Por Theo Rodrigues, colunista do Cafezinho
“O único ponto de partida para uma esquerda realista em nossos dias é uma constatação lúcida de sua derrota histórica”. A já conhecida frase de Perry Anderson publicada no editorial da New Left Review em 2000 ainda nos serve de guia para os dias de hoje.
Em 2016 a esquerda brasileira foi derrotada. E a derrota foi substantiva. Por um lado, perdeu em um coup de main a presidência do país, mas também perdeu no voto as eleições municipais. Após o impeachment veio o fim do monopólio da Petrobras no Pre-sal e a PEC 241 aprovada na noite de ontem. Todas retratam o retorno com sucesso da agenda neoliberal no Brasil. Reconhecer isso é o primeiro passo para um possível retorno da esquerda.
Passado o momento de assimilação da ruína, resta a antiga questão leninista: “Que fazer?”
A avaliação é clara: em um país com dimensões continentais como o nosso e com um sistema político multipartidário baseado em eleições proporcionais para o parlamento, nenhum partido tem condições de levar adiante sozinho o seu programa. A partir daí surge com cada vez maior vigor a ideia da Frente Ampla como guarida à esquerda.
De fato, já houve uma Frente Ampla vitoriosa no Brasil em 2002 quando o PT trouxe para vice de Lula o empresário José Alencar do então PL. Essa Frente Ampla se reconfigurou em 2010 quando o PMDB assumiu a vice-presidência na chapa de Dilma Rousseff.
No entanto, a tal Frente Ampla começou a se desfazer em 2013 quando o PSB de Eduardo Campos saiu da base aliada, em 2015 com a eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara dos Deputados e, finalmente, em 2016 com o impeachment.
Agora, com os partidos da esquerda isolados do cenário político, e com os erros da primeira experiência devidamente aprendidos, ressurge a necessidade da Frente Ampla. Mas qual seria a diferença dessa nova organização?
Uma avaliação comum na esquerda brasileira é a de que essa nova Frente Ampla não pode ser dirigida unilateralmente pelo PT. É preciso um compartilhamento maior das decisões em seu interior. Uma sinalização importante nesse sentido seria o PT ceder a vaga do candidato presidencial em 2018 para outra legenda da Frente, quem sabe Ciro Gomes do PDT.
Se a amplitude não estiver apenas no nome, precisará reunir em seu bojo duas frentes dos movimentos sociais que hoje estão organizadas na sociedade brasileira: a Frente Brasil Popular (PT, PCdoB, PDT, MST, UNE, UBES, CUT, CTB etc) e a Frente Povo Sem Medo (PSOL, MTST etc).
A nova Frente Ampla deve representar o que há de novo na sociedade brasileira. Por isso, para completar a chapa para a eleição de 2018 é preciso também algum nome que venha dos movimentos sociais, talvez um líder do MTST ou uma ex-presidenta da UNE. Indicações também podem vir do atual quadro partidário como Fernando Haddad ou mesmo Eduardo Suplicy.
Há um outro aspecto relevante para a constituição dessa Frente Ampla.
No Congresso Nacional tramita uma Proposta de Emenda Constitucional que visa reduzir drasticamente a quantidade de partidos existentes no país.
A PEC 36/2016 de autoria dos senadores tucanos Aécio Neves e Ricardo Ferraço propõe a cláusula de barreira – ou seja, só poderão funcionar no Congresso partidos que tiverem mais de 3% dos votos – e o fim das coligações partidárias.
Se aprovada, partidos como PCdoB, PSOL, REDE, PV, PPS, PPL, PSTU, PCB e talvez o PDT deixariam de ter tempo de televisão, rádio e acesso ao fundo partidário. Ou seja, acabariam.
Contudo, a dialética tem das suas ironias. Da contradição de uma mudança institucional que reduz direitos dos partidos políticos, pode surgir a brecha para uma nova forma de atuação da esquerda brasileira: a federação partidária.
A PEC põe fim à coligação entre partidos, mas cria um novo mecanismo chamado federação partidária. Os partidos unidos em uma federação partidária disputam juntos as eleições, mas após eleitos precisam continuar funcionando como um bloco político até a realização de novas eleições quatro anos depois.
Federações partidárias assim já funcionam em outros países com sucesso como a CDU e o Bloco de Esquerda que fazem parte do governo em Portugal ao lado do PS, ou a Frente Ampla que está no poder no Uruguai há 12 anos.
É intuitivo imaginar no Brasil, pelas afinidades eletivas que emergem, a conformação de três federações partidárias: uma com PT-PDT-PCdoB, outra com REDE-PV-PPS-PPL e, por fim, outra com PSOL-PCB-PSTU.
Essa nova Frente Ampla poderá, portanto, estar materializada na federação partidária.
Claro, em um mundo ideal – ou, numa expressão de alhures, no “otimismo da vontade” - a Frente Ampla consistiria num guarda-chuva para essas três federações partidárias.
Mas é aqui que reside o maior dos problemas. O “pessimismo da razão” nos obriga a avaliar que dificilmente esses três blocos caminharão juntos em 2018. Provavelmente lançarão candidatos próprios, quais sejam, Ciro Gomes, Marina Silva e Luciana Genro.
Uma coisa é certa: o sucesso da empreitada dependerá da generosidade política de todos para cederem em algum ponto.
Seja qual for o limite possível para a amplitude dessa Frente, o futuro da esquerda passará por essa reorganização coletiva.
“Reconhece a queda e não desanima. Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”, diríamos com Paulo Vanzolini.
Theo Rodrigues é sociólogo e cientista político.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12