Como o general Etchegoyen, Raul Jungmann e Alexandre Moraes coordenam a tentativa de calar protestos populares contra programa ultraconservador do presidente
Por Fernando Marcelino // http://outraspalavras.net/
O governo Temer inicia um novo capítulo na história do Brasil. Mais uma vez, as mesmas forças que mataram Getúlio e derrubaram Jango agora aplicaram um golpe de Estado contra Dilma via impeachment.
Uma articulação que conta com o apoio decisivo dos Estados Unidos, operacionalizado por Michel Temer, setores reacionários do Congresso Nacional, do Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal, Tribunal de Contas e entidades empresariais, contando com a mão amiga de diversos órgãos de mídia – sob o comando da Globo, Estadão, Folha de São Paulo e outros jornais, revistas e mídias digitais – visando construir uma narrativa de normalidade do funcionamento das instituições. Um verdadeiro golpe institucional.
Temer falou que fará um governo de “salvação nacional” sob o lema “ordem e progresso”.
O ministério nomeado por Temer já deixa a entender porque veio. Muitos são membros de oligarquias familiares, como na República Velha. Além de não ter nomeado nenhuma mulher ou negro, o “novo governo” é recheado de investigados pela Justiça e até mesmo condenados por crimes como improbidade administrativa e desvio de recursos públicos. Dois são investigados e sete citados no âmbito da Operação Lava-Jato. O próprio Temer também foi considerado inelegível pelos próximos oito anos, por decisão da Procuradoria Eleitoral de São Paulo, por doação de campanha acima do limite legal. Não é a toa que uma das primeiras medidas do governo Temer foi diluir a Controladoria-Geral da União (CGU) para que o órgão perca cada vez mais o poder de fiscalizar e auditar instituições do governo federal.
Além do caráter corrupto, o presidente Michel Temer vai tirar do papel a proposta de vender empresas na área de infraestrutura para alavancar o caixa do governo. “A ordem é privatizar ou conceder tudo o que for possível na área de infraestrutura”, confirmou o ministro dos Transportes, Maurício Quintella Lessa, minutos após tomar posse. Também estão na lista para privatização Petrobrás, Eletrobrás, Caixa Econômica, Banco do Brasil, Correios, Casa da Moeda, Infraero, BNDESPar, Embrapa, entre outras empresas estatais. Até o ensino médio deverá ser totalmente privatizado, assim como o ensino superior.
Com a posse de Temer como presidente, está colocada de maneira aguda o impasse entre a força dos golpistas e sua ilegitimidade democrática. Neste período de transição, o governo Temer precisa avançar com máxima velocidade para legitimar-se e neutralizar as forças que podem ser opor ao governo. Por isso, o governo Temer fará de tudo para impedir a reunião de forças políticas e das massas, ou parte delas, contra o novo governo.
Alexandre de Moraes Foto: Edson Lopes Jr./A2 FOTOGRAFIA
Alexandre de Moraes no Ministério da Justiça e Cidadania
Para tentar implementar seu programa privatista e corrupto sob um forte déficit de legitimidade e desconfiança geral, o Governo Temer precisará de uma repressão física em ampla escala. Em seu Ministério, Temer formou um triunvirato da repressão com Alexandre Moraes na Justiça, Raul Jungmann na Defesa e Sérgio Etchgoyen no novo SNI/ABIN.
O escolhido para o Ministério da Justiça e Cidadania, a quem ficará subordinada a Polícia Federal, é o truculento Alexandre de Moraes, que coleciona ações arbitrárias em série. Ele já foi secretário de Justiça de Geraldo Alckimin (PSDB) e secretário do ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD). Iniciou sua carreira como promotor de Justiça no Ministério Público de São Paulo em 1991, cargo que exerceu até 2002. Entre 2007 e 2010, durante a gestão de Kassab, Moraes foi secretário municipal dos Transportes e de Serviços e chefe da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e da SPTrans. De agosto de 2004 a maio de 2005, também acumulou a presidência da antiga Febem, hoje Fundação Casa. Moraes se filiou ao PSDB no final de 2015.
