sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Alguma coisa saiu errada

                RIBAMAR FONSECA // http://www.brasil247.com/
Wilson Dias/Agência Brasil
Além da ameaça representada pela ação do PSDB no Tribunal Superior Eleitoral, o presidente Temer tem agora outra espada no pescoço: Eduardo Cunha, preso inesperadamente pelo juiz Sergio Moro. Por isso antecipou o seu retorno do outro lado do mundo, onde se encontrava, voltando às pressas do Japão para segurar a língua do homem-bomba, antes que ele acenda o pavio e exploda o seu governo. Aparentemente alguma coisa saiu errada nos planos de Temer que, provavelmente, teria prometido a Cunha que ele não seria preso, mas esqueceu de avisar o magistrado de Curitiba ou, então, este decidiu, por alguma razão desconhecida, quebrar possível promessa feita através do ministro da Justiça Alexandre de Moraes, com quem estreitara relações, antecipando a prisão do ex-deputado carioca, a quem havia dado o prazo de dez dias para apresentar defesa num dos processos a que responde. E o ex-parlamentar deve estar se sentindo traído.
Na verdade, embora todos acreditassem que um dia Cunha poderia ser preso, considerando não apenas o volume de acusações e provas contra ele mas, sobretudo, a pressão da sociedade, todo mundo foi pego de surpresa, inclusive Temer e o próprio acusado. O que teria levado o juiz Moro a prender o agora ex-presidente da Câmara enquanto Temer, o seu principal aliado, estava fora do país? Parece que tem caroço escondido nesse angu, pois ao contrário das outras prisões decretadas pelo comandante da Lava-Jato, desta vez não houve aquele costumeiro aparato, que produzia um espetáculo midiático: os agentes cumpriram o mandado de prisão sem aquele uniforme negro, sem máscaras e sem armas penduradas por todo lado. E nem Cunha foi algemado ou obrigado a andar de mãos para trás, como os outros presos. Para completar o novo cenário, o famoso policial japonês com tornozeleira foi substituído por um agente de "pitó" no cabelo, no estilo Wesley Safadão, já apelidado de "Samurai" nas redes sociais, e todos vestindo roupas normais, como se simplesmente acompanhassem o ex-presidente da Câmara Federal num passeio a Curitiba em avião especial.

Percebeu-se, também, que a mídia não escandalizou, como de hábito, a prisão do peemedebista, bem diferente quando os presos são petistas. No primeiro dia a TV Globo noticiou a prisão discretamente, sem conceder-lhe grandes espaços. No "Jornal Hoje" do dia da prisão o texto foi quase um pedido de desculpas: "Atendendo a pedido do Ministério Público o juiz Sergio Moro decretou a prisão do ex-deputado Eduardo Cunha", a apresentadora começou dizendo. A emissora, ao que parece, a julgar pelo texto e pelo ânimo dos apresentadores, não aprovou a prisão do peemedebista que, segundo consenso nos círculos políticos, se abrir o bico para salvar a pele da esposa, poderá derrubar o governo Temer, justo quando o novo presidente, talvez seguindo conselhos de FHC, começou a irrigar a horta da mídia com uma gorda publicidade. Afinal, ninguém como Cunha sabe tanto dos podres do atual Presidente e de toda a cúpula do PMDB, além dos conchavos de bastidores com os demais partidos, entre eles o PSDB, para a aprovação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, de cujo processo foi o artífice. Por isso ele é considerado um homem-bomba.

Causou estranheza, também, o silêncio dos seus aliados, em especial do presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves, com quem costumava confabular durante o processo de afastamento de Dilma. Parecia, pelas fotos, que estavam muito afinados. Aécio, porém, que costuma divulgar nota exaltando a Lava-Jato todas as vezes em que um petista é preso, desta vez ficou mudo, preferindo mergulhar na escuridão para ver se o esquecem, embora as denúncias contra ele venham se acumulando nos últimos dias. Outros tucanos emplumados, que também sempre festejam a prisão de petistas, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, estão quietos, fazendo cara de paisagem como se ignorassem os acontecimentos. Quando aceitou o pedido de impeachment e comandou a sessão da Câmara que o aprovou Cunha era incensado e bajulado por todo mundo, incluindo os tucanos e os mais de 100 deputados que controlava, mas agora que está preso parece ter contraído uma doença contagiosa e todo mundo quer distância dele.

O fato é que todos estão mudos, quietos, inclusive no Palácio do Planalto, como se nada estivesse acontecendo. O juiz Moro, ao que parece, conseguiu amedrontar todo mundo, criando um clima de tensão e apreensão que se reflete no plenário do Congresso Nacional, onde arrefeceu o entusiasmo inicial para aprovação das medidas de interesse do governo Temer. Não fosse a parcialidade da Lava-Jato, que agora deu um refresco aos petistas prendendo o peemedebista Cunha, e se poderia até acreditar que o Brasil está mesmo sendo passado a limpo. A credibilidade da operação, já negativada em pesquisas de opinião, poderá começar a ser restaurada quando for preso o primeiro tucano. Até porque alguns destacados membros do PSDB, como o prefeito eleito de São Paulo, João Dória, já afirmaram publicamente que "nenhum tucano será preso". De qualquer modo, há uma enorme expectativa quanto aos próximos passos da Lava-Jato, sobretudo se Cunha abrir o bico e falar tudo o que sabe. De uma coisa, porém, ninguém mais tem dúvidas: a prisão do até pouco tempo todo poderoso ex-presidente da Câmara confirma o ditado popular, segundo o qual "o inferno é aqui mesmo".

Ribamar Fonseca

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