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Os jornais impressos perderam sua função informativa e agora começam a perder leitores e poder político. Suas gigantescas rotativas estão se tornando antieconômicas
A internet já supera todos os meios de comunicação como principal fonte regular de notícias dos americanos. O torpedo, que qualquer um pode enviar por celular, já é o mais poderoso meio de mobilização social. Foi um torpedo que salvou São Paulo da catástrofe, quando o estoque de sangue do Hospital das Clínicas caiu repentinamente para apenas 325 bolsas em outubro e operações chegaram a ser suspensas. Carlos Knapp, dirigente da Fundação Pró-Sangue, pediu à operadora Claro que lançasse um torpedo de apelo, e na manhã seguinte já havia filas de doadores. Filas que se mantêm até hoje, porque a Pró-Sangue identificou-se com o mundo afetivo dos jovens, sua forma de viver e se socializar. É um novo mundo, no qual a comunicação transcende o mero ato de informar e ganha dimensão antropológica, ou seja, molda o ser humano desde a infância. Uma nova “ambiência”, como diz o professor Muniz Sodré, na qual impulsos digitais se convertem em prática social e afetiva.
O poder de mobilização da internet já havia sido demonstrado no atentado de Madri, quando 100 mil espanhóis acorreram à praça, convocados por torpedos, mudando por completo do dia para a noite o resultado das eleições. E na campanha de Obama, quando milhares de pessoas comuns doaram US$ 10 por intermédio de redes de relacionamento, para eleger o primeiro presidente não branco nem de olhos azuis da história dos Estados Unidos.
Enquanto isso, jornais impressos do Ocidente e do Japão perdem pencas de leitores. No Japão, os cinco maiores perderam um quarto de seus compradores só nos últimos dois anos. Uma debandada de 13 milhões. Imaginem o prejuízo. Nos Estados Unidos, a debandada foi de 2 milhões em oito dos dez maiores.
Jornais monumentais como Chicago Tribune e Los Angeles Times estão à beira da concordata. Quatro também centenários abandonaram de vez o papel impresso; só podem ser lidos hoje na internet. Entre eles o Christian Science Monitor, famoso pela cobertura crítica das ditaduras militares da América Latina, e o Post Intelligencer, da cadeia montada pelo homem-símbolo do poder político da grande mídia, William Hearst, imortalizado no filme de Orson Welles, Cidadão Kane.
Outros jornais americanos estão extinguindo uma ou duas edições por semana, reduzindo páginas, eliminando suplementos literários, fundindo seções, demitindo até metade de suas redações e cortando até 5% dos salários altos. A crise dos jornais impressos americanos é braba. Algumas cidades não possuem mais imprensa local diária.
Na Inglaterra, os diários de qualidade, referência mundial da excelência em jornalismo, perderam entre 2,5% e 14% de leitores no último ano: The Independent, menos 14%; The Guardian, 6%; Daily Telegraph, 5%; Financial Times, 3%; The Times, 2,5%. Na França, o mesmo declínio, embora mais lento. Apavorados, os jornalistas franceses pediram socorro ao governo alegando a relevância dos jornais para a democracia. Esperto, Sarkozy anunciou um pacote de ¤ 600 milhões de ajuda, na forma de isenções fiscais, aumento nas verbas publicitárias do Estado e outras medidas. Um senador americano pensa na mesma solução.
Perda de influência
É o fim da arrogância dos grandes jornais impressos do Ocidente; dos tempos em que um editorial do Times derrubava um ministro. Esse processo vinha se dando por etapas, quase imperceptíveis, mas agora assume ritmo dramático e irreversível. Primeiro definharam os grandes jornais ligados ao movimento operário ou aos ideais libertários, como L’Aurore, francês fundado em 1897, no qual Émile Zola publicou o seu famoso J’Accuse, e fechado em 1944. O Davar, publicado pela central operária de Israel, em 1925, tornando-se o maior jornal do país, fechou em 1966. Todos num momento ou outro foram dirigidos por grandes personalidades, líderes que se tornariam presidentes ou grandes escritores. O L’Humanité, fundado por Jean Jaurés em 1904, no ano passado vendeu sua sede e rodou o chapéu pedindo doações. Se já existisse internet nos anos 40, talvez ainda pudéssemos ler o L’Aurore e o Davar, como hoje podemos ler o Christian Science Monitor.
Assim como os jornais anarquistas sucumbiram com a morte do anarquismo e os jornais de esquerda que os sucederam definharam quando o movimento operário se debilitou, hoje os que estão a perigo são os grandes jornais criados pela burguesia industrial e financeira que se tornou hegemônica no final do século 19. É como se essa burguesia e seus jornais não tivessem nada mais a dizer, em especial depois do desmoronamento dos grandes bancos do Ocidente.
Só três deles continuam firmes: o Al Ahram, do Egito, maior diário em língua árabe; o italiano Corriere de La Sera; e o The Wall Street Journal. Todos os outros entraram em crise. O Asahi Shimbun, fundado no apogeu da revolução Meiji que arrancou o Japão do feudalismo, teve de negociar no ano passado uma injeção de US$ 226 milhões da TV Asahi Corporation. O Financial Times, apesar de aumentar o preço de capa e cobrar pelo acesso ao on-line, apenas consegue se equilibrar. O famoso Times virou caricatura de si mesmo ao adotar o tamanho tablóide, na inútil tentativa de atrair os jovens. The New York Times e The Washington Post operam no vermelho. Também definha a última geração de jornais influentes surgidos no pós-Guerra, no bojo da derrota do nazifascismo, como Le Monde, criado em 1944 por De Gaulle, e Die Welte, fundado em 1948 pelas tropas britânicas de ocupação. O Le Monde vende hoje apenas 320 mil exemplares, depois de chegar a quase meio milhão. O Die Welte, de enorme prestígio no pós-Guerra, com tiragem de 1 milhão, hoje imprime 200 mil. Até El País, da última geração de jornais portadores de projetos políticos importantes, foi afetado pela profunda crise na Espanha. O Libération, fundado por Sartre em 1973, tira apenas 146 mil exemplares.