No fim de 2014, pouco antes de assumir a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, o novo ministro da Justiça pouco defendeu Eduardo Cunha, presidente afastado da Câmara dos Deputados, em uma ação sobre uso de documento falso em que conseguiu a absolvição do peemedebista.
Em 2015, reportagem do “Estado de S. Paulo” afirmou que Alexandre constava no Tribunal de Justiça de São Paulo como advogado em pelo menos 123 processos da área civil da Transcooper. A cooperativa é uma das cinco empresas e associações que está presente em uma investigação que trilha movimentações de lavagem de dinheiro e corrupção engendrado pela organização criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).
Em 2015, durante sua gestão, a polícia paulista foi responsável por uma em cada quatro pessoas assassinada na cidade de São Paulo, a maior taxa já registrada, segundo levantamento do SPTV. Os dados indicaram ainda que as mortes classificadas como confronto entre suspeitos e policiais militares de folga aumentaram 61%.
Em janeiro deste ano, um protesto realizado pelo MPL (Movimento Passe Livre) contra aumento de tarifas foi reprimido de forma ostensiva, o que reservou ao papel de Alexandre uma repercussão negativa diante da opinião pública. Sob sua gestão na secretaria foram utilizados, pela primeira vez, blindados israelenses para enfrentar manifestações.
Mais recentemente ele deu ordens para a PM invadir ilegalmente – isto é, com desprezo total do Estado de direito – o Centro Paula Souza ocupado por estudantes. E diante dos protestos contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff na manhã do dia 10 de maio, disse que foram “atos de guerrilha”.
Raul Jungmann Foto: Edilson Rodrigues/ Agência Senado
Raul Jungmann na pasta da Defesa
Já a pasta da Defesa acabou ocupada por Raul Jungmann do PPS. Durante o governo FHC, foi o principal responsável por questões fundiárias no país, chefiando o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) entre 1996 e 2002. Chegou a ser investigado por fraude em licitação, peculato e corrupção em contratos de publicidade da época em que foi ministro do Desenvolvimento Agrário, entre 1998 e 2001. Os contratos somavam R$ 33 milhões. A Justiça Federal arquivou o inquérito.
Segundo Jungmann, a previsão é de que o MST volte a assumir a postura agressiva e combativa que sustentava durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. “Durante o governo do PT, o MST ficou quietinho, muito mais dócil. Agora, ele quer voltar a ser agressivo contra um possível futuro governo Temer”, apontou numa recente entrevista. Também disse que precisa lidar com o movimento com firmeza, para evitar que as paralisações e bloqueios causem tumulto na vida das pessoas. Na entrevista ele também indicou os caminhos repressivos para paralisar o MST. Entre os métodos cogitados, todos sem nenhum fundamento legal, consta o de estrangular financeiramente as cooperativas que se suspeite colaborarem para ações de bloqueio implementadas pelo movimento, além de indicações precisas para impedir o deslocamento de seus membros para essas ações.
Sérgio Etchegoyen como ministro-chefe da Secretaria de Segurança Institucional
O general gaúcho Sérgio Westphalen Etchegoyen foi o escolhido para assumir como ministro-chefe da Secretaria de Segurança Institucional. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) também ficará subordinada à pasta que terá uma estrutura mais próxima do antigo SNI (Serviço Nacional de Informações).
Sérgio Etchegoyen ingressou nas fileiras do Exército em 1971 na Academia Militar das Agulhas Negras. Foi oficial do Estado-Maior da Missão de Verificação das Nações Unidas em El Salvador, entre 1991 e 1992, chefe da Comissão do Exército Brasileiro em Washington (EUA), de 2001 a 2003, e assessor especial do ministro da Defesa, Nelson Jobim, de 2009 a 2011. Desde dezembro de 2012 ocupava o cargo de chefe do Departamento-Geral do Pessoal do Exército, localizado em Brasília (DF), quando em março de 2015 foi escolhido Chefe do Estado-Maior do Exército.
A família Etchegoyen está ligada a revoltas militares desde os anos 1920.
