Com certa decepção,
constatou Bill Clinton, 'desde 1945 os Estados Unidos não venceram nenhuma
Guerra'. Do Iraque fugiram em sigilo e na calada da noite.
Leonardo Boff* // www.cartamaior.com.br
O título é do último
livro de Luiz Alberto Moniz Bandeira (Civilização Brasileira, 2016), o nosso
mais respeitado analista de política internacional. O autor teve acesso às mais
seguras fontes de informação, a múltiplos arquivos, aliando tudo a um vasto conhecimento histórico. São
643 páginas densas, mas escritas com tal fluidez e elegância que parece estarmos
lendo um romance histórico.
Moniz Bandeira é
antes de mais nada, um minucioso pesquisador e, ao mesmo tempo, um militante
contra o imperialismo estadunidense, cujas entranhas corta com um bisturi de cirurgião. Não sem razão, foi preso entre
1969 e 1970 e novamente em 1973 pelo temível Centro de Informações da Marinha
(Cenimar), pois se opunha criticamente, no contexto da guerra-fria, ao
principal suporte da ditadura: os
Estados Unidos.
Os materiais de que
dispõe lhe permitem denunciar a lógica imperial presente no sub-título:”guerras
por procuração, terror, caos e catástrofes humanitárias”. Quem ainda nutre
admiração pela democracia norte-americana e procura se alinhar aos desígnios
imperiais (como fazem neo-liberais brasileiros), encontrará aqui vasto material
para reflexão crítica e dados para
uma leitura do mundo mais diferenciada.
Dois motes orientam
o centro do poder do estado norte-americano com seus inumeráveis órgaõs de
segurança interna e externa:”um mundo e um só império” ou”um só projeto e o
espectro da total dominação (full-spectrum dominance/superiority)”. Quer dizer,
a política externa norte-americana se inspira no (ilusório) “excepcionalismo”,
do velho “destino manifesto”, uma variante “do povo eleito por Deus, raça
superior”, chamada a difundir no mundo todo a democracia, a liberdade e os
direitos (sempre na interpretação imperial que emprestam a estes termos) e se
considerar (pretensamente) “a nação indispensável e necessária”, ”âncora da
segurança global” ou o “único poder” (lonely power).
Já no século XVIII
Edmund Burke (1729-1797) e no século XIX o francês Alexis Tocqueville (1805-1859), pressentiram
que o presidente norte-americano detinha mais poderes que um monarca
absolutista. Isso degeneraria numa “military democracy”(p. 55). Efetivamente,
sob George W.Bush por ocasião dos atentados às Torres Gêmeas”, se instaurou a
verdadeira democracia militar, com a declaração do “war on terror” e a
publicação do “patriotic act” que suspendeu os direitos civis básicos até o
habeas corpus e a permissão de torturas. Na verdade isso configura um estado
terrorista.
Como vários
cientistas norte-americanos, citados por Moniz Bandeira (p.470), afirmaram:
“não há mais uma democracia mas uma “economic élite domination” à qual se deve
submeter o presidente. As decisões são tomadas pelo complexo industrial-militar
(a máquina de guerra), por Wall Street (as finanças), por ponderosas organizações de negócios e por
um pequeno número de norte-americanos muito influentes. Para garantir o
“espectro da total dominação” são mantidas 800 instalações militares pelo mundo
afora, a maioria com ogivas nucleares e 16 agências de segurança com 107.035
civis e militares. Como afirmou H. Kissinger:”a missão da América é levar a
democracia, se necessário, pelo uso da força”(p.443). Neste lógica, de
1776-2015, portanto, em 239 anos de existência dos EUA, 218 foram anos de
guerra, apenas 21 de paz (p. 472).
Esperava-se que
Barack Obama desse outro rumo a esta história violenta. Ilusão. Trocou apenas
os nomes, mas manteve todo o espírito excepcionalista e as torturas em
Guantánamo e em outros lugares fora dos EUA como no tempo de Bush. À “perpetual
war” deu o nome de “Oversee Contingency Operation”. Por decisão pessoal
(criminosa), autorizou centenas de ataques com drones e com aviões não
pilotados, vitimando as principais lideranças árabes (p. 476).
Com certa decepção,
constatou Bill Clinton, “desde 1945 os Estados Unidos não venceram nenhuma
Guerra” (p.312). Do Iraque fugiram em sigilo e na calada da noite (p.508).
O livro de Moniz
Bandeira entra em detalhes mínimos sobre a Guerra na Ucrânia, na Criméia e no
Estado Islâmico na Síria, com os nomes dos principais atores e datas.
A conclusão é
avassaladora:”Onde quer que os Estados Unidos intervieram, como o “specific
goal of bringing democracy”, a democracia constitui-se de bombardeios,
destruição, terror, massacres, caos e catástrofes humanitárias…entraram para
defender suas necessidades e interesses econômicos e geopolíticos, seus
interesses imperiais”(p.513).
A mole de informações
arroladas sustentam esta afirmação, não obstante as limitações que sempre
poderão ser apontadas.
Leonardo Boff é
articulista do JB on line e escreveu Ethos Mundial: um consenso mínimo entre os
humanos, Record 2009.
Créditos da foto:
Skeeze / Pixabay
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