quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Entre a impotência opositora e uma saída adiada (por enquanto)

O perigo é que estes setores mais antidemocráticos da direita mandem a via eleitoral ao diabo, forçando abertamente o caminho do terrorismo.

             Aram Aharonian // www.cartamaior.com.br

A manifestação realizada pela oposição venezuelana na última quinta-feira (1/9) teve, sem dúvidas, uma importante participação, superior às marchas celebradas nos últimos três anos, embora talvez de uma dimensão inferior àquelas realizadas em 2002, que desembocaram no frustrado golpe, com o apoio de alguns comandantes militares, que já não formam parte da cena política do país.

Até agora, as publicitadas queixas e ações opositoras serviram para ocultar a verdadeira crise sul-americana: o golpe no Brasil. A destituição de Dilma foi simultânea a esta importante mobilização da oposição venezuelana e acontece no mesmo período em que o novo governo brasileiro manobra para tirar a Venezuela do Mercosul. Coincidência?
O clima prévio ao 1º de setembro era o da glorificação do enfrentamento, carregado de um triunfalismo que tinha como perspectiva forçar o presidente Nicolás Maduro a convocar o referendo revogatório. A oposição imaginava que dessa maneira, colocaria fim ao atual governo. Tudo terminou com uma marcha pacífica, seguida por panelaços, mas longe das ameaças prévias de ocupação dos edifícios públicos, para exigir o mencionado “revogatório”.

As características da marcha não corresponderam às expectativas dos principais dirigentes, especialmente os grupos mais violentos da oposição, que tentaram imprimir um caráter de insurreição para derrubada do governo, alentando uma consciência claramente subversiva, disposta a utilizar qualquer método violento. A ameaça e o ultimato se mostraram um blefe, o que significou um golpe à credibilidade já deteriorada de seus principais dirigentes. Nas redes sociais, circularam imagens e vídeos onde os manifestantes mais radicais cobravam ações dos seus próprios dirigentes.

O governo de Nicolás Maduro, apesar de navegar num mar de dúvidas, onde – para muitos – os sonhos chavistas parecem se esfumar, também mobilizou sua militância, ocupou sítios estratégicos. Internamente, passou a impressão que, com sua própria mobilização e as tarefas de inteligência bem realizadas, o governo conseguiu diluir as ameaças golpistas da oposição

Para quem estava acossado, desgastado, submetido a uma inflação (e desabastecimento) brutal, e a uma guerra psicológica agressiva, realmente é um triunfo ter alcançado os níveis de ocupação das avenidas. Não é fácil encher uma via assim, e os próprios críticos do governo reconheceram. Explicar esta assistência numerosamente importante só pela capacidade de mobilização dos recursos públicos que o governo maneja é injusto: a defesa de um ideal, de um sonho, de uma esperança, de uma história, foi o que gerou (inclusive nos dias anteriores) expressões de auto-organização.

No último mês, foram fundamentais a ações de desmantelamento do aparato militar e terrorista de setores opositores, em especial do movimento Vontade Popular. Montantes de dinheiro nada pequenos, equipes utilizadas na guerrilha comunicacional e a ação de militantes contribuíram para desmontar parte fundamental das fontes da violência sangrenta. A detenção de alguns chefes de “comandos” (na fronteira, em Caracas) desarticulou um dos pontos da agenda da oposição.

O interessante é que esta desarticulação contou com a colaboração dos setores “não violentos” que convivem na MUD (Mesa de Unidade Democrática, aliança que reúne os partidos de direita opositores ao governo).

A campanha de intriga empreendida pela oposição em torno ao que chamaram “a Grande Tomada de Caracas”, que logo passou a ser só “a tomada”, receber importante cobertura dos meios de comunicação (dentro e fora das fronteiras venezuelanas), e conseguiu captar a atenção de setores políticos, econômicos, religiosos, educativos… e sobretudo, captou o imaginário da comunidade internacional.

Obviamente, a convocatória opositora teve como estímulo o palpável descontentamento da cidadania devido ao desabastecimento, à inflação, à insegurança, e pelo que alguns analistas classificam como “uma progressiva desintegração do governo”. Enquanto isso, os institutos de pesquisa revelam uma avaliação negativa da gestão, “a pior em 18 anos”. Ainda assim, a verdade é que a oposição não “tomou”, Caracas: chegou apenas até o bastião mais rico da capital.

Por trás dos planos desestabilizadores (e em alguns casos subversivos), a razão explícita e formal foi a de exigir celeridade no processo de convocação de um referendo para revogar o mandato do presidente Nicolás Maduro.

Mas a MUD desviou o propósito político de sua manifestação, e o referendo deixou de ser o protagonista da marcha de 1º de setembro, dando lugar às aspirações presidenciais de Henry Ramos Allup (presidente da Assembleia Nacional) e Henrique Capriles (ex-candidato presidencial), transformando o evento num ato proselitista, com brigas pelo microfone e um errático, aguado e disperso discurso final, que levou a um compreensível clima de decepção entre as bases opositoras.

Não era conveniente para a oposição que se produzissem mortos nesse cenário (como em 2014), porque tentam se mostrar ao mundo como democratas pacifistas, enquanto acusam o chavismo de violento – o roteiro foi escrito em Washington e é repetido pelo secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), o diplomata uruguaio Luis Almagro. As ações violentas que ocorressem durante a marcha seriam usadas contra a oposição, ofuscaria a imagem internacional que querem vender, e a diminuiria a possibilidade de somar novas figuras a serem apresentadas como presos políticos. Por isso, os focos violentos foram vistos fora da capital, especialmente na cidade de Táchira, próxima à fronteira com a Colômbia.