Primeiro esses jornais perderam sua principal função, a noticiosa, quando o público descobriu que não precisa mais comprar jornal para saber o que se passa. “Depois perderam sua função mediadora, porque se afastaram dos problemas reais da sociedade”, disse Paschoal Serrano, do site Rebellion, no Fórum Social Mundial de Belém. No mesmo fórum, Ignácio Ramonet, o especialista que até dois anos atrás ainda chamava essa mídia de “quarto poder”, disse que a quebra dos bancos enfraqueceu muito esse poder, cimentado que estava numa aliança com o capital financeiro. No ano passado, a dramática queda na receita de publicidade atingiu muitos deles como golpe de misericórdia.
Notícias populares
Tudo isso significa o fim dos jornais impressos? Não. Pode ser o fim de uma espécie, mas não de todo o universo dos jornais, que são mais de 11 mil no mundo todo. O hábito de ler jornais ainda é profundamente arraigado. Na China, que passa por uma revolução industrial e urbana comparável à que sacudiu o Ocidente 100 anos antes, os jornais florescem. Suas tiragens, crescentes, alcançam a casa do milhão. O Japão tem 15 diários com mais de 1 milhão de tiragem. A China tem 12, a Índia, 11, e até a pequena Coreia tem 2. Só o Asahi Shimbun, mesmo depois das últimas perdas, tem 2,5 vezes mais leitores do que os 80 maiores diários brasileiros somados, estimados em 4,5 milhões. Dos 100 jornais de maior circulação do mundo, 80 estão na Ásia.
No Ocidente, são os jornais populares que ainda mantêm grandes tiragens. Entre eles o americano USA Today (2 milhões de exemplares), que adotou desde o início o texto curto do tipo internet; o escandaloso tablóide Bild (4 milhões), da Alemanha; e os tablóides ingleses Mirror (2 milhões) e Daily Mail (1,5 milhão). Também no Brasil, enquanto os jornalões estagnaram em tiragens ridículas para o tamanho da população brasileira (em torno de 350 mil exemplares) e se descolaram totalmente dos sentimentos populares, diários mais baratos e de massa estão em expansão.
Mas esse negócio de vender milhões de folhas impressas, com notícias que já foram lidas um dia antes e de graça na internet, deve estar com os dias contados. Até por motivos ecológicos. No site do Jerusalém Post, quando você pede a impressão de um texto, aparece um pedido emblemático: “Depois de imprimir, por favor, plante uma árvore para ajudar a natureza”. A lógica indica que a longo prazo aos meios impressos caberá a leitura mais demorada das interpretações, especulações, ou textos muito especializados de economia e grandes reportagens e relatos, com periodicidade semanal ou mensal.
O modelo de negócios do jornal impresso é hoje uma montanha de problemas a serem resolvidos. O primeiro é que o número de leitores de suas versões on-line cresce, mas pouquíssimos querem pagar pelo acesso. Nos Estados Unidos foram 67,3 milhões de acessos por mês, em média, em 2008, 12% a mais que no ano anterior. E 3 bilhões de page viewers. Uma escala astronômica, em comparação com o número de leitores do impresso.
Um dos raros jornais que estão conseguindo cobrar pelo acesso é o Financial Times, porque caprichou na profundidade e especialização de sua informação econômica. Além disso, quem paga são empresas ou investidores para os quais a informação tem valor monetário, não apenas informativo. O Times digitalizou seu acervo, que contém a história viva dos tempos modernos, e com isso consegue cobrar de pesquisadores. Mas na maioria dos jornais a cobrança não funcionou e foi abandonada.
O Corriere de La Sera eletrônico recebe 88 milhões de visitações por mês e mais de 300 milhões de page viewers. Mas não há como cobrar. Sustenta-se pelo impresso, lançando um grande número de suplementos que garantem a vendagem e a publicidade, especialmente a de luxo. Este é o segundo paradoxo: os jornais não podem abandonar o impresso porque é nele que entra a publicidade paga, só que ela está minguando. Se ficar o bicho come, se correr o bicho pega.
Há outros paradoxos. Se antes o jornal organizava, hierarquizava e vendia as notícias recebidas de agências e mais algumas de seus próprios repórteres, hoje eles mesmos são as agências de notícias, os principais produtores de conteúdos e fontes de informação, sem ganhar um tostão com toda essa trabalheira, já que na web todos se apropriam de tudo de graça.
Como sair dessas armadilhas? Esse é o grande debate hoje nos Estados Unidos. Todas as propostas de um novo modelo de negócios para o diário impresso passam pela sua combinação com o on-line. Para torná-la rentável, há dois caminhos principais: acordos com sites que vendem mercadorias e acordos com sites de leitura para que paguem pelos conteúdos que usam. Cobrar pelos acessos? Só em último caso.
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