O avô e o tio-avô de Sérgio, os tenentes Alcides e Nelson Etchegoyen, sublevaram o regimento de artilharia montada de Cruz Alta, no Rio Grande do Sul, em uma tentativa de impedir a posse do presidente Washington Luís. Derrotado e perseguido, o tenente Alcides participaria quatro anos depois da Revolução que derrubou a República Velha. Durante o governo Vargas, ele trabalhou no gabinete do ministro da guerra Eurico Gaspar Dutra e, depois, substituiu Filinto Müller como chefe da polícia do Distrito Federal, então sediado no Rio. Nos anos 1950, Alcides venceu as eleições para a presidência do Clube Militar em oposição à liderada pelo general nacionalista Newton Estilac Leal. Em agosto de 1954, assinou o manifesto que exigia a renúncia de Getúlio Vargas. Acabou preso em 1955 pelo ministro Henrique Teixeira Lott quando envolveu-se na articulação para impedir a posse de JK e Jango. Alcides morreu em 1956. Deixou dois filhos no Exército: Leo Guedes e Cyro.
Leo é o pai do general Sérgio. Nasceu em 22 de março de 1925, fez Escola Preparatória de Cadetes de Porto Alegre e seguiu na Academia Militar das Agulhas Negras – AMAN, em Resende-RJ. Foi declarado aspirante a oficial em 1945. Participou da derrubada de João Goulart em 1964 e após o golpe foi nomeado Chefe de Polícia do Estado, tendo sido sub-comandante nos períodos de Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel. No final da década de 60, foi chamado a Brasília para atuar como chefe da Assessoria Especial do presidente Emílio Garrastazu Médici. Leo foi citado no relatório da Comissão da Verdade, responsabilizado por graves violações a direitos humanos durante a ditadura militar. Conforme o relatório, Leo chefiou a Polícia Civil no “período no qual recebeu Daniel Anthony Mitrione, notório especialista norte americano em métodos de tortura contra presos políticos, para ministrar curso à Guarda Civil do Estado”. A comissão cita elogios do general ao tenente-coronel Dalmo Lúcio Muniz Cyrillo, chefe do DOI- CODI, em São Paulo, e a atuação dele na prisão coletiva de sindicalistas e líderes metalúrgicos do ABC paulista, assim como de seus advogados. Leo morreu em 2003.
Seu irmão Cyro trabalhava com o general Milton Tavares, o chefe do Centro de Informações do Exército (CIE). Foi apontado como chefe da Casa da Morte, centro de tortura que funcionou em Petrópolis. Usava o codinome de “Dr. Bruno”. Os mortos na casa eram depois esquartejados e enterrados nas cercanias. O número total de mortos nela é até hoje desconhecido, mas pelo menos 22 guerrilheiros foram assassinados em seu interior. Cyro Etchegoyen foi quem ordenou a libertação de Inês, ex-militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), acreditando que ela aceitara ser uma agente dupla. A ex-guerrilheira, porém, blefara e suas revelações custaram a Cyro a promoção para general.
O golpismo está no DNA dos Etchgoyen. Depuseram Getúlio, tentaram impedir a posse de JK e aplicaram um golpe contra Jango para liderar a repressão, a tortura e o assassinato. Agora em sua nova versão atual estão trabalhando para que um golpe parlamentar se transforme numa caça às bruxas, representando novamente os interesses escusos daqueles que pretendem “manter a ordem” contra o povo e a democracia brasileira.
Mais repressão para aplicar programa antipovo
As mobilizações contra o golpe e todos esses retrocessos vêm aumentando consideravelmente nos últimos meses, o que demonstra que o governo ilegítimo não terá sossego. E é justamente por isso que os golpistas se articulam para legitimar uma violenta repressão contra os movimentos sociais, estudantis e todos os trabalhadores que lutam em defesa da democracia e das grandes reivindicações populares.
É provável que nos próximos meses haverá uma escalada de violência. Existem setores no governo com objetivo de dar fim à esquerda e à democracia. As tentativas escancaradas de prender e condenar Lula, liquidar politicamente o PT e derrubar Dilma são apenas as primeiras iniciativas para liquidar toda a esquerda como agente político. E diante do clima sem possibilidade de conciliação, os militares podem entrar em cena. Ainda mais se inventarem um novo Plano Cohen terrorista para assustar a população e intervir energicamente contra o inimigo interno.
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