sábado, 3 de setembro de 2016

Bolívia: a barbárie sem fim da elite branca

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Quatro pessoas — inclusive o vice-ministro do Interior, Rodolfo Illanes — foram sequestradas e torturadas até a morte por empresários que se faziam passar por sindicalistas

Por Leonardo Wexell Severo, no ComunicaSul

“Eram empresas camufladas de cooperativas mineiras”, afirmou o presidente da Bolívia, Evo Morales, denunciando os responsáveis pelo confronto que custou a vida de quatro pessoas, entre elas três mineiros e o vice-ministro do Interior, Rodolfo Illanes, sequestrado e torturado até a morte na última quinta-feira (25). Evo alertou que empresas privadas e algumas cooperativas mineiras “enganadas por alguns dirigentes” chegaram a obrigar trabalhadores eventuais a mobilizarem-se para defender as reivindicações pessoais de lideranças. “O governo nacional derrotou um golpe de Estado. Há documentos que dizem textualmente que a ação era para derrubar o governo”, frisou.
Depois dos hidrocarbonetos, a mineração é a segunda indústria de extração da Bolívia, que possui mais de meia centena de variedades de minerais. Além das maiores reservas de lítio do planeta, o país conta ainda com riquezas como estanho, prata, cobre, tungstênio, antimônio, zinco, ouro e uma infinidade de pedras preciosas, o que alimenta o apetite das transnacionais.Para o ministro de Governo, Carlos Romero, a manipulação das pretensas “cooperativas” por cartéis estrangeiros tem o objetivo explícito de privatizar e desnacionalizar os imensos e estratégicos recursos minerais do país andino “dentro de um quadro conspirativo e golpista”. “É este o verdadeiro pano de fundo que está por trás dos violentos protestos”, assinalou.

Vice-ministro Rodolfo Illanes é linchado e morto durante um sequestro por mineiros

Em que pese os reiterados chamados à negociação, ressaltou Romero, a fuga ao diálogo por parte dos cooperativistas mineiros demonstra que, desde quando iniciaram os bloqueios de estradas no começo do mês, buscavam a confrontação. De acordo com o governo, a enorme quantidade de explosivos encontrada em Panduro – principal local de enfrentamento, a 180 quilômetros de La Paz – aponta que existia uma estratégia para ocasionar centenas de baixas. “Além disso, um movimento reivindicatório não mata a uma autoridade do Estado, sequestra e tortura até a morte como ocorreu com o vice-ministro Illanes”, acrescentou.

Um ponto chave, recordou Romero, é que muito antes de ser promulgada a atual Lei da Mineração, algumas cooperativas do setor já haviam assinado 31 contratos com empresas estrangeiras, o que é terminantemente vetado pela constituição política do Estado Plurinacional.

Recursos estratégicos

No plano econômico, assinala o ativista, a posição das “cooperativas” é de reivindicar privilégios, como faz qualquer empresa: “querem imposto zero para a importação de máquinas e equipamentos, subvenção estatal para o consumo de energia elétrica, eliminação das obrigações com o meio-ambiente (particularmente com o uso da água, fundamental para a agricultura e o abastecimento da população) e a ampliação das suas áreas de trabalho”.Destacado ativista pelos direitos humanos dos povos indígenas da Bolívia, Porfírio Cochi assinala que, “conforme a Constituição, o único que pode assinar este tipo de contrato ou associação é o Estado Plurinacional – por tratar-se de recursos naturais estratégicos – e, além disso, somente com a autorização da Assembleia Legislativa Plurinacional”. Porfírio recorda que outro ponto de atrito dessas “cooperativas mineiras” com o governo é o temor destas à sindicalização: “porque dentro delas subcontratam trabalhadores de 15 a 25 anos como operários assalariados para um trabalho intenso de extração do mineral em situações precárias, sem benefícios sociais nem políticas de proteção social”. “Este é um dos principais pontos de desencontro, porque o governo reivindica a sindicalização dos trabalhadores e os cooperativistas rechaçam o reconhecimento dos sindicatos”, frisou.

                              Sob a fachada de “cooperativas”, empresas forçaram confronto

No domingo, a juíza Ana Dourado emitiu uma ordem de prisão preventiva contra nove mineiros acusados de serem os autores intelectuais e materiais do assassinato de Illanes. Entre os detidos está o presidente da Federação Nacional de Cooperativas Mineiras (Fencomin), Carlos Mamani Copa, e o vice-presidente, Carlos Castro.

Advogado de 58 anos, Illanes havia se deslocado até Panduro para auxiliar na resolução do conflito com a determinação de garantir a investigação do assassinato de mineiros com munição letal – denunciada pelo governo, que não autorizou seu uso – e desobstruir a estrada. A autópsia revelou que o vice-ministro apresentava graves lesões por todo o corpo, após ter sido golpeado durante cerca de sete horas: lesões nos centros nervosos superiores, lesão vascular e nervosa, hemorragia subdural, edema cerebral, traumatismo craniano e politraumatismo facial, torácico, genital e de extremidades. Uma multidão acompanhou seu cortejo fúnebre, domingo, em La Paz, exigindo justiça.

“Seja a respeito do companheiro Illanes, seja dos companheiros mineiros, tem que haver uma dura investigação, doa a quem doer. Quem acabou com a vida destes irmãos tem de ser processado pelo Ministério Público. Somente assim saberemos respeitar a vida”, afirmou Evo. O chefe de governo reiterou que “a Bolívia está de luto pelas mortes” e acrescentou que assim como o assassinato do vice-ministro é inconcebível, nenhum policial tinha autorização para fazer uso de munição letal, ainda que os manifestantes tenham feito uso de cargas de dinamite.

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