quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Não vem ao caso

Grande parte da conquista social havida nos governos petistas anteriores junto aos ganhos obtidos pelos mais pobres foi descartada.

            José Carlos Peliano // www.cartamaior.com.br

O caso é o seguinte: os escravos, os servos e os trabalhadores foram usados sempre como bucha de canhão. Ao longo de toda a história os reis, aristocratas, tiranos, governantes, enfim toda a turma do mando e do desmando, mandaram e desmandaram sobre os sem mando e desmando.

Assim, só vieram ao caso os casos levantados pelos que mandavam e desmandavam. O resto, ah! o resto, não vinha ao caso. Como a situação dos escravos, dos perseguidos, dos presos, dos fugitivos, dos condenados, dos servos, dos pobres, dos mendigos, dos trabalhadores. De todos aqueles excluídos que viveram na base da pirâmide social de todos os períodos da história.
Na vida industrial, quando se assentam os pilares da nova construção econômica moderna, o panorama visto das fábricas e indústrias não mudou muito. Os fabricantes e donos das indústrias usaram o argumento do aumento da produção, a reboque da produtividade, para garantir seus ganhos de mercado e da mais valia para produzirem o suficiente para a população urbana que avolumava.

As condições de trabalho nos albores da revolução industrial não eram nada satisfatórias. Jornadas de trabalho de 12 a 14 horas diárias, pagamentos irrisórios ao trabalho, juntos homens, mulheres e até mesmo crianças, sem qualquer proteção social. Esse desnível entre o trabalho e o capital, entre outros mandos e desmandos, ajudou à preparação do que se chamou acumulação primitiva. Dinheiro suficiente para os empresários produzirem mais e mais.

Trabalhar muito, ganhar pouco, sem descanso, membros de muitas famílias, até mesmo famílias inteiras, para sustentar a produção com produtividade crescente e geração de uma acumulação que garantisse vida longa ao capital. Os livros de história contam essas aberrações em detalhes e circunstâncias.

Graças aos flagrantes e gritantes mandos e desmandos do capital sobre o trabalho, gerando pressões, greves, revoltas e até mesmo quebra de máquinas, foi sendo arregimentada ao mesmo tempo uma intensa insatisfação social na Inglaterra e em seguida na média Europa, no que redundou na onda socialista. A Revolução Russa contribuiu para esse conjunto diverso de forças sociais, trabalhistas e políticas.

Pois a conversa desde tempo imemoriais muda de interlocutores, de discursos, de justificativas, mas no fundo, bem lá no fundo, continua sempre a mesma. As crises econômicas, ou as saídas da estagnação da economia, só podem ser superadas, segundo os que mandam e desmandam, reativando os investimentos para o aumento da produção e da produtividade.

E para que haja aumento da produção total e por operário (produtividade) ou se aumenta a jornada de trabalho ou se aumenta a produção por trabalhador. Nas duas maneiras, o trabalhador ganha relativamente menos e produz relativamente mais, ficando a produção adicional, convertida em dinheiro, nas mãos dos empresários. Todos os livros de economia tratam desse assunto de um jeito ou de outro. Este o resultado visível da desigualdade de renda crescente em toda a sociedade.

Hoje em dia a bandeira dessa conversa para boi dormir está nas mãos dos neoliberais. Liberdade para o capital manipular por seus mandos e desmandos toda a espécie de trabalho. Por que? Porque as condições do chamado contrato entre capital e trabalho, tendo de um lado o poder e de outro a fragilidade e a submissão, estão sempre favoráveis aos que mandam e desmandam.

Daí cortar todas as salvaguardas trabalhistas e sociais conquistadas ao longo da história. No Brasil do Fora Temer o mesmo se passa. Propostas de limitações sociais, direitos trabalhistas e cortes de gastos públicos para áreas sociais. A contrapartida é a reserva e a liberação de recursos orçamentários para projetos ancorados em investimentos privados. Seguem junto taxas de juros elevadas e sobrevalorização cambial.

Na mesa o aumento do limite de idade de aposentadoria para 65 anos, terceirização dos contratos públicos e privados de trabalho, liberação da negociação dos contratos de trabalho (não mais regulados pela CLT), entre outros. 

O que significa? Obrigar os trabalhadores a continuarem no mercado mais tempo até diminuir sua sobrevida na aposentadoria. Fragilizar as condições de negociação com os empresários provocando queda nos níveis salariais e aumentando a desigualdade social e de rendas.

Dirá a turma golpista no poder usurpado que isso não vem ao caso. Numa situação de crise econômica, o capital precisa de mais espaço para crescer e se multiplicar desde que o trabalho colabore. No futuro, completará o blá-blá-blá, todos sairão ganhando e felizes.

Esse é o mesmo discurso usado há tempos por outros tantos governos e países. Na Europa de hoje, ainda em crise há uns bons 5 anos, ele dominou e domina os cenários de Espanha, Portugal, Grécia, Itália, Irlanda, entre outros. No Brasil, os governos militares usaram argumentos semelhantes e mais tarde a turma de FHC. Os anos passam, os anos voam, e as conversas fiadas continuam rolando numas boas!

Não que toda essa turma neoliberal esteja blefando em seus próprios termos. Não. Ocorre que na visão ideológica dela só cabe mesmo esse tipo de solução contra o trabalho e o trabalhador. Como o capitalismo está nas mãos, mandos e desmandos deles, cabe a eles a solução que melhor lhes beneficiem. O resto não vem ao caso.

Tomei emprestado de Paulo Henrique Amorim a expressão “não vem ao caso” por ser oportuna, criativa e talhada para o que pensa e faz a turma usurpadora hoje no poder.

E para comandar na prática econômica e financeira o velho discurso neoliberal de sempre estão, pelo menos dois brasileiros com igual cidadania americana, o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central. O Brasil volta de novo ao velho atrelamento aos interesses americanos como as áreas de energia e petróleo. Já se fala inclusive em levar o país a pedir empréstimo ao FMI.

Grande parte da conquista social havida nos governos petistas anteriores junto aos ganhos obtidos pelos mais pobres foi descartada. Foi fechada a porta para a melhoria de trabalho e renda dos mais pobres e necessitados. Perderam a vez e a voz.

Sob a arquitetura capitalista dominante a solução econômica é sempre ideológica. O sistema precisa ser mantido a qualquer custo. Paga a população, muito os mais pobres, quase nada os que mandam e desmandam. Tudo é feito para salvar o capital, o resto, ah! o resto, não vem ao caso.

*colaborador da Carta Maior



Créditos da foto: Beto Barata/PR

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