sábado, 3 de setembro de 2016

Le Monde : 'A triste ironia da queda de Dilma Rousseff'

E as verdadeiras vítimas dessa tragicomédia política são, infelizmente, os brasileiros.

          Leneide Duarte-Plon, de Paris // www.cartamaior.com.br

Depois de uma cobertura da crise brasileira julgada por muitos como medíocre, o jornal francês « Le Monde » fez no sábado, 27 de agosto, um editorial duro contra o processo de impeachment que vivia seus últimos dias.

Com título « A triste ironia da queda de Dilma Rousseff », o editorial terminava dizendo :

« Se não há golpe, há pelo menos « tromperie » (trapaça, fraude). E as verdadeiras vítimas dessa tragicomédia política são, infelizmente, os brasileiros ».
Felizmente para sua história, o jornal de referência da França _ como é conhecido, o mais respeitado e lido em embaixadas do mundo inteiro _ corrigiu sua linha inicial na cobertura da crise política no Brasil. 

Mas onde ele viu a ironia anunciada no título?

« A ironia é que se foi a corrupção que levou milhões de brasileiros a desceram às ruas nos últimos meses, não é por causa dela que cairá Dilma Rousseff. Pior : os artesãos de sua queda não são puros como arcanjos. O homem que lançou o processo de destituição, Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara de Deputados, é acusado de corrupção e de lavagem de dinheiro ».

Lendo o « Le Monde » nos últimos meses, tinha-se a impressão que a correspondente no Brasil desconhecia o monopólio midiático e o « jornalismo de guerra » dos jornais brasileiros e confiava demais nas reportagens que lia. 

Pouco a pouco, o tom do jornal foi mudando, à medida em que seus diretores percebiam a cobertura dos outros jornais da imprensa mundial, muito mais incisivos na análise e na percepção do julgamento da presidente Dilma como um golpe de Estado institucional.

« A presidente do Brasil é julgada por um Senado no qual um terço dos eleitos, segundo o site Congresso em Foco, são investigados por diversos tipos de crimes. Ela sera substituída por seu vice-presidente Michel Temer, supostamente inelegível durante oito anos por ter ultrapassado o limite autorizado de gastos de campanha”.


Logo no início do editorial, o jornal lembrava que ela era a primeira mulher eleita presidente no Brasil. “Mas seu afastamento, motivado por acrobacias contáveis, que ela teria praticado como outros presidentes, não passará à posteridade como um episódio glorioso da jovem democracia brasileira”.

Seria o impeachment um crime perfeito como querem alguns analistas?

Exercendo a honestidade do bom jornalismo, o jornal informa seus leitores como os defensores da presidenta viam o processo de que ela foi vítima:

“Para descrever o processo em curso, seus defensores falam de um “crime perfeito”. O impeachment, previsto na Constituição brasileira, tem toda a aparência de legitimidade. Ninguém veio, de fato, tirar Dilma Rousseff, reeleita em 2014, pela força das baionetas. A ex-guerrilheira usou de todos os recursos legais para se defender, em vão. Impopular e inábil, Dilma Rousseff pensa ser vítima de um « golpe de Estado », fomentado por seus adversários e pela mídia, em particular a televisão Globo, aliada a uma elite econômica preocupada de preservar seus interesses pretensamente ameaçados pela sede de igualitarismo de seu partido, o Partido dos Trabalhadores (PT) ».

Essa guerra no mais alto escalão do governo se desenrolou tendo como pano de fundo uma revolta social, Segundo o editorial, depois de “anos de felicidade” representados pelos avanços sociais e recuo da pobreza sob os dois mandates de Lula, veio, em 2013, o tempo das reivindicações cidadãs. O acesso ao consumo, a organização da Copa do Mundo e depois dos Jogos Olímpicos não bastavam.

“O povo queria mais que pão e circo. O escândalo de corrupção em grande escala ligado ao grupo de petróleo Petrobras terminou por escandalizar um país sacudido por uma crise sem precentes. Em plena confusão, uma parte dos brasileiros fizeram do juiz Sergio Moro, encarregado da operação « Lava jato » um heroi e da presidenta a ovelha negra ».

Resta a pergunta que me faço: “Quem resistirá ao julgamento da História : Sergio Moro ou Dilma Rousseff” ? 


Créditos da foto: Lula Marques

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