Mas a decepção com o discurso não foi exclusividade da MUD. Na mobilização governista, o presidente voltou a falar como quem está em seu primeiro dia de gestão, e começou a anunciar um programa de governo, onde declarava, entre outras coisas, que impulsará a luta contra a corrupção e a burocracia… o que causou risos e burlas nas redes sociais, inclusive entre a militância chavista. Maduro sabe que uma das grandes causas do declínio, além da incapacidade na política econômica, é o alto nível de corrupção que assola a Venezuela, onde abundam as redes familiares com influência nos diferentes níveis de governo – muitos em mãos dos chavistas, muitos outros sob tutela dos opositores.

Existe um evidente divórcio entre dois países que não dialogam, talvez nem se reconheçam, e tentem se reencontrar em conjunturas eleitorais… ou por essas ruas… Existe a necessidade de alimentar visões diferentes da realidade, mas não chegar ao ridículo: José Vicente Rangel, porta-voz comunicacional do governismo disse que a “Tomada de Caracas” levou somente 30 mil pessoas às ruas. O porta-voz da MUD, Jesús Torrealba, assegurou havia um milhão de militantes.

Nos últimos dois anos, o chavismo havia evitado se enfrentar nas ruas com a oposição. Os mortos de 2014 foram causados pela irresponsabilidade política de setores da direita que buscaram o confronto – e encontraram mais que isso.

Mas a campanha propagandística da Grande Tomada opositora, “despertou o chavismo e convocou o músculo que, lenta e gradualmente, parecia estar adormecido, burocratizado, oficializado. Diante das pretensões da oposição, este setor político passou a reagir, a mostrar sua força e compromisso, em importantes concentrações no interior do país, numa série de eventos que confluíram em Caracas um dia antes do 1º de setembro, e assim fez com que a data que deixasse de ser um trunfo exclusivo da oposição”, considerou a socióloga Maryclén Stelling.

Alguns analistas, especialmente os da esquerda radical, falam em um pacto entre governo e oposição de direita, que deixa por fora as necessidades urgentes da população.

Afirmam que para a MUD era necessário montar uma ação de rua que azeitasse as máquinas partidárias e revitalizasse suas esquálidas e fracassadas demostrações de força, para avançar em direção ao pacto em melhores condições. Segundo essa teoria, era necessário frear o desgaste político que esses dirigentes estão sofrendo em sua própria base social – depois que deixaram de reclamar, por exemplo, pela realização das eleições regionais para governadores, programadas para este ano.

O diálogo que faz falta, e que as cúpulas não buscam, é um multidiálogo, que contemple o conjunto de atores políticos e sociais coexistentes, e que, em primeiro lugar, aborde as soluções urgentes da crise de alimentos e medicamentos que o país enfrenta hoje – “necessidades que não podem esperar uma resolução da crise institucional, e que não se resolvem magicamente pela realização do referendo”, segundo o manifestado pela organização Maré Socialista, que faz oposição de esquerda ao atual governo.

E agora?

De qualquer forma, do ponto de vista político, o sucesso da mobilização e a enorme participação popular não levaram a que se concretizasse a saída de Nicolás Maduro da presidência, e a expectativa criada representa hoje um novo elemento de tensão. Uma hashtag que foi lançada no twitter por opositores se viralizou naquela mesma noite: #MalditaMUD

O que acontecerá quando, no final do ano, a MUD não tenha conseguido nada, nem o referendo revogatório, nem a saída de Maduro, nem as eleições regionais?

“A base social da direita amanhecerá em janeiro com uma ressaca moral de grande proporção, e provavelmente mais desmoralizada que nunca, vítima de uma nova estafa, de uma nova fraude”, aponta o analista Néstor Francia. “A única certeza, por enquanto, é que a direita venezuelana entrou num beco, e será decisivo saber quanto tempo tardará em sair dele”, agrega.

Cabe recordar que desde 1998, com a vitória de Hugo Chávez, a direita nunca deixou de contar com uma base eleitoral grande, e sua porcentagem de seguidores costuma rondar entre 40% e 50%. O crescimento da oposição – ou a queda do apoio eleitoral ao bolivarianismo – não significou uma perda total do apoio ao governo, mas sim uma sucessão de fluxos e refluxos, aumentando a polarização política no país.

Agora, “a saída” passa a ser mais provável nas eleições presidenciais de 2018, como estava pautado desde sempre. Então, ser poderá – ou não – se decidir pela alternância no governo, a primeira desde 1999. Se o referendo revogatório não acontecer, os dois lados da atual polarização se medirão nas eleições que estavam desde sempre no cronograma do sistema político: primeiro a dos governadores, depois a dos prefeitos, e finalmente a presidencial, daqui a dois anos.

“Esse é o cenário pós primeiro de setembro, no qual há de se considerar desde já o que poderá surgir através do diálogo, já que serão dois anos de tensões, e de uma dinâmica social com suas próprias demandas e seu próprio ritmo”, analisa o cientista político Leopoldo Puchi.

A verdade é que a direita mostra avanços na frente externa que, sem dúvidas, era um dos seus principais objetivos. Armaram a foto, publicaram em todos os lugares do mundo, como demonstração de força, buscando apoios para a saída de uma intervenção estrangeira. O perigo é que estes setores mais antidemocráticos mandem que preferem a via eleitoral ao diabo, forçando abertamente o caminho do terrorismo.

Tradução: Victor Farinelli



Créditos da foto: reprodução

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