para o poder das manchetes e capas de revistas nas bancas de jornais, destacando a força desse conteúdo no imaginário das pessoas que apenas leem essas chamadas. “Ainda que não se compre o jornal ou a revista para ler, as capas e manchetes afetam muito porque muita gente não compra, mas fica com aquela informação e a reproduz”.

As pessoas buscam informação e entretenimento nas mídias, sendo que na TV e no rádio a busca por informação supera à de entretenimento. Nas redes, a equação se equilibra. Segundo a professora, nessa nova dinâmica cultural, todos estão sempre mediados pela mídia, em especial, as digitais. “Cada vez mais passamos o tempo na frente de uma tela”. 

Lembrando que antes das telas, havia um público interativo e muito ativo – a plateia dos circos e teatros que aplaudiam, vaiavam e jogavam flores ou tomates e ovos quando descontentes – Magali apontou como as mídias de massa inauguraram as audiências passivas, sem possibilidade de contestarem às mensagens recebidas. 

“O controle remoto foi o primeiro sinal de protesto, depois surgiram os programas de TV interativa, com a participação pelo telefone, assim, como existia no rádio”, destaca. Com a internet, porém, a manifestação se amplia muito fortemente. “A seleção é mais concreta, a reação imediata, o público comenta, reproduz, reelabora e elabora seus próprios conteúdos. Daí a forte transformação que estamos vivendo com as mídias digitais”, aponta.

Por outro lado, destacou, vivemos um momento de exacerbação do individualismo, onde as pessoas se “sentem à vontade para se expor de forma crua: ´digo o que penso´, ´sou o que sou´”. Em sua avaliação, diante deste comportamento, “não há mais impedimentos para a exposição pública de preconceitos e de ódios”, como vemos todos os dias nas redes.

Convergir para dominar

Magali também alerta para a captura pelas mídias tradicionais do conteúdo produzido por esse consumidor-produtor nas redes sociais, tornando-o, em poucas horas, uma celebridade relâmpago. “Como mídia é mercado, tudo acaba sendo utilizado, apropriado e devolvido na forma de mercado. A lógica convergir para dominar”.

E quem domina? O poder dos grandes conglomerados de mídia no Brasil e no Mundo. Ela questiona: “a quais países estão ligadas as empresas que controlam o sistema mundial de comunicação?”, citando Time Warner, Walt Disney, Viacom, Rupert Murdoch, CBS Corporation, NBC Universal. 

E mais: “qual a origem e interesses dos grupos que controlam o mercado da comunicação no Brasil?”, lembrando os cinco grupos midiáticos - Globo, Record, Abril-UOL, Folha e Bandeirantes - que dominam 82,5% da audiência. 

“O poder que marca a indústria da comunicação reflete o poder imperial político econômico e cultural estabelecido no mundo”, afirma. 

No entanto, a audiência não é unânime, nem homogênea. “Diante da mensagem operada pela mídia, uma parte negocia o significado dominante e outra o rejeita”, reagindo, justamente, à lógica do mercado. Segundo Magali, os estudos na área de comunicação vêm ressaltando, desde os anos 80, essas mediações. 

“A manipulação de sentidos não necessariamente significa manipulação das pessoas e do público. Há efeitos de sentido que dependem dessas mediações. Lula ganhou em 2002 a despeito de todas as mídias, assim como Dilma em 2014”, exemplificou. “O alternativo sempre existiu e agora ganhou uma forte visibilidade”.

Ocupar as redes

Segundo a professora Magali Cunha diante desse domínio, a saída passa, fundamentalmente, pela democratização da comunicação e pela humanização das mídias convergentes. 

“Não podemos abandonar a bandeira da democratização da mídia. Ela é necessária e urgente, pois reforça as propostas alternativas e dá visibilidade aos grupos alternativos e contra hegemônicos. Eles precisam ser vistos”, apontou.

Ao mesmo tempo, é preciso humanizar as mídias convergentes: “precisamos estar lá e trazer novos conteúdos, abrindo novas expectativas e contemplando diferentes leituras e percepções”. 

Ela também alertou para a urgência de se abandonar a posição de “ilustrados” que afirma sobre o público consumidor: ´coitados, eles estão manipulados e eu não estou´. 

“Não é assim, nós precisamos entender as várias leituras e aprender com elas. Daí a campanha ´humaniza rede´ e eu lanço outra aqui ´ocupa a rede´. Vamos ocupar e humanizar as redes”.

Confira abaixo a apresentação da professora Magali Cunha, autora de “O rosto ecumênico de Deus. Reflexões sobre ecumenismo e paz (Fonte Editorial, 2013), “A explosão gospel. Um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil” (Mauad, 2007), e editora do site Mídia, Religião e Política.






Créditos da foto: Matt Hebrona

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