sábado, 3 de setembro de 2016

Canalhas! Canalhas! Canalhas!

Os 61 senadores votaram para impor aos brasileiros um programa político e econômico que foi rejeitado pelas urnas e para entregar o país a uma quadrilha.

              Eric Nepomuceno // www.cartamaior.com.br

Na quinta-feira, dois de abril de 1964, outro golpe de Estado, um golpe civil-militar se consumava, liquidando um governo soberano, eleito pelo voto popular. Naquela ocasião, as mesmas forças que ontem triunfaram recorreram aos quartéis. Agora, as tropas foram dispensadas.
Há 52 anos, uma sessão extraordinária do Congresso que reunia deputados e senadores, o conspirador direitista Auro de Moura Andrade decretou vaga a presidência, afirmando que o presidente constitucional, João Goulart, havia abandonado o país.

Era mentira. Goulart estava em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, tentando reunir força suficiente para resistir. Moura Andrade sabia disso. Todos sabiam.

O então deputado Tancredo Neves, conhecido por seu caráter suave e cordial, apontou o dedo ao rosto de Moura Andrade e disparou, com insuspeita voz de trovão: “canalha! Canalha! Canalha!”.

Os anos se passaram. Há dois dias, foi a vez do neto de Tancredo, o senador Aécio Neves, um dos articuladores do golpe contra Dilma Rousseff, ver como seu colega Roberto Requião, do mesmo PMDB de Michel Temer, que o encarava, antes de disparar contra ele e seu pupilo Antônio Anastasia, as mesmas palavras: “canalhas! Canalhas! Canalhas!”.

A intervenção ficou estampada, uma vez e para sempre, na testa de Aécio, Anastasia e outros 59 senadores. Sete mais do que o que seria necessário para fulminar um mandato popular.

Alguns dos 61 votos que destituíram a presidenta foram emitidos por senadores que, meses atrás, eram ministros do governo agora liquidado.

Nos longos e intensos debates dos últimos dias se viu de tudo: cinismo, farsa, hipocrisia, covardia, traição.

Canalhadas

Não houve uma única prova concreta que justificasse a cassação dos 54 milhões de votos soberanos obtidos por Dilma Rousseff em outubro de 2014. Sob o manto das formalidades processuais, se consumou a indignidade.

Longe do plenário do Senado, o que se viu foi a reiteração dos velhos hábitos da política mais baixa que já se viu no Brasil: Michel Temer e seus cúmplices oferecendo o ouro e o mundo para assegurar votos suficientes para legitimá-lo no posto que usurpou, a base de traição. Legalmente, talvez. Moralmente, impossível.

Sobram exemplos desse comércio de interesses. Menciono dois.

Às três da manhã, nas primeiras horas desta quarta-feira (31/8), diante de um plenário quase vazio e uma audiência ínfima, o ex-jogador Romário leu, com evidente dificuldade, o texto escrito por algum assessor, justificando seu voto favorável à destituição de Dilma Rousseff. Disse que se convenceu graças às razões expostas pelos acusadores da mandatária. Mentira: foi convencido com a nomeação de assessores ligados a ele em cargos públicos, agrado oferecido pelo novo governo.

Postura idêntica a mostrada pelo senador Cristovam Buarque, ex-ministro de Educação do primeiro mandato de Lula da Silva: em troca do seu voto, foi prometido a ele o luminoso posto de embaixador brasileiro na Unesco. Trocou uma biografia por uma vida em Paris.

Esse tem sido o preço da dignidade de alguns parlamentares, que supõem que Temer cumprirá o pactado – e supondo que aquela dignidade alguma vez existiu.

Canalhas! Canalhas infames! Uma patuscada de 61 canalhas!

Em nome de quê? De assumir uma farsa. Para impor aos brasileiros um programa político e econômico que foi rejeitado com veemência pelas urnas eleitorais nas quatro últimas eleições. Para entregar o país a uma quadrilha. Para condenar o futuro. Para permitir que uma mulher honesta seja substituída por um bando de corruptos.

Para defender a traição.

A história saberá julgá-los. O que cometeram nesta quarta-feira, é irreversível. O preço quem pagará serão os humildes, como sempre.

Começa agora um tempo de incertezas, dos ataques aos direitos alcançados nos últimos treze anos. 

Tempo de brumas. Tempo de infâmias. Tempo de vergonha.

Tempo de canalhas.

Tradução: Victor Farinelli



Créditos da foto: Beto Barata/PR



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