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Para o coordenador de Justiça da Conectas, a atuação punitivista do MP na área criminal está associada a uma ideologia que atinge grande parte do sistema de justiça
O papel previsto para o Ministério Público na Constituição Federal de 1988 é o de uma instituição que defenda e ajude a efetivar os direitos da população. Entretanto, para o coordenador do Programa de Justiça da ONG Conectas Direitos Humanos, Rafael Custódio, hoje o MP tornou-se um grande violador de direitos em matéria penal.
“Muito se fala da Polícia Militar, mas todos os movimentos de direitos humanos que trabalham com segurança pública deveriam ter como pauta a reforma do Ministério Público. Em áreas como a ambiental, o Ministério Público tem uma grande atuação. Contudo, em matéria criminal, o MP é complicado, a ponto de propor [nas 10 medidas do Ministério Público Federal contra a Corrupção] o uso da prova ilícita. Hoje a instituição é uma grande violadora de direitos em matéria penal”, afirma Custódio.
“Após a Constituição Federal de 1988, houve um hiperdimensionamento do MP, que agora pode basicamente tudo em todas as matérias”, completa. O advogado cita como exemplo destas violações a atuação de alguns promotores nas audiências de custódia realizadas no estado de São Paulo. Segundo Custódio, a postura desses integrantes do MP costuma ser a de questionar a veracidade dos casos de tortura policial relatados pelos acusados, legitimando ações violentas e ilegais da Polícia Militar.
“A legitimação da palavra do policial é um tema importante que não se debate devidamente. Em geral, as pessoas são presas em flagrante por um policial militar. A produção de provas desse crime é, basicamente, a palavra do policial contra a do preso. Assim, prevalece a palavra do PM, pois o promotor e o juiz também avalizam esse tipo de entendimento.”
Para o coordenador de Justiça da Conectas, a atuação punitivista do Ministério Público na área criminal está associada a uma ideologia conservadora que atinge grande parte do sistema de justiça brasileiro, cujo resultado afeta, sobretudo, a vida de um grupo específico: o jovem negro e morador de periferia.
É esse o perfil que se destaca em presídios e em estatísticas de execuções extrajudiciais por parte do Estado. Mais de 60% dos presos são negros e o país atualmente é o 4º no mundo em termos de população carcerária.
O advogado observa que, desde 2006, quando foi instituída a Lei de Drogas, houve um boom de pessoas apreendidas e o saldo hoje é que 25% dos homens presos respondem por crimes relacionados ao comércio de drogas. Essa proporção aumenta entre as mulheres: 58% delas estão enquadradas nesse crime que não representa risco à vida. Custódio defende medidas de ressocialização, uma vez que o encarceramento em massa não alivia os índices de violência. “O Brasil tem um fetiche pelo crime hediondo, em aumentar penas, isso representa uma verdadeira ausência de reparação de justiça”, critica.
“A Justiça e seus braços atuam como mecanismo de controle social dessa população, pois são instituições montadas para refletir os valores da classe média dominante. É preciso fazer uma rediscussão do papel do MP, sobre quem são seus integrantes. Mesmo a Defensoria Pública tem se distanciado das cadeias, das ruas, passando a seguir e a reproduzir as práticas discriminatórias do MP e do Judiciário.”
Reformas no Judiciário
Custódio também vê falhas na atuação do Ministério Público em algumas de suas atribuições, como a de realizar inspeções nos presídios para evitar superlotações e violações de direitos e no controle externo da atividade policial. Neste último caso, os abusos de poder e o uso da força letal aplicados passam, muitas vezes, impunes. O MP, órgão independente que tem a atribuição de realizar o controle externo da atividade policial , é criticado por não executar devidamente esta função. Exemplo disso é que, em 2011, foram instaurados 220 processos administrativos pela PM, e, pelo menos até o ano passado, apenas um caso foi denunciado pelo MP, como mostra o relatório da Anistia Internacional “Você Matou meu Filho”, de 2015.
Entretanto, Custódio acredita que o MP não é o único órgão do Estado a atuar contra os princípios da justiça. “Na prática, o Poder Judiciário é ele mesmo um violador de direitos. Os presos de um Centro de Detenção Provisória superlotado estão lá porque um juiz mandou prender, porque toda prisão passa pelo crivo do Judiciário. O problema é que a ideologia do Judiciário brasileiro é a de legitimar violações de direitos humanos quando perpetradas por agentes públicos”.
A visão de Rafael Custódio sobre o Estado enquanto violador de direitos é paralela à de Marcos Fuchs, conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), diretor da ONG Conectas Direitos Humanos e do Instituto Pro-Bono.
“Caso fossem cumpridos todos os mandados de prisão emitidos pelos juízes, o Brasil teria uma população carcerária de 1,4 milhão de pessoas. Juiz adora prender, mas não sabe soltar”, afirma Fuchs, ressaltando os efeitos nocivos de certas decisões do Poder Judiciário, como o hiperencarceramento.
“Tem muita gente presa injustamente e desnecessariamente. Isso faz aumentar a superlotação e o Estado perde o controle dos presos provisórios. O crime organizado se aproveita disso e faz daquele preso um novo membro da facção. Quanto mais presos, mais superlotação e mais forte fica do Estado Paralelo”, analisa.
Diante deste cenário problemático de atuação do Ministério Público, do Poder Judiciário e também da Polícia Militar, Rafael Custódio vê a necessidade de reformas urgentes para concretizar os preceitos previstos pela Constituição de 1988.
“Um grande debate a se fazer é sobre a reforma estrutural do Judiciário, sobre a democratização e a constitucionalização da Justiça. É identificar que o Ministério Público, o Judiciário e a Polícia Militar não fizeram a transição democrática e propor reformas estruturais e institucionais para compatibilizá-los com a Constituição. Temos que questionar quem os compõem, qual sua ideologia, a quem e para que servem. O Judiciário está devolvendo justiça? Está reparando violação de direitos? Não pedimos uma grande mudança ideológica. Só pedimos que cumpram a Constituição e as leis.” – Rafael Custódio
Gustavo Antonio é jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero e cursa o último semestre de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Participa do 3º Curso de Informação sobre Jornalismo e Direitos Humanos, módulo do projeto “Repórter do Futuro”.
Pedro Lopes é repórter freelancer e estudante de jornalismo pela Universidade Federal de Goiás. Participa do 3º Curso de Informação sobre Jornalismo e Direitos Humanos, módulo do projeto “Repórter do Futuro”.
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