quinta-feira, 4 de agosto de 2016

"O Brasil não colapsa. O Brasil samba”

Pedro Garbellini - http://jornalggn.com.br/

Jornal GGN – “Ainda hoje eu perguntava a um amigo: como foi possível que a ditadura militar no Brasil durasse 21 anos? E como foi possível que essa ditadura militar terminasse sem um estouro, mas com um suspiro. Há uma realidade no desenvolvimento histórico do Brasil sobre a qual eu não tenha a menor condição de oferecer respostas. Estou só trazendo inquietações. Mas a conclusão é que não termina com bang, termina com whisper, como no poema do Eliot [The Waste Land, de T. S. Eliot].”
Foi assim que o chefe da Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, encerrou a entrevista que concedeu ao GGN ainda em julho, para tratar da PEC(Proposta de Emenda à Constituição) que Aécio Neves e Ricardo Ferraço, ambos do PSDB, tentarão aprovar no Senado com ajuda da base governista de Michel Temer (PMDB).

A ideia de uma reforma política com dois pontos principais – o fim das coligações em eleições proporcionais, a partir de 2022, e a imposição de uma cláusula de barreira para conter a proliferação de partidos políticos, a partir de 2018 – foi avaliada como uma medida necessária por Gonçalves, desde que a cláusula de desempenho tenha um prazo de validade. “Temos uma distorção atual no sistema e temos de corrigi-la de alguma maneira. (...) Nenhuma democracia é governável com 35 partidos”, disse.

A cláusula de barreira já havia sido aprovada na década de 1990 para valer a partir da eleição de 2006, mas foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal naquele ano, sob o argumento de que feria a liberdade de criação de partidos e os direitos conquistados por legendas de menor expressão.

Há quem acredite que o Congresso não teria sido tão indomável nos últimos anos, e o balcão de negócios não seria naturalizado, se a cláusula estivesse em vigor.

Com a queda de Dilma Rousseff e a entrada de Temer e seus aliados em cena, dúvidas sobre o eventual colapso do presidencialismo de coalizão também entraram em pauta.

Mas, na visão de Gonçalves, a tradição histórica brasileira não é de entrar em colapso. “O Brasil não colapsa”, segundo ele. “O Brasil samba!”

Uma reforma emergencial

Perguntamos ao procurador quais as medidas no âmbito da reforma política que deveriam ser aprovadas rapidamente para evitar um “colapso do sistema”.

Luiz Carlos dos Santos Gonçalves respondeu: “A tradição histórica brasileira não é a do colapso. A tradição histórica brasileira é a do rearranjo. Não quero dizer que o colapso está ou estará próximo. O que identifico é ao mal-estar e o desencanto [com o atual sistema de representação]. Talvez, para corrigir isso, a primeira medida seria a exigência de democracia interna nos partidos [para permitir o surgimento de novas lideranças]. A segunda medida seria a dificultação de [criação de] partidos para o futuro.”

A terceira medida, segundo ele, seria “uma cláusula de barreira que paulatinamente fosse exigindo dos partidos políticos uma interação maior com a sociedade."

"A quarta medida, desde que as anteriores fossem adotadas, seria a de rumar para o sistema de lista fechada”. E, por isso, a democracia interna nas agremiações é fundamental, caso contrário os mesmos candidatos serão sempre priorizados nas urnas.

“Não acredito na possibilidade de voto distrital, porque o desenho desses distritos abre margem para toda a sorte de manipulações. Acho que o Judiciário ficaria 20 anos discutindo o formato dos distritos. Seria muito difícil”, ressalvou o procurador.

Fim das doações de pessoas jurídicas

No ano passado, o Supremo tomou mais uma decisão polêmica, provocado por movimentos sociais, partidos e entidades de classe, no âmbito da reforma política: derrubou a doação eleitoral de pessoas jurídicas, valendo a partir de outubro.

“Eu entendo as razões que levaram o Supremo a decidir como decidiu. O sistema de financiamento eleitoral que tínhamos no Brasil era um problema. Era o sistema no qual o poder econômico era absolutamente decisivo. Empresas privadas doando 200 milhões de reais, 150 milhões de reais, isso evidentemente é escandaloso e impedia o surgimento de novas lideranças. Uma liderança popular não tem chance real de competir com o candidato beneficiado por financiamento milionário de empresa.”

Sem mencionar os desdobramentos da Operação Lava Jato, Gonçalves disse que ficou surpreso com o fato de as empresas se relacionarem com candidatos de todas as vertentes ideológicas, como se fosse um investimento para o futuro, o que motiva o “predomínio do abuso de poder econômico e formação do que chamamos de plutocracia. Governo dos ricos. Governo dos candidatos apoiados pelos ricos.”

Faltou alternativa

“Nesse contexto, a decisão do Supremo atacou os males. Atacou mas não criou alternativa para o financiamento eleitoral. Não é da tradição brasileira a doação de pessoas físicas. Medidas que poderiam ser interessantes, como a vaquinha, rebatizada de crowdfunding, o Tribunal Superior Eleitoral determinou que, por falta de lei, não é possível.” Faltou debater qual é a alternativa.

Outro ponto destacado pelo procurador foi que a proibição de pessoas jurídicas fazerem doações atinge também organizações da sociedade civil. “O movimento social tem que ficar muito esperto, porque se apoiar um candidato e se esse apoio vier, ainda que indiretamente, de uma pessoa jurídica, esse candidato pode vir a ser cassado.”

Somados esses dois itens, “me parece que a melhor decisão teria sido se o Supremo não proibisse a doação de pessoas jurídicas, mas encontrasse um critério objetivo de limitação do valor das doações. O problema na legislação anterior não era só que pessoas jurídicas poderiam doar, mas poderiam doar percentuais de seu faturamento. Uma grande empresa pode doar um valor milionário. Se a doação não dependesse do valor do faturamento, seria uma solução mais interessante. Era, inclusive, o pedido alternativo na Ação Direta de Inconstitucionalidade [ADI] 4650. Se eu fosse juiz, teria votado nessa alternativa.”


“Acho que a crise de representação existe, e se eu pudesse arriscar um palpite, diria que ela é causada pela sub-representação feminina nas casas legislativas”, disse o chefe da Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves

O impasse no financiamento público

E o financiamento público de campanha, qual o problema com a proposta?

Segundo Gonçalves, considerando o sistema atual, seria “nocivo num país com as nossas carências” destinar recursos públicos para bancar campanhas políticas. Só neste ano, o TSE calcula que 550 mil candidatos disputarão as eleições municipais.

“Seria possível pensar em financiamento público exclusivo maior se tivéssemos um sistema diferente, não este sistema proporcional de lista aberta. Talvez se fosse um sistema eleitoral de lista fechada, aí a pessoa vota na seleção feita pelo partido, e não no candidato, poderíamos pensar no financiamento público porque não teríamos 550 mil candidatos para financiar. O inconveniente dessa proposta é que hoje os partidos não têm democracia interna. Então, se a direção partidária fizer uma lista, você mata qualquer sopro de renovação.”

As mulheres e a crise de representação

“Acho que a crise de representação existe, e se eu pudesse arriscar um palpite, diria que ela é causada pela sub-representação feminina nas casas legislativas”, disse o chefe da Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo.

“O Brasil está num dos últimos lugares na igualdade de gênero na representação política, o que é um escândalo. Se você pegar o Congresso, 15% dos deputados são mulheres e 8%, senadores, numa população que tem 52% de mulheres. Temos um sistema político misógino que não dá igualdade para mulheres. Não vou nem citar sobre outras situações de discriminação que existem. As mulheres são subrepresentadas. Isso é uma situação que preocupa a nós do Ministério Público Eleitoral.”

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