A eleição do presidente da Câmara dos Deputados para o período remanescente até fevereiro de 2017, em decorrência da renúncia de Eduardo Cunha, foi um dos episódios mais deprimentes da vida política brasileira.
A disputa foi decidida entre partidos e lideranças de direita, agrupamentos golpistas que derrubaram a presidenta Dilma: as candidaturas de Rodrigo Maia, o vencedor, e Rogério Rosso, fragorosamente derrotado.
Rosso é umbilicalmente ligado a Eduardo Cunha, candidatou-se a seu serviço, escolhido por encomenda para cumprir a missão de evitar sua cassação. Foi o candidato preferido do Planalto, no quadro de relações promíscuas do ex-presidente da Câmara com o usurpador Temer. Sua eleição serviria também ao propósito de unir o setor mais fisiológico e corrupto da base política do governo, torná-lo hegemônico e manter tanto o Executivo como o Legislativo como instrumentos de tenebrosas transações, o que é a expressão mais acabada da degenerescência das instituições políticas do país.
Sendo fruto de uma confrontação entre duas formações golpistas, a eleição de Rodrigo Maia à presidência da Câmara tem o efeito colateral de jogar uma pá de cal no até agora insepulto cadáver político de Eduardo Cunha. Sua derrocada significa a extirpação de um grave cancro da vida política nacional, a defenestração de uma nefasta figura que se notabilizou pela truculência, as posições antidemocráticas e antinacionais, o fisiologismo e a corrupção. Finalmente, Cunha caiu, não escapa da cassação e provavelmente da condenação judicial e da prisão. É carta fora do baralho. Fez o serviço sujo de comandar a deposição da presidenta Dilma. Termina os seus dias pavimentando o caminho para o DEM e o PSDB assumirem plenamente o poder.
Mas a desgraça de Cunha não significa que a eleição de Rodrigo Maia resultará em avanços democráticos, ou somará pontos para a acumulação tática e estratégica das forças da esquerda no processo longo, tortuoso e penoso que deverá trilhar para recuperar posições. Assim como Cunha e Rosso, Maia foi um dos mais virulentos líderes da empreitada golpista que levou ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Protagonizou memoráveis embates em que atacou o governo de Lula e Dilma, o PT, o PCdoB e outras formações progressistas. As palavras que endereçou a lideranças da esquerda no seu desconchavado discurso de posse na madrugada desta quinta-feira são demagógicas, falsas, farisaicas. É um anticomunista rematado, suas intervenções na tribuna da Câmara são pontilhadas de ataques aos partidos de esquerda e suas mais relevantes lideranças.
Rodrigo Maia é um direitista a caráter, líder do velho PFL, travestido em DEM, o partido remanescente da ditadura, que deu suporte, ao lado do PSDB, ao governo neoliberal, entreguista e conservador de Fernando Henrique Cardoso. O partido cuja gênese é o famigerado "Centrão" da Constituinte de 1987/1988, que tentou frear as conquistas democráticas e populares na Carta Magna.
Rodrigo Maia foi eleito como representante do bloco DEM-PSDB-PPS-PSB, a nova direita orgânica do espectro político partidário, núcleo duro da campanha do impeachment e portador de uma plataforma de contrarreformas, de políticas regressivas, antinacionais e antissociais. A sua vitória na eleição da Câmara está sendo comemorada pelos mais empedernidos defensores do neoliberalismo na mídia monopolista, sob o comando do sistema Globo, e pelos agentes do capital financeiro. Ainda que o governo Temer preferisse Rosso, a unção de Maia servirá de base para solidificar junto ao governo golpista as posições da principal força estruturante da nova direita, o PSDB. O acordo foi sacramentado em jantar no Jaburu entre o presidente usurpador Michel Temer e o líder do PSDB Aécio Neves dias antes da eleição da Câmara. Na véspera da eleição da Câmara, o senador mineiro anunciava seu apoio entusiástico a Maia, enquanto emissários do Planalto declaravam que o empenho do governo golpista era fazer com que o segundo turno ficasse entre Rosso e Maia, ambos da base do governo golpista. Maia tem compromisso explícito com o projeto antidemocrático, antipopular e antinacional do governo golpista de Michel Temer. Em sua primeira entrevista coletiva, anunciou que dará curso à pauta antipopular desse governo.
A esquerda sofreu dura derrota na eleição da presidência da Câmara, agravada pela orientação confusa e errática que adotou, e por suas profundas divisões. Precisa extrair todas as lições do novo momento político nacional, o que parte da compreensão de que a direita, mesmo com suas divisões, monopoliza os principais polos do poder nacional. Não será percorrendo atalhos que se recuperará do golpe que a direita infligiu com o golpe do impeachment.
Num momento de ofensiva brutal das forças conservadoras para liquidar direitos sociais e a soberania nacional, impõe-se uma tenaz resistência, a unidade e a luta política de massas. A esquerda precisa urgentemente reaprender a fazer oposição às classes dominantes e seus partidos, recompor suas forças e construir uma política de alianças ampla, das forças democráticas, populares, patrióticas e progressistas, com nitidez programática.